
A dona de casa C�lia Soutto Mayor precisava ajudar na renda da casa e foi em seus dotes culin�rios para fazer doces que come�ou a ajudar em casa, com a venda de deliciosos suspiros. O neg�cio cresceu, passou a oferecer salgados, virou buf� de peso. Os quatro filhos passaram a atuar na empresa, mas � a discreta filha ca�ula quem herdou tudo de sua m�e: o nome, o dom e o talento para doces e a cozinha da empresa. A semelhan�a � t�o grande que at� no n�mero de filhos � igual. Celinha foi a primeira ir trabalhar com a m�e, e h� anos � a respons�vel por toda a produ��o do buf�, � a verdadeira alma da empresa, e como os filhos sempre superam seus pais, ela saiu melhor que a encomenda, porque al�m de fazer doces com maestria, tamb�m � craque nas comidas salgadas. H� cinco anos, mais uma semelhan�a com sua m�e: resgatou a receita de suspiro e conseguiu aprimor�-la. Patr�cia, a primog�nita, foi a �ltima a entrar e assumiu o comercial. Nos 50 anos do buf� entra a terceira gera��o, Bernardo, filho de Patr�cia, trazendo um olhar jovem que j� reflete em mudan�as.
Como come�ou a sua hist�ria com a culin�ria?
C�lia – Gostava muito fazer doces, e desde pequena ficava ao lado da minha m�e, Oph�lia, e da minha bisav� Ana C�ndida na cozinha, vendo e ajudando na feitura dos quitutes. Naquela �poca, n�o existia confeitaria e faz�amos tudo em casa. Tomei gosto pelos doces. Minha fam�lia gostava muito de festa, comemor�vamos todos os anivers�rios e datas especiais com festinhas. Minha m�e era habilidos�ssima em tudo, era antiga, mas moderna, n�o era antiquada. Ela cozinhava muito bem, aprendeu com minha bisav� e aprimorou. Tinha o dom.
Quando come�ou a fazer doces para fora?
C�lia – Eu j� estava casada e j� tinha meus quatro filhos, Patr�cia, M�nica, Jo�o Filho e Celinha. Queria ajudar em casa financeiramente, e pensei o que poderia fazer para ajudar meu marido. Tocava piano muito bem, poderia dar aulas, mas achei que n�o seria muito rent�vel. Mas tem coisas que acontecem sem explica��o. Veio o suspiro na minha cabe�a, em uma �poca que ningu�m fazia suspiro, e coloquei a m�o na massa. Vendia para amigos, e come�ou a fazer muito sucesso. Eu era muito amiga do Guido Comanducci, que tinha concess�o do restaurante do Minas T�nis Clube, e ele levou meus suspiros para l�, a� o neg�cio deslanchou porque teve muita aceita��o. Passei a fazer outros doces. Um dia, a Ros�ria, empregada dom�stica de uns amigos, me visitou querendo trabalhar comigo. Foi na hora certa, porque precisava de mais ajuda e ela era salgadeira de m�o cheia, coisa que eu nunca soube fazer. Completou o time, e ficou comigo uns 30 anos, saiu por problemas familiares.
Quando os meninos entraram na empresa?
C�lia – Eu morava na Rua Paulo Afonso, mas ficou pequeno, e constru� esta casa aqui, na Rua Marab�, onde tinha o buf� e a nossa casa. A empresa j� estava constitu�da, com o meu nome, tudo oficializado. Celinha, minha ca�ula, por coincid�ncia ou n�o, herdou o meu nome e o dom para a culin�ria. Foi a primeira a vir trabalhar comigo. Tinha acabado de entrar para o curso de pedagogia, mas estava precisando de ajuda e como ela tinha a m�o boa para cozinhar, a chamei. Apesar de todos me ajudarem a enrolar doces, embrulhar e embalar nos fins de semana.
Patr�cia – Celinha j� tem 39 anos de empresa. O papel dela � muito importante, porque � quem cuida da alma da empresa, � a respons�vel pela cozinha. Eu entendo muito o que combina e harmoniza com o qu�, mas quem � boa de cozinha � a Celinha. Ela herdou o nome e os dotes culin�rios da mam�e e teve quatro filhos tamb�m.
Desde pequena tamb�m gostava de cozinhar?
Celinha – Sim, desde pequena ficava sapeando minha m�e e Ros�ria cozinhando. N�o s� eu, mas n�s todos, porque tudo era feito na cozinha externa da nossa casa, crescemos no meio de toda essa mexida. Sempre ajud�vamos a enrolar doces e embrulhar nas nossas horas de folga e quando fui chamada para trabalhar aqui, entrei de cabe�a. Como minha m�e, gosto mais da parte dos doces, mas tamb�m sei e gosto de fazer comidas salgadas, e aqui no buf� temos que olhar todos os lados. E tenho muito prazer no que eu fa�o.
Todo o desenvolvimento das receitas e menu � com voc�?
Celinha – �, mas em parceria com a Patr�cia, que � da �rea comercial. Ela inventa as modas e tenho que “rebolar” para pesquisar, criar a receita com minha equipe de desenvolvimento, e a� experimentamos com ela. Fazemos cr�ticas, observa��es, ajustamos a receita at� ficar no padr�o C�lia Soutto de qualidade. � um trabalho a quatro m�os. Patr�cia viaja mfuito para fazer pesquisa e traz refer�ncias do que gostou, passa para mim e, depois de aprovado, introduzimos no card�pio.
Fez algum curso de culin�ria?
Celinha – Nunca fiz. Comecei a fazer nutri��o, mas na �poca eu estava com meus quatro filhos pequenos, o buf� demandava muito e ficou impratic�vel continuar com o curso. Tudo o que sei aprendi sozinha, mas pesquiso muito. Sempre tivemos pessoas muito qualificadas na �rea de produ��o sob a minha ger�ncia. Sempre tivemos �timos cozinheiros, e em algumas �pocas chamamos chefs renomados para desenvolver card�pios especiais a quatro m�os, como, por exemplo, o Adriano Rico.
Por que voc� n�o aparece como a chef respons�vel?
Patr�cia – O Bernardo, meu filho, entrou agora para a nossa equipe, e questionou a mesma coisa. Disse que temos que mostr�-la mais. Muitas pessoas se referem a mim como sendo chef, n�o sou e sempre fiz quest�o de deixar isso claro. J� fiz muitos cursos aqui e no exterior, inclusive com chefs renomados como Arzak, Ferran Adri� e Pedro Subijana, mas meu enfoque sempre foi conhecer produtos, receitas, harmoniza��es. Estar por dentro das novidades, dos diferentes estilos de culin�ria, de temperos, misturas, etc. Tudo para agregar ao buf�. Sei cozinhar, claro, mas n�o tenho o dom natural de Celinha, que cuida da alma da empresa. � importante que as pessoas saibam que nossa cozinha est� sob a responsabilidade de uma das filhas da fundadora.
Celinha – Trabalhamos muito, � tanta loucura que nunca paramos para pensar nisso. Quando uma pessoa entra, v� coisas que quem est� h� mais tempo n�o percebe. Esse novo olhar agrega, oxigena a empresa. As observa��es e pontua��es positivas que Bernardo tem feito, t�m aberto nossos olhos para coisas importantes que n�o v�amos. Desde que Patr�cia entrou na �rea comercial se tornou a imagem da empresa, principalmente por sua compet�ncia, simpatia e capacidade de bons relacionamentos. Deu t�o certo que n�o nos atentamos para mostrar quem estava � frente da cozinha.
Patr�cia – A partir de agora, vamos mostrar o incr�vel trabalho dela, o dia a dia da produ��o.
Como foi a entrada dos outros filhos, depois da Celinha?
C�lia – Depois da Celinha vieram a M�nica, e em seguida o Jo�o Filho, que assumiu a �rea administrativa, o que me ajudou muito, porque meu marido j� estava doente e eu queria me dedicar mais a ele. Por �ltimo foi Patr�cia, que entrou na �rea comercial, h� 30 anos. O Thiago, filho da M�nica, tamb�m trabalhou aqui, mas hoje est� no Conselho.
Ap�s a entrada dos seus filhos, voc� se afastou?
C�lia – N�o parei de trabalhar totalmente. Diminu� o ritmo e tirei um pouco da responsabilidade que ficava sobre mim para cuidar do meu marido, mas como era tudo no mesmo pr�dio, ficou mais f�cil.
Qual foi a maior inova��o do buf�?
Patr�cia – Logo que eu entrei, fiquem pensando o que poder�amos fazer de diferente do que tinha no mercado. Mam�e tinha comprado uns fornos, e decidimos assar e fritar todos os salgados no local da festa. Lev�vamos tudo montado, mas cru, e ass�vamos no local. Ningu�m fazia isso, todos os buf�s levavam tudo pronto, mas quer�amos fazer diferen�a, e nada melhor do que oferecer um salgado quentinho, sa�do do forno para o convidado, � mais frescor e qualidade. Dava um trabalho enorme, mas valia a pena. Um dia, a Catharina ligou para c� para perguntar por que a gente tinha inventado essa moda, porque todo mundo estava querendo que os salgados fossem feitos na casa, na hora da festa. Fomos os pioneiros em Belo Horizonte a oferecer esse servi�o. Foi um marco no buf�.
Voc� ficou respons�vel tamb�m por pesquisar e trazer novidades?
Patr�cia – Foi. Comecei a viajar e trazer as coisas de gostava que encontrava nos restaurantes, que achava que era poss�vel adaptar para o buf�. Lan�amos o bombom de berinjela, que vi em Buenos Aires, e foi in�dito aqui e at� hoje est� em nosso card�pio. Antes era tudo mais dif�cil, n�o tinha internet, precis�vamos viajar mesmo para ver o que tinha de diferente. E ainda enfrent�vamos outras dificuldades, porque os produtos n�o chegavam aqui. Mas eu chegava e explicava tudo para a Celinha, e ela reproduzia de acordo com as minhas explica��es.
O que mais voc�s inovaram?
Patr�cia – Eu trouxe acetado da Espanha para fazer nossos bolos. As formas francesas para Madalaine. Os garfinhos de coquetel, menores que os de sobremesa, que eu trouxe da China.
Como voc� v� o buf� hoje, comemorando 50 anos?
Patr�cia – Neste momento dos 50 anos, estamos repensando o buf� por causa da data t�o significativa e por causa da pandemia. Vimos que as pessoas est�o valorizando fam�lia, cuidado, carinho, aten��o, ingredientes que remetem a boas lembran�as, querem resgatar coisas simples que priorizam o sabor, em termos de mem�ria afetiva. Percebemos que neste momento precis�vamos abrir o que � alma do buf�, que � a nossa produ��o. O grande marco dos 50 anos � estarmos abrindo a nossa produ��o, contando nossa hist�ria de bastidor e mostrando �s pessoas a import�ncia de tudo isso existir. Estamos vivendo um novo ciclo de vida e neste novo ciclo vamos valorizar essas coisas internas, que sempre foram valorizadas por n�s, mas nunca foram ditas.
O segmento de voc�s foi muito afetado com a pandemia. Como se reestruturaram para trabalhar neste cen�rio?
Patr�cia – Logo que come�amos aqui, compramos a casa da frente e antes da reforma atend�amos pequenas encomendas e marmitas. Isso h� 33 anos. O buf� cresceu, mas mam�e nunca deixou que acabasse com este atendimento. Quando o Collor reteve o dinheiro de todo mundo, o aperto financeiro nas empresas foi geral, o que nos segurou foram esses clientes. Nossa raiz � diferente dos outros buf�s. Acho que o que sempre foi a marca principal do C�lia Soutto Mayor � a simplicidade da fundadora em termos de vida, testemunho de valores de amizade, simplicidade, de quem est� junto de voc�. Essas coisas sempre foram muito marcantes no buf�. Quando chega uma pandemia como chegou, a primeira coisa � achar que vamos enlouquecer, porque temos um faturamento de X e ele n�o entra, � desesperador. Mas t�nhamos nossa ra�z, plantada pela nossa m�e, atendendo 15, 20 pessoas, o que outros n�o faziam. Por isso nosso resgate p�s-pandemia foi mais f�cil, mas reinventamos o kit festa, a marmita, que agora chama combinados quentinhos. Isso tem nos segurado.
Quando e por que resgataram o suspiro?
Celinha – Patr�cia chegou da China querendo fazer um doce com suspiro. Um funcion�rio fez o suspiro, mas ficou uma porcaria. N�o aceitei, principalmente porque conhecia o suspiro da mam�e, que tinha dado in�cio a tudo. Desenvolvi a receita at� o suspiro ficar t�o bom como era h� 50 anos. Conseguimos. No in�cio, vendia pouco, mas o boca a boca funcionou, e as vendas aumentaram rapidamente, porque o suspiro � maravilhoso mesmo. Os clientes dizem que � o melhor suspiro do mundo, e ningu�m consegue fazer igual.
O C�lia Soutto tem tradi��o de atender a grandes eventos oficiais. Como conseguiram?
Patr�cia – Verdade, marcamos presen�a nos maiores eventos da cidade. Fizemos a inaugura��o dos shoppings, anivers�rio da Usiminas, Acesita, Encontro das Am�ricas, Copa do Mundo, BID. Depois do BID, o governador recebeu uma carta do presidente do BID que considerava a recep��o, em termos da gastronomia do que foi servido para eles, a melhor. Mandaram uma pessoa para fotografar a cozinha para levar como modelo, porque estavam montando uma nova estrutura no BID, em Whashington. Mercosul, todos os lan�amentos dos carros da Fiat. Quando a princesa Anne veio aqui e quando o pr�ncipe Harry veio, n�s � que os atendemos, porque n�s somos o buf� que mais atendeu a eventos internacionais. Para isso precisamos atender a diversos crit�rios e documenta��es, como licen�a ambiental, nutricionista, etc., e preenchemos todos eles.
C�lia – Quando o Itamar Franco veio a Belo Horizonte, fizeram um evento para ele no Autom�vel Clube e nos contrataram. Eu tinha sido convidada para a festa e me apresentaram a ele. Ele disse que tinha sido o segundo melhor bacalhau que ele tinha comido na vida dele. O primeiro tinha sido na Noruega. Fiquei emocionada, mas muito sem gra�a. Em seguida, encontrei-me com ele na Academia Mineira de Letras e ele tornou a falar do bacalhau. � gratificante.
Patr�cia – Na quinta-feira, fizemos um evento para o embaixador do Jap�o, que veio de forma bem discreta. Foi um jantar no Minist�rio P�blico para 16 pessoas, por causa da pandemia. Sempre que tem eventos desse tipo requisitam nosso buf�.
Entrou a terceira gera��o. Qual a atua��o do Bernardo?
Celinha – Ele entrou h� pouco tempo. Est� conhecendo a empresa para ficar inteirado de todas as �reas, do neg�cio como um todo. Est� ajudando na �rea comercial tamb�m. Veio para dar uma oxigenada na firma. J� est� trazendo algumas inova��es para come�armos a implantar. Chegou no meio da pandemia, em setembro do ano passado. Ele � engenheiro de produ��o. Est�vamos no meio daquela loucura de lan�ar produtos para atender os clientes neste novo momento. Est� ajudando muito nos processos da produ��o, log�stica.
Depois que a C�lia saiu do trabalho direto, continuou participando das decis�es?
C�lia – Nunca deixei totalmente, porque criamos o Conselho, do qual sou a presidente. Sempre dou palpite e estou a par de tudo o que acontece aqui. Acompanho de longe, apesar de n�o estar mais no dia a dia da gest�o. Hoje, todos os filhos fazem parte do conselho, o Thiago, filho da M�nica, e agora o Bernardo. O marido da Celinha, Roberto Pinheiro, tamb�m trabalha conosco h� anos, � nosso gerente de compras e de log�stica.
Como se sente vendo a fam�lia unida tocando seu neg�cio, e o buf� completando 50 anos com sucesso?
C�lia – O buf� para mim foi sempre um sonho. Ver meus filhos juntos � muito confortante, porque a uni�o faz a for�a. Fico completamente tranquila porque eles est�o � frente e em harmonia e uni�o. Claro que sempre tem arestas profissionais, mas tudo � resolvido nas reuni�es do Conselho, e contamos com um consultor que nos acompanha h� anos. Estou realizada, porque tudo que sonhei aconteceu.
E como � fazer 80 anos ainda na ativa, de certa forma?
C�lia – Venho muito aqui e participo sim. A idade me assusta muito, porque n�o sei quantos anos ainda vou viver e tenho �nsia de vida. Quero aproveitar mais dos meus 11 netos e das duas bisnetas. Eles me encantam, porque fazem parte do meu sonho. Pergunto quanto tempo ainda vou ter, porque quero muito mais. Quero ver o futuro e a realiza��o dos meus netos, quero mais bisnetos, e quero ver as pequenas crescerem. Isso me encanta muito. Gosto muito de m�sica, quando eles eram pequenos comprei instrumento para todos e nos reun�amos para tocar juntos. Quero ter sa�de e condi��es f�sicas para prolongar toda essa vida familiar.
