
Guerreira e determinada. Assim � a estilista Maria Ant�nia Calmon, que desde crian�a definiu que seria independente aos 18 anos. Para alcan�ar esse objetivo come�ou tudo muito cedo na sua vida. Seu primeiro trabalho foi aos 15 anos, casou antes da maior idade, foi m�e cedo. Virou modelo, mas sem medo de recome�ar, decidiu estudar e se tornou estilista e fez o seu nome inovando na crian��o de camisa para mulheres. Dona de uma f� inabal�vel em Deus, divide seu tempo entre o trabalho, o marido e, quando pode, com os netos que moram fora do pa�s.
"� preciso vencer o preconceito, perder a vergonha e aprender a definir e enxergar quem � seu p�blico, quem quer atingir"
Onde nasceu?
Nasci na Venezuela. Meu pai � venezuelano e minha m�e brasileira. Ele trabalhava com petr�leo, veio ao Rio de Janeiro, e conheceu minha m�e estava de f�rias. Se apaixonaram. Enquanto n�o casou e levou minha m�e para Venezuela, n�o sossegou. Eu e minha irm� nascemos l�, meu irm�o mais novo nasceu aqui em umas f�rias da fam�lia. Quando eu tinha 9 anos meus pais se separaram e viemos para o Brasil.
Como foi sua inf�ncia na Venezuela e a adapta��o no Brasil?
Foi uma del�cia, eu amava. Na �poca era um pa�s rico, por causa do petr�leo, e � lindo. Hoje a Venezuela � pobre, perigosa, cheia de viol�ncia, mas essa eu n�o conheci. Quando vim para c�, conheci uma outra cultura, totalmente diferente. Eu n�o falava nada de portugu�s. Entrei na escola e sofri bulling de cara, por n�o falar a l�ngua e o pouco que eu falava tinha um sotaque carregad�ssimo, e por causa do meu nome, que para os brasileiros era nome de gente velha Maria Ant�nia Calmon Naranjo. Tinha que falar meu nome em voz alta e de p�, era uma goza��o na sala. Tive que ter muitas supera��es, e fui me adaptando aos poucos. Depois de quatro anos n�o tinha mais sotaque. Falo espanhol fluentemente, leio, escrevo. H� dois anos minhas primas vieram aqui, tinha 20 anos que n�o nos encontr�vamos. Depois da primeira ta�a de vinho conversei com elas como se nunca tivesse sa�do de l�.
O que te marcou mais na Venezuela?
Os anivers�rios com as pinhatas, sempre na imagem do tema da festa. Bat�amos nela, e quando quebrava ca�a bala, chocolate e presentes. Era uma farra. � o que substitui as lembrancinhas aqui do Brasil. No final, as crian�as ficavam em uma grande roda e no meio soltavam v�rios pintinhos de galinha que eram pintados de cores variadas e eles sa�am correndo e cada crian�a pegava o que ia em sua dire��o. Uma vez ganhei um pintinho, fiquei encantada, virou meu bichinho de estima��o. Ele cresceu, virou uma galinha de estima��o, e chegou o dia de vir para o Brasil e eu n�o podia traz�-la. Tive que dar de presente para minha madrinha. Depois fiquei sabendo que um gato comeu minha galinha. Quase morri, porque ela era como um cachorrinho, aqui. Era o meu pet.
Demorou para aprender a l�ngua e fazer amizades?
Eu era supert�mida, e para completar tinha o maior complexo, porque era estr�bica e usava �culos fundo de garrafa. Em um ano j� falava portugu�s. N�o era paquerada na adolesc�ncia por causa dos �culos. N�o abria a boca para falar porque sempre as pessoas riam de mim. Foi um processo de tempo para adaptar a isso. Mas n�o deixava de me aproximar das pessoas, n�o tinha vergonha da minha apar�ncia.
Quando ficou livre dos �culos?
Chegou um momento que eles me incomodavam tanto, que eu tirava dentro da sala de aula para ningu�m olhar para mim e rir de mim. Mas for�ava muito a vista e aumentou meu estrabismo, al�m de me prejudicar nos estudos. Minha m�e percebeu, e na �poca surgiu a primeira lente de contato, a� fiquei livre de vez dele. Por causa de todo esse bulling eu ficava nervosa, e ru�a as unhas, ent�o tinha vergonha de mostrar meus dedos para as pessoas. Era uma trag�dia.
Voc� foi modelo. Como deixou de ser o patinho feio e se transformou no cisne?
Fui patinho feio na pr�-adolesc�ncia e adolesc�ncia, porque quando eu nasci era bonita. Com quatro anos j� usava �culos de quatro graus. Sempre fui muito aut�ntica, segura de quem eu era. Sabia que aqueles �culos eram passageiros. Depois que coloquei lente, aprendi a l�ngua, o bulling foi parando, parei de roer as unhas e fui melhorando.
O que queria ser quando crescesse?
Queria trabalhar com cinema, ser atriz de Hollywood. J� pensava grande, nada de Brasil. Desde crian�a eu j� tinha definido que ia estudar e quando tivesse 18 anos alugaria um loft em Nova York para estudar ingl�s e direcionar minha carreira de atriz. Quando fui morar no Rio de Janeiro, porque tinha me tornado modelo, fiz um curso porque estavam me chamando para fazer algumas figura��es e pontas em novelas. Mas quando fui fazer teatro no Tablado tomei pavor, porque n�o tinha nada a ver comigo. Era muita gente bicho grilo, um pessoal muito alternativo. Vi que o que me atra�a era produ��o que eu via nas telas, mas a realidade era muito diferente. Aquela tribo n�o era minha.
Como voc� virou modelo?
Comecei a trabalhar com 15 anos, porque queria ser independente, ter meu apartamento com 18 anos, mesmo que n�o fosse em Nova York. N�o queria depender de homem nenhum. Via muitas mulheres que n�o conseguiam sua liberdade porque dependiam de algu�m. Meu primeiro emprego foi de vendedora na Pecado Original, do Deado. Depois ele me contratou para trabalhar na Zoomp. Nisso minha m�e come�ou a mexer com moda, abriu uma loja de atacado no Barro Preto, e me chamou para trabalhar com ela, como gerente. Fiz curso de vitrinista, e v�rias lojas da regi�o me contrataram para fazer a vitrine deles. E comecei a fotografar nos lan�amentos de cole��o. Sempre gostei de fazer produ��o das minhas roupas, desde os tr�s anos, sempre escolhi o que ia vestir, sabia o que queria. As pessoas ficavam impressionadas de ver uma menina de 3 anos com tanta personalidade e me chamavam para desfilar. Ent�o, desde os tr�s anos que desfilava e fotografava para moda na Venezuela. Quando comecei a fotografar para minha m�e, um olheiro do concurso Garota Capricho, que estava sendo promovido pelo BH Shopping, me convidou e eu fui.
Ganhou?
Fiquei em segundo lugar. Casei nova demais e tive uma filha logo que me casei. Mas essas paix�es adolescentes costumam acabar r�pido, com 19 anos j� era m�e e divorciada. N�o contei isso no concurso, mas algu�m descobriu e denuncio. Eles falaram que esse n�o poderia ser o perfil da Garota Capricho, por isso fiquei em segundo. Depois deste concurso fio convidada para trabalhar no Rio de Janeiro.
Como foi a vida com um beb� e sozinha?
Uma loucura, porque quando separei com 18 anos n�o tinha terminado o segundo grau. Consequentemente n�o fiz faculdade, e n�o quis voltar para casa dos meus pais. Fiquei procurando em que poderia trabalhar, de forma que tivesse uma renda para custear moradia, filha etc. N�o queria ficar longe da minha filha e nem ser sustentada pela minha m�e. Por isso me inscrevi no concurso, para abrir portas. Por isso fui ser modelo. Naquela �poca tinha um grande preconceito de homem s� queria se divertir com mo�as jovens divorciadas e com filho. Essa era a fala machista dos homens da minha fam�lia, mas n�o deixei isso ser verdade na minha vida. Fui trabalhar como modelo, criei minha filha. Chegou um momento que percebi que a Gabriela precisava mais da minha presen�a, larguei a carreira de modelo e abri uma ag�ncia em Belo Horizonte. Apesar de a minha fam�lia ter uma condi��o muito boa, queria provar que eu conseguiria sozinha. Depois de um tempo percebi que as modelos estavam furando a ag�ncia, a� preferi fechar.
E o que fez depois disso?
Fui fazer moda na UFMG. Comprei uma loja no Shopping Del Rey, que estava abrindo, e vendia roupas e acess�rios que trazia de Nova York. Depois passei a importar tecido, desenhar roupas de festas e vender na loja. Foi quando nasceu minha marca Calmoni. Mas a� os chineses chegaram com pre�os imbat�veis. Fui for�ada a reinventar e fazer diferente. Percebi que precisava criar uma outra marca, em outro segmento. Pensei na camisaria, mas ainda era uma pe�a muito masculina para o vestu�rio feminino. Fechei a loja do shopping, dei um tempo para pensar no que realmente eu ia fazer. Enquanto n�o decidia, fui trabalhar como estilista free lancer em v�rias marcas. Trabalhei por tr�s anos como compradora do grupo Rolla, foi um laborat�rio muito bom, comprava para cinco lojas. Nesse tempo conheci o M�rcio, meu segundo marido.
E a camisaria?
Continuava na minha cabe�a, queria experimentar se daria certo. Eu trabalhava na Patr�cia Motta meio hor�rio, e ela vendia camisas de uma marca chamada Cori. Eram bem masculinizadas, e apesar de vender, escutava muitas clientes reclamando que parecia camisa de homem. Sempre gostei de trabalhar com o p�blico, porque temos o feedback direto do consumidor final. Percebi que blusa e camisa todo mundo precisa. Decidi fazer as camisas, e desenhei uns modelos diferenciados. Aluguei uma sala, contratei uma costureira e no hor�rio que n�o estava trabalhando fora, produzia minhas cria��es. Coloquei minha marca e levei para ver se a Patr�cia gostava. Ela aprovou e fez uma encomenda, mas pediu para colocar a etiqueta dela. Aceitei na hora. Foi uma das minhas primeiras clientes. Fiz tanta camisa para ela, que precisei sair da loja para dedicar apenas ao meu neg�cio. Ela tamb�m estava crescendo.
Ficou exclusiva?
N�o, percebi que poderia desenvolver o produto e colocar etiqueta das marcas. Produzi para a Patachou, K9, Ronaldo Fraga. Fui crescendo, passei a participar de feiras e a marca ficou forte, n�o precisava mais colocar a etiqueta de outras marcas.
Tudo isso sozinha?
Sim, sozinha. E j� estava com a marca h� 14 anos. Precisava de dar mais um up grade, eu estava muito sobrecarregada, porque eu era tudo: cria��o, comercial, marketing, administrativo, financeiro. Era X tudo. Queria que a marca fosse realmente reconhecida, e precisava de algu�m para cuidar do financeiro, que � uma �rea que nunca gostei. Quem cria n�o gosta de mexer com dinheiro, mas aprendi que quem tem seu neg�cio tem que entender e gostar de tudo. Foi a� que uma grande cliente minha, que tinha acabado de sair de seu trabalho, e era da �rea financeira, manifestou interesse em investir na marca, porque gostava da �rea de moda. Vendi 50% da marca para ela.
A marca cresceu?
Bastante. Fiz feiras no Brasil inteiro. Montamos estrat�gias para as pe�as aparecerem nas novelas. O produto caiu no gosto dos figurinistas da Globo. A Carminha, personagem de Adriana Esteves na novela avenida Brasil, usava todas as minhas camisas. Mas depois de tr�s anos tive uma grande decep��o comercial, parei por um tempo, e tive que recome�ar do zero novamente.
O que fez para se reerguer?
Foi um baque. Estava perto de fazer meus 50 anos, uma idade que achamos que estaremos com nosso neg�cio fortalecido, ou pronto para ser vendido e podermos desfrutar de todo esse trabalho, para termos uma vida mais tranquila. Afinal, passei a minha juventude trabalhando muito para chegar aonde cheguei. Infelizmente n�o foi o que aconteceu. Isso mexeu muito com minha autoestima. Com quase 50 anos estava sofrendo, tendo que recome�ar do zero, e sem for�as para isso.
Foi a� que criou o De repente 50?
Foi. Percebi que precisava parar e reagir, dar a volta por cima. J� estava com 49 anos, quase completando os 50. Precisei fazer um trabalho de perd�o para comigo mesma, dos meus vacilos, de todos as coisas que permiti que fizessem comigo. Junto com a minha f� – confio muito em Deus –, consegui resgatar minha autoestima, minha alegria, e criei o blog para compartilhar tudo isso. Descobri que muitas mulheres passam por fases semelhantes nessa idade, por motivos variados. Assim nasceu o blog, que hoje virou uma p�gina no Instagram. Depois disso, consegui criar minha marca, a Maria Ant�nia Calmon, com um novo olhar da camisaria e em novo formato, vendendo no varejo. Queria um trabalho que n�o demandasse todo o meu tempo, afinal, tinha acabado de me tornar av�, queria curtir este momento delicioso da vida. A mulher tem que saber que, independentemente da idade, podemos entrar em um novo ciclo, se reinventar, trazer um novo olhar e ser uma nova pessoa. Foi o que ocorreu comigo. E depois disso vi que minha vida voltou a andar, evolui em todas as �reas, como pessoa, mulher, m�e, esposa, av�, profissional, como tudo.
Na �ltima cole��o voc� lan�ou outras pe�as al�m da camisa
A pandemia me for�ou a isso. Tive que jogar um olhar diferenciado sobre a pe�a n�mero um, que � a blusa, que mais usamos e mais precisamos. Criei sobreposi��es para que a mulher tivesse uma roupa confort�vel e elegante para estar dentro de casa. Tudo com o olhar de reaproveitar as pe�as em mais momentos, sem o consumismo desenfreado. � ter pe�as de qualidade, dur�veis e vers�teis, para usar em v�rias ocasi�es. Se estiver com uma camiseta e uma cal�a de moletom, ou com uma bermuda, ou mesmo de biquini ou maio, joga ela por cima e estar� elegante para receber algu�m. Criei na pandemia porque percebi que precisava trazer mais leveza e luz para nossas vidas, essa foi a inspira��o e por isso a pe�a � superleve. Estamos em um momento que n�o queremos roupa pesada, engessada.
Alguma novidade?
Sou muito apaixonada com essa coisa de trabalhar com o ser humano, de poder ajudar. Estou criando um curso de mentoria para mulheres na faixa dos 50 anos que precisam de ajuda para trabalhar com as redes sociais. Hoje, isso � parte importante da comunica��o pessoal ou profissional. Com essa mudan�a do mercado, de tudo ter se tornado digital, � preciso saber trabalhar com isso. As redes sociais n�o s�o apenas um espa�o para se exibir, tem muita gente que usa para isso, mas j� est� muito mais avan�ado, tornou uma importante ferramenta de trabalho e de comunica��o, e � preciso saber usar todos seus recursos para se recolocar no mercado, lan�ar ou firmar sua marca, ou simplesmente ter uma voz, se fazer ouvir. � preciso vencer o preconceito, perder a vergonha e aprender a definir e enxergar quem � seu p�blico, quem quer atingir. N�o podemos ficar presos no julgamento dos outros ou no perfeccionismo que trazemos ao longo da nossa maturidade.
