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Estado de Minas entrevista/Maria Elisa Baptista - Arquiteta

Rompendo barreiras, conquistando espa�os

Mineira � a primeira mulher a presidir o IAB Brasil quando a institui��o completa 100 anos de funda��o


30/01/2022 04:00

 

Arquiteta
Maria Elisa Baptista (foto: julia piancastelli/divulga��o)

 

Depois de 100 anos, pela primeira vez na sua hist�ria – e j� n�o era sem tempo – o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) elege a primeira mulher presidente da institui��o para mandato de tr�s anos, que, inclusive, foi respons�vel pelas comemora��es do centen�rio do Instituto. A mineira Maria Elisa Baptista tem uma carreira dedicada � luta pelo reconhecimento da profiss�o, ajudou no processo de cria��o do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU, e, depois de tr�s d�cadas dividindo seu tempo entre a academia e seu escrit�rio, optou h� algum tempo em parar com os projetos – uma grande paix�o – e se dedicar ao precioso of�cio de ensinar. Foi dela a responsabilidade de fazer o primeiro Congresso Mundial de Arquitetura 100% virtual, que seria presencial, ano passado, no Rio de Janeiro.

 

� natural de Belo Horizonte?

Sou de Belo Horizonte e me formei aqui em arquitetura. Na �poca, o �nico curso que tinha em Minas Gerais era o da Universidade Federal, e foi onde me graduei, fiz mestrado e uma especializa��o na economia. Depois fiz meu doutorado na UFRJ. Minha forma��o, fora o doutorado, � toda em Belo Horizonte.

 

Por que uma especializa��o em economia?

Foi em an�lise econ�mica urbana. Nosso campo de atua��o � m�ltiplo. Embora tenha trabalhado a vida inteira em projeto e obras e sou professora da PUC em projetos, voc� precisa entender um pouco melhor o mundo, a cidade para entender quais os mecanismos que nos levam onde estamos.

Comecei a dar aula muito cedo, no Izabela Hendrix. N�o se exigia especializa��o. N�o t�nhamos mestrado e doutorado em Minas. Tinha uma especializa��o em urbanismos, que eu fiz tamb�m. E o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Faculdade de Ci�ncias Econ�micas da UFMG oferecia uma especializa��o condensada de tr�s meses intensos, com aulas de manh� e de tarde. Vinham pessoas do pa�s todo e decidi fazer. J� dava aulas e achei melhor me qualificar. Sempre tive interesses dispersos, transitei por muitos campos, sempre alinhados com a arquitetura, mas variados, por isso fui parar no Cedeplar.

 

O quea levou a atuar na �rea de representa��o da profiss�o?

A gente sempre come�a a se envolver nas a��es na �poca de escola. Eu participava do Diret�rio Acad�mico, onde t�nhamos diversas discuss�es sobre a profiss�o. Depois, quando comecei a dar aula no Izabela Hendrix, que foi o segundo curso de arquitetura e urbanismo em Minas Gerais – e ficou muito bem cotado por muitos anos, fiquei l� 10 anos, j� estou na PUC h� quase 30 anos – e nessa discuss�o da forma��o profissional voc� se envolve com mais gente procurando articula��es. Ent�o, comecei a participar tamb�m das reuni�es da Associa��o Brasileira de Ensino. Minha entrada nessa �rea de representa��o institucional foi um pouco pela �rea acad�mica. N�o sei exatamente quando, talvez no come�o dos anos 1980 ou um pouco depois, resolvemos fundar um sindicato e na �poca era preciso fazer uma associa��o por dois anos. Temos que lembrar que eram os tempos da ditadura, ent�o era um processo mais longo, e as reuni�es para essa discuss�o sobre a funda��o do sindicato se davam na sede do IAB. Foi quando fui me aproximando do Instituto de Arquitetos, e passado algum tempo resolvemos disputar a dire��o do Instituto em Minas Gerais. Fui presidente por dois mandatos no come�o dos anos 1990 aqui em Minas e depois fiz parte do Conselho Superior. O Instituto � organizado por departamentos e, nacionalmente, ele tem uma dire��o nacional e cada estado elege alguns conselheiros, que comp�em esse “conselho federal” chamado Conselho Superior. Fiz parte muito tempo representando Minas Gerais, e eu e os outros colegas participamos da discuss�o sobre os campos da profiss�o, os andamentos da produ��o. � um espa�o interessant�ssimo de troca de ideias. Voc� conhece gente do Brasil inteiro.

 

"A decora��o como � feita hoje nunca � s� a decora��o, sempre vem acompanhada de uma reforma para mudar o ambiente, e para isso � preciso ter conhecimentos t�cnicos"

 

 

E a cria��o do CAU?

Quando fundamos o Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU foi uma luta travada tamb�m dentro do IAB para termos um conselho pr�prio, e quando conseguimos, participei da primeira gest�o aqui em Minas Gerais e no segundo mandato fui ser conselheira federal. No CAU tamb�m funciona assim; elege-se um conselheiro federal por cada estado para represent�-lo nacionalmente. Atuei sempre articulada muito para �rea de ensino, tanto que no Conselho Federal trabalhei muito na Comiss�o de Ensino e Forma��o.

 

Voc� � a primeira mulher a ser presidente do IAB nacional. Como foi isso?

Em 2019, um grupo jovem, formado principalmente por mulheres, mas n�o apenas por elas, me convidou para disputar a dire��o nacional do Instituto. Alguns estados como Minas Gerais j� tinham mulheres, h� muito tempo, na presid�ncia regional. Eu fui a segunda mulher na presid�ncia do IAB Minas – a primeira foi a Iara Landi, e depois tivemos outras companheiras. Atualmente, a presidente � Iracema de Abreu Bhering, mas alguns estados nunca tiveram e, nacionalmente, nunca houve uma mulher na presid�ncia. Em 2019, eu disputei, mas essa foi a quarta vez que concorri � presid�ncia nacional: a primeira foi em 1996, a segunda em 2002, a terceira em 2008 e, finalmente, em 2020 ganhei. � um ambiente extremamente machista, mas esse quadro est� mudando pela luta de muitas mulheres. N�s tivemos, por exemplo, a disputa pela chapa do CAU em S�o Paulo, que � enorme, s�o muitos conselheiros pelo estado, que tem muitos arquitetos e arquitetas. As mulheres fizeram uma chapa 100% feminina para garantir espa�o, porque o conselho � composto como um parlamento, proporcionalmente aos votos das chapas. E elas ganharam. Hoje, a presidente nacional do CAU � uma paulista, N�dia Somekh. Minha luta inicial foi com muitos percal�os. Em uma das vezes eu perdi por um voto, mas quando foi chegando em 2019 o quadro estava mudando, e os homens, companheiros de luta tamb�m nos ajudaram muito e conseguimos compor uma chapa mista, mas com bastante representatividade feminina. Meu vice-presidente � um rapaz jovem, interessant�ssimo, do Rio Grande do Sul, Rafael Pavan dos Passos, e criamos uma vice-presid�ncia de a��es afirmativas que � uma colega de Bras�lia. Tem gente do pa�s todo e o mandato � de 3 anos. A gente n�o chega l� sozinha.

 

Na sua gest�o, o que j� fizeram e o que pretendem fazer?

Foi um ano muito dif�cil para todo mundo. Para voc� ter uma ideia, fui conhecer alguns componentes da chapa presencialmente agora, porque n�s j� come�amos a pr�pria campanha no ano da pandemia. Foi um ano em que o IAB se dedicou muito a responder �s demandas urgentes, tanto na �rea do ensino de arquitetura, quanto na den�ncia do que estava acontecendo nas cidades e discutindo muito, em v�rios campos, o que a pandemia trouxe de mudan�a na vida das pessoas, e o que denunciou da situa��o urbana de boa parte da popula��o. O governo e a sa�de pediam que as pessoas ficassem em casa, lavassem as m�os. Mas tem pessoas que n�o t�m casa, n�o t�m como lavar as m�os, como separar as crian�as dos idosos, ent�o foi um per�odo de muita proximidade com os movimentos sociais, uma luta que a gente sempre esteve junto com o pessoal pelo direito � moradia em v�rias frentes. A minha gest�o veio em seguida de uma gest�o muito interessante do meu colega Nivaldo Andrade, da Bahia, que criou no final de 2019, junto com v�rias outras entidades o F�rum Brasileiro de Entidades de Defesa do Patrim�nio. Esse f�rum re�ne gente de muitos campos, desde a arqueologia at� o pessoal de arquivos, passando por antrop�logos, soci�logos etc. Uma parte do nosso trabalho nesse tempo todo tem sido conhecer, procurar e trabalhar junto com o pessoal que defende o patrim�nio, e nesse ano e meio tem sido �poca de muitos ataques ao patrim�nio, ao territ�rio. Recentemente, as chuvas mostram como Minas est� com a minera��o. A chuva s� acirrou tudo o que est� a�, e mostra que as pessoas n�o t�m onde morar, moram em �rea de risco n�o � porque querem, mas porque n�o tem outra possibilidade, e moram em �reas que n�o eram de risco e se tornaram assim. O trabalho do IAB nesse tempo foi de andar junto com quem luta por esses mesmos princ�pios de defesa do patrim�nio, territ�rio e cultura e tentar entender o que est� acontecendo e se colocar contra os abusos que temos visto e contra as a��es ou falta de a��es que temos visto. Uma das a��es mais importantes foi um congresso internacional no Rio de Janeiro, em julho do ano passado, o 27º Congresso Mundial de Arquitetos UIA2021Rio, no qual tivemos amplos debates entre os arquitetos sobre temas como prote��o ambiental, defesa dos direitos de minorias, prote��o dos povos origin�rios e redu��o da pobreza.

 

Como foi o congresso internacional?

Foi um desafio. Est�vamos em condi��es extremamente dif�ceis que prejudicaram a viabilidade de tudo o que t�nhamos planejado, mas conseguimos unir for�as e inovar, fazendo o primeiro evento 100% digital realizado pela Uni�o Internacional de Arquitetos. Com um programa que se estendeu por cinco meses, atra�mos mais de 85 mil participantes de 190 pa�ses, mobilizando pessoas de todo o mundo. Para conseguir tudo isso, contamos com uma excelente equipe de colaboradores, debatedores e palestrantes. Foi um divisor de �guas. Os palestrantes compartilharam suas experi�ncias, conscientes e firmemente enraizados nas caracter�sticas espec�ficas de cada um de todos os mundos que fazem parte deste grande e interconectado mundo. No encerramento da UIA2021RIO, publicamos a Carta do Rio que � mais do que uma simples declara��o de princ�pios, � uma contribui��o efetiva para um planejamento urbano focado no bem-estar do cidad�o, no apoio � sa�de p�blica, na busca por moradia digna e na luta pela redu��o das desigualdades. � um manifesto no qual pedimos respeito, participa��o coletiva, pol�ticas p�blicas que promovam a equidade, o acesso universal aos servi�os b�sicos, melhor mobilidade urbana e o uso harm�nico e democr�tico do espa�o urbano.

 

A profiss�o cresceu bastante, e hoje o arquiteto expandiu mais sua atua��o entrando tamb�m no design de interior. Como voc� v� isso?

S� para lembrar, tem uma hist�ria na literatura que o Frank Lloyd Wright, que era um arquiteto americano magn�fico da virada do s�culo 19 para o 20, fez coisas maravilhosas e dizem que ele desenhava at� o vestido da dona de casa para combinar com o detalhamento interior que fazia. Mas de fato, com o tempo houve essa separa��o entre a arquitetura e a decora��o. A decora��o como � feita hoje nunca � s� a decora��o, sempre vem acompanhada de uma reforma para mudar o ambiente, e para isso � preciso ter conhecimentos t�cnicos. Vejo pouca distin��o entre a arquitetura e arquitetura de interiores, vejo uma distin��o de foco e de escala, mas n�o da necessidade da forma��o. Agora, a arquitetura tem muitos campos de especializa��o, como, por exemplo, profissionais que trabalham focados na arquitetura hospitalar, que � uma �rea muito especializada, como outras. Dificilmente um arquiteto que se dedica a planejamento urbano vai trabalhar com edifica��o. Digo muito aos estudantes, se n�o sabem o que fazer na vida, fa�am arquitetura porque � um campo muito vasto e nos anos 1980, quando teve uma crise grande na �rea, v�rios arquitetos abriram padaria, e eram maravilhosas e deliciosas. O que ocorre � que nos anos 1990 mudou a legisla��o e passou a ser permitido que a iniciativa privada entrasse na educa��o superior com objetivo lucrativo. Com isso houve um boom de faculdades no Brasil. Houve uma explos�o na arquitetura. Hoje, n�s temos, s� em Minas Gerais, mais de 90 cursos de arquitetura e mais de 200 mil arquitetos formados ao mesmo tempo. O campo de atua��o ampliou pouco. Tem uma estat�stica que fala que 15% do que � constru�do no Brasil tem engenheiro ou arquiteto respons�vel, todo o resto � autoconstru��o. E n�o estamos referindo apenas � pobreza, ela � tr�gica. Estamos lutando para que as prefeituras coloquem em pr�tica a lei de 2008 que garante servi�o de arquiteto ou engenheiro para a popula��o que recebe menos de tr�s sal�rios m�nimos. Da mesma forma que t�m direito ao SUS e � defensoria p�blica na �rea jur�dica. O problema � que essas obras ilegais n�o s�o s� na popula��o de baixa renda. A maior parte delas � feita pela classe m�dia alta, que imagina uma coisa, desenha e chama pedreiro, bombeiro etc. � um perigo.


Sabem por que isso ocorre?

A profiss�o aqui n�o se popularizou como em outros pa�ses, e ainda teve um agravante: ficamos conhecidos como “arquiteto do rei”, em uma alus�o de que � muito caro contratar um arquiteto. O que as pessoas n�o entendem � que o profissional pode sair at� de gra�a, porque ele faz uma obra mais racional, que n�o precisa ser feita e refeita e isso otimiza recursos e material. O campo da reforma, n�o s� da decora��o em si, mas da reorganiza��o dos espa�os � enorme, porque todo mundo quer personalizar seu espa�o, atualizar. Agora tem o retrofit, uma palavra que acho muito feia, que � pegar um pr�dio antigo e atualiz�-lo para as demandas contempor�neas. Afinal, o banheiro, parte el�trica, cozinha, tudo isso mudou muito com o tempo. Os postes das ruas est�o com milhares de fios obsoletos, que n�o s�o mais usados, s� servem para poluir o espa�o urbano. O arquiteto sabe como tirar e mudar essa paisagem, como fazer para esses espa�os obsoletos e antigos terem uma sobrevida.

 

Como foi o curso de arquitetura com aulas virtuais?

Foi uma adapta��o muito dif�cil porque a coisa chegou de surpresa. Demos aula em uma sexta-feira de mar�o de 2020 e na depois fomos informados de que na segunda estar�amos em casa; foi assim com todo mundo. Esse primeiro semestre foi dif�cil, mas pelo menos t�nhamos tido um m�s presencial com os alunos, ent�o a gente j� se reconhecia, havia uma empatia. A universidade providenciou uma plataforma, j� que tem uma experi�ncia muito longa de ensino a dist�ncia por causa da p�s-gradua��o, que � virtual. Conseguimos interagir usando a plataforma Teams, e no caso da disciplina de projeto come�amos a trabalhar com a plataforma de desenho colaborativo. Falo que sou uma professora da lapiseira, gosto de desenhar com os alunos, e minha sala virou um cockpit, tem uma tela enorme onde eu fa�o desenho, tem o computador onde eu converso com os alunos, o celular para fotografar na mesma hora algumas coisas, alguma informa��o do livro que eu queira mostrar ou um desenho, enfim, qualquer coisa, e trabalhando com a plataforma colaborativa de desenho. � prec�rio, mas funcionou. Mas a presen�a f�sica fez muita falta porque a intera��o da turma, a empatia, a discuss�o presencial fazem muita falta. Os laborat�rios de simula��o e de insola��o tamb�m.

 

Teve turma que n�o se conheceu?

Infelizmente. Nesse �ltimo semestre, dei aula para uma turma do meio do curso que nunca tinha tido aula presencial. Isso foi tr�gico porque os estudantes dos primeiros anos s� se conhecem pela tela, e o relacionamento e conhecimento no in�cio da gradua��o � important�ssimo porque � um per�odo de forma��o dos jovens quando est�o com 17/18 anos, ent�o as discuss�es coletivas, as experi�ncias de construir juntos s�o importantes. Temos um canteiro de obras que eles constroem juntos e isso ficou perdido, por isso sou radicalmente contra uma gradua��o em arquitetura a dist�ncia, n�o funciona. Nesses dois anos, foi contingencial, mas temos que voltar ao presencial. Tudo est� combinado para retornarmos em fevereiro.

 

Como foram as comemora��es do centen�rio?

Tudo virtual. Come�amos em janeiro de 2021, fizemos alguns eventos virtuais. O principal foi o UIA Rio. E encerramos as celebra��es com uma cerim�nia online – por causa da pandemia – no �ltimo dia 26. 


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