
Intencionalmente, uma m�o risca o f�sforo e coloca fogo na maquete. Iluminada por dois grandes holofotes, a representa��o de uma casa de dois andares arde sozinha em chamas. A impactante cena que encerra o document�rio “From the ground up – The Archtecture of Tetro” diz muito sobre o trabalho do escrit�rio mineiro. A cada novo projeto, parte-se para um recome�o, do zero, sem olhar para tr�s.
Esse jeito �nico de criar levou Carlos Maia, D�bora Mendes e Igor Macedo a serem os �nicos brasileiros a integrar a nova plataforma de streaming Gallery Originals, voltada para arquitetura, design e arte.
O trio entende que o projeto � uma resposta sens�vel a todo o contexto e exatamente por isso n�o cabe seguir um padr�o. “Percebemos que dar uma resposta padronizada n�o � bom. Cada lugar e indiv�duo t�m suas especificidades e queremos sempre fazer uma arquitetura �nica” relata Igor. Unidos desde a universidade, eles desenvolveram um metodologia pr�pria de trabalho, que se pauta justamente por n�o seguir uma l�gica definida e evitar repeti��es.
Os projetos come�am por um exerc�cio de desapego de ideias, e D�bora reconhece que isso � muito dif�cil. “O caminho do ser humano � aprender a cada experi�ncia e aprimorar. N�s tentamos sempre recome�ar. Fazemos um esfor�o mental para criar coisas novas”, ela explica. Carlos acrescenta que a Tetro � o “escrit�rio da d�vida, porque todo projeto gera uma interroga��o”.

Dessa forma, o n�vel de dificuldade vai s� aumentando, j� que um novo trabalho exige pensar em solu��es que ainda n�o foram exploradas. O esfor�o � para nunca ser repetitivo. “N�o nos deixamos copiar. Se estamos caminhando para algo que j� fizemos, tentamos mudar a dire��o para cada casa ter uma identidade forte e �nica”, destaca Igor.
Vamos a um exemplo. O nome e a arquitetura da Casa Sampar� v�m da mistura das culturas de S�o Paulo e do Par�, que caracteriza a personalidade e o estilo de vida dos moradores. “Ele � paulista, din�mico, workaholic. Ela � paraense, fala mais devagar, gosta de cozinhar. Essa dualidade do casal foi a inspira��o para o projeto”, conta Carlos.
Do lado de fora, voc� enxerga um volume r�gido, em concreto bruto, representativo da paisagem urbana da cidade de S�o Paulo. Ao entrar, a arquitetura se transforma. As lajes curvas fazem com que a casa abrace o verde, formando um p�tio central com grama, �gua e pedras. Todo esse conjunto remete aos rios sinuosos e � natureza exuberante da Amaz�nia.

Nesse processo, um detalhe � curioso: as maquetes surgem antes de qualquer esbo�o do projeto. Carlos, D�bora e Igor gostam de colocar a m�o na massa para estudar os volumes, as formas e at� os vazios entre as �rvores. Eles v�o construindo o objeto intuitivamente, buscando respostas para o que sentiram vivenciando o lugar da constru��o. A casa, ent�o, passa a ser uma escultura.
A conex�o dos arquitetos com a arte � muito intensa. N�o s� como observadores, mas tamb�m como criadores. E isso n�o se encerra na maquete, vista como uma escultura. Os tr�s trabalham com a liberdade de um artista para avan�ar no conceito do projeto. “Alguns arquitetos ficam presos �s ferramentas que o computador oferece e a sua arquitetura vai ser reflexo disso”, aponta Carlos.
O pincel costuma ser muito usado pelo trio. Mesmo abstratas e aparentemente aleat�rias, as pinceladas inspiram e apontam caminhos poss�veis. D�bora explica que a aquarela � uma t�cnica que ajuda no processo inicial da cria��o. Depois de experimentar com a tinta, eles partem para um desenho mais preciso. A m�sica tamb�m pode ser um catalizador de ideias.
Sentir o vento
A verdade � que, para cada projeto, desenvolve-se um processo criativo diferente. No caso de uma casa que vai pousar em uma montanha, eles foram at� l� para observar a paisagem e sentir o vento. Da� veio a ideia de projetar lajes curvas, como se o vento estivesse passando e deixando sua marca. “Num segundo momento, usamos um ventilador para balan�ar um voal e fotografamos o padr�o de ondula��o. Investigamos algumas formas no tecido para depois entender como isso vai se refletir na laje da casa”, descreve Igor. Esse experimento, certamente, n�o se repetir�.

Na entrevista, os arquitetos s�o instigados a fazer um exerc�cio contr�rio ao que est�o acostumados: apontar caracter�sticas que coincidem em seus projetos. Logo surge um assunto que fica evidente ao correr os olhos pelas imagens, que � a busca por uma rela��o intensa com a natureza. “Achamos que arquitetura e natureza devem coexistir. Uma n�o tem que dar lugar � outra”, resume Igor.
Muitas vezes, o projeto nasce do entendimento de onde n�o construir. “A arquitetura se molda � natureza, e n�o o contr�rio”, diz Carlos, que enxerga uma influ�ncia do barroco, de moldar a cidade � topografia. D�bora completa que, quanto mais desafiador o terreno, mais interessante o trabalho.
Os tr�s concordam que a beleza est� em respeitar a natureza, promover a integra��o da casa com a vegeta��o e encontrar o equil�brio entre essas for�as. Isso norteia o trabalho desde o primeiro projeto residencial, a Casa da Passarela. Igor destaca a passarela que criaram para que os moradoresse sintam bem pr�ximos das copas das �rvores.
“Mesmo em terreno �ngreme, fazemos um esfor�o para ter uma �rea plana de ch�o, de contato de verdade com a terra, que n�o seja laje com piso suspenso”, avisa D�bora.

O trabalho de integrar a arquitetura com a natureza tem levado a Tetro a lugares paradis�acos. Inclusive fora do Brasil. O primeiro projeto internacional, em fase de aprova��o, est� situado no Equador. A casa se eleva para permitir a passagem de um curso d’�gua entre as pedras. O deck e a piscina ficam na altura das �rvores para que se beneficiem da incid�ncia do sol.“� muito desafiador e prazeroso ter contato com outras culturas e pessoas com a cabe�a muito aberta para o novo”, observa D�bora.
Segundo a arquiteta, esses clientes n�o t�m nenhuma rela��o como Brasil. Encontraram o escrit�rio em pesquisas pela internet. Da mesma forma, chegaram at� eles os indianos que queriam morar � beira de um lago. O desejo se concretizou no projeto da Casa �ndia, que, em breve, come�ar� a ser constru�da. A moradia � formada por um pavilh�o horizontal suspenso sobre pedras vulc�nicas e uma torrede 17 metros de altura com biblioteca e spa. L� de cima, tem-se uma vista espetacular da paisagem.
Encontro de interesses
Igor foi estudar arquitetura porque era revoltado com a paisagem de BH: andava pela cidade e achava tudo “horr�vel”. J� Carlos, que veio de Divin�polis, escolheu o curso sem nunca ter tido contato com arquitetos. D�bora chegou a fazer comunica��o antes de seguir a escolha mais �bvia, j� que se interessava muito por desenho e arte. O trio se conheceu na universidade e abriu um escrit�rio antes mesmo de receber o diploma.

O interesse por projetar uniu os tr�s estudantes. Nos trabalhos acad�micos, eles estavam sempre juntos, trocando inexperi�ncias, diz D�bora. Carlos conta que eles tinham muita vontade, mas pouca oportunidade. Por isso, miraram nos concursos. “Concurso � a maneira mais democr�tica de come�ar a fazer arquitetura. Voc� explora tudo o que aprendeu e desenvolve livremente suas ideias”, aponta Igor.
Os tr�s faziam est�gio durante o dia e mergulhavam nos concursos de noite. Segundo Igor, tudo era feito com muita empolga��o e ele chegou a dormir no escrit�rio para terminar um projeto. Depois de in�meras tentativas, veio o reconhecimento.
Em 2005, quando estavam no fim do curso, eles ganharam o edital da sede da Orquestra Sinf�nica de Minas Gerais, que seria na Pra�a da Liberdade. “Esse concurso mudou completamente a nossa hist�ria. Fomos contratados para fazer o projeto e ele possibilitou o nosso crescimento como escrit�rio”, relembra Carlos. O que seria sala de m�sica virou museu (o Memorial Minas Gerais Vale) e, por uma d�cada, eles desenvolveram exclusivamente projetos industriais para a mineradora.
At� que veio a crise, a demanda por projetos despencou, os arquitetos tiveram que reduzir a equipe (o escrit�rio chegou a ter mais de 30 pessoas) e restou uma pergunta: o que realmente gostamos de fazer? “Os tr�s queriam fazer casa, � onde expressamos a nossa arquitetura”, responde Igor. Carlos completa: “Resolvemos fazer o que nos daria liberdade de criar um conceito. E essa era a nossa ess�ncia.” Desde 2015, o foco deles s�o projetos residenciais.
Linguagem em evolu��o
Augusto Cust�dio, diretor de “From the ground up – The Archtecture of Tetro” (em portugu�s, “Do ch�o para cima – A arquitetura da Tetro”), � um publicit�rio que se especializou na produ��o de conte�do audiovisual de arquitetura e design. H� quatro anos, ele procurou a Tetro interessado em filmar a Casa da Lage Inclinada, projetada e habitada por D�bora e Igor, que s�o casados, para a sua s�rie documental ARQ.DOC.

Quando entrou para a plataforma mundial de streaming Gallery Originals, automaticamente pensou na Tetro. Augusto acompanhava de longe o trabalho do escrit�rio mineiro e vinha observando uma n�tida evolu��o da linguagem deles. “Ser convidado para estar no meio de arquitetos que s�o �dolos, como �lvaro Siza, de Portugal, foi chocante e nos deixou muito felizes”, conta Carlos.
O trio escolheu mostrar no document�rio a Casa A�ucena, que era um projeto in�dito e exemplificava bem o que eles acreditam e fazem, que � inserir a arquitetura na natureza. “Essa casa � muito ic�nica porque est� numa �rea bem densa de mata atl�ntica, onde tem �rvores de 30 metros de altura. N�o tiramos nenhuma delas”, justifica Igor. Os pilares de sustenta��o da casa t�m o mesmo formato de um tronco, logo se fundem ao ambiente.
Inicialmente, o filme seria sobre a casa, mas o processo criativo dos arquitetos acabou se tornando protagonista da hist�ria. Nenhum deles nunca tinha parado para pensar nisso e o olhar como espectador os ajudou a entender o que e como est�o criando. “Achei muito emocionante e motivador assistir ao document�rio. Para mim, funcionou como um combust�vel para fazer com que tudo o que est� ali na tela se torne muito maior”, analisa D�bora.
A obra se encerra com a promessa de um novo come�o. Um futuro que est� pr�ximo, mas que nem eles sabem qual ser�. “O document�rio mostra uma inten��o, um impulso, uma for�a que ainda n�o se sabe o meio nem o fim. E essa d�vida, o caminhar no escuro � o que nos motiva e empolga”, pontua Carlos. Igor tamb�m n�o se arrisca a prever o que est� por vir: “N�o fa�o a menor ideia, mas sei que trilhar esse caminho vai ser interessante.”

D�bora tampouco tem uma resposta, mas seu palpite resume bem quem eles s�o e o que desejam como escrit�rio. “Espero que a gente descubra algo completamente diferente e explore outras possibilidades. Penso que ser a mesma pessoa o tempo inteiro � chato”, pondera a arquiteta, que sonha em concretizar projetos de hot�is, pousadas e escolas.
J� Carlos deseja criar espa�os para a cidade, como parques, enquanto Igor se imagina fazendo arquitetura no deserto, na neve e em outros lugares ex�ticos.