
Quando se fala de arquitetura o primeiro nome de refer�ncia profissional na ativa, no pa�s, � sem d�vida o mineiro Gustavo Penna. Este ano ele completa 50 anos de profiss�o, pela qual � apaixonado. E recebe merecidas homenagens, como uma solenidade, na �ltima sexta-feira na C�mara Municipal de Belo Horizonte, que ficou pequena para receber o n�mero de amigos, colegas e clientes que fizeram quest�o de prestigi�-lo. Apesar de estar escondido entre as montanhas, como ele mesmo diz, seu trabalho ecoou mais alto e o mundo conhece e reverencia o mineiro, que desde menino j� sabia o que queria fazer pelo resto de sua vida e consegue, de forma �nica, mostrar que a arquitetura � viva, pulsante, po�tica e pode transformar vidas e cidades. Seus trabalhos j� foram publicados em uma centena de vezes nas principais revistas e sites especializado do mundo, j� ganhou algumas dezenas de pr�mios nacionais e internacionais. Fez e faz todo o tipo de projeto, desde uma cadeira at� pr�dios, museus, monumentos, pra�as, e apesar de j� ter alcan�ado o topo, afirma que ainda tem muito o que fazer e continua sonhando e criando conceitos para oferecer um trabalho que melhore a
vida das pessoas.
Em homenagem a este profissional e amigo, o Caderno Feminino & Masculino reedita entrevista publicada em 2018. Perguntado como se sente com a homenagem e a data t�o importante, Gustavo disse: “Receber uma homenagem da cidade onde eu nasci me emociona profundamente, porque � o reconhecimento, talvez, do que o arquiteto pode fazer pela cidade. Reconhecimento da nossa atua��o como criador de espa�os, de ambientes, de s�mbolos novos para a cidade, de coisas que atendem as pessoas. Os trabalhos que fizemos, a vida toda, foram no sentido de criar ferramentas de conviv�ncia, de homenagear nossa atmosfera nosso clima, nossa regi�o de Minas. Mas tenho pra mim uma coisa mais importante. Tive meu av�, Jos� Oswaldo de Ara�jo, que foi prefeito de BH e antecedeu Juscelino Kubitschek. Tive meu tio-av�, Ot�vio Penna, que tamb�m foi prefeito e projetou v�rias coisas para a cidade, inclusive o Mercado Municipal de Belo Horizonte, quando n�o tinha cobertura. Minha m�e � belo-horizontina, sou filho de uma belo-horizontina. Minhas refer�ncias s�o todas dessa cidade. Aqui tem meus grandes amigos, meus grandes exemplos. Vivo no meio dessa gente que faz arte e me sinto muito incorporado a tudo isso, dessa cidade t�o criativa e t�o cheia de est�mulos. E que nos provoca hoje em dia a torn�-la contempor�nea para impedir que se fa�am mais maldades com ela. Essa homenagem me traz mais responsabilidade de lutar por Belo Horizonte, lutar com as pessoas que somam, que n�o querem destruir a hist�ria e nem destruir a beleza e o meio ambiente, e querem que a cidade seja gentil, que possamos viver em alegria e harmonia, e ser uma cidade generosa com o cidad�o.”
Como e quando se interessou pela arquitetura?
Acho que ca� da laje (risos). Sempre mexi com oficina, fazia papagaio, criava carrinho de rolim�. Minha vida de menino sempre foi muito de trabalho manual, mexi muito com montagem, com fazer caixote. Sempre trabalhei com essa coisa, mas n�o era um desenhista. Quando cheguei aos 13 anos, resolvi desenhar e desenhei muito. Essa coisa de ficar sozinho com o desenho, e com o trabalho manual e a curiosidade do funcionamento das coisas, me levou a isso.
Por outro lado, meu pai, Roberto Magalh�es Penna, foi um dos construtores de Bras�lia, ent�o acho que herdei essa voca��o dele. Uma vez eu escrevi que n�o sabia se meu pai era certo ou errado, s� sei que ele foi real. Tem muita gente que fica idealizando o pai. Meu pai foi real, concreto, absolutamente vis�vel e tang�vel. Com todas as suas falibilidades, suas falhas humanas, suas inseguran�as, seus sofrimentos, foi grande. Teve coragem de come�ar Bras�lia. Foi o primeiro engenheiro a pisar em solo brasiliense. Foi ele quem escolheu onde construir o Catetinho, onde colocar o piso de pouso, capta��o de �gua, etc. Inclusive tudo isso � contado no livro do Juscelino.
A Pampulha tamb�m me influencio muito. Meu av�, Gustavo Penna tinha uma casa l� e eu vivia nas obras da Pampulha. O bairro j� tinha sido inaugurado h� 20 anos quando eu o frequentava. E ficava andando entre os pr�dios. Era completamente vazia, era o Iate, a Casa do Baile, a Igrejinha e algumas casinhas na orla. Umas canoas, a Ilha dos Amores onde �amos pegar carrapato (risos). E a gente via Oscar Niemeyer, aquela coisa espetacular. Ele mostrou que com poucos metros quadrados � poss�vel alterar a vida de um pa�s, � s� ter a chance. Todo mundo � muito cheio de teorias, o segredo talvez seja trabalhar nessa dimens�o mais sutil e imaterial das pessoas. Isso � o que mais me seduz, quando conseguimos ver quais s�o essas for�as al�m do tempo que ficam dentro da gente.
Tenta descobrir essa imaterialidade em seus clientes para projetar para eles?
Para mim a arquitetura n�o � dentro e nem fora, � atrav�s. Arquitetura � atrav�s da conversa, dos espa�os, dos sentimentos. N�o � uma coisa est�tica. Assim tamb�m � o Urbanismo. Meu cliente me conta hist�rias e eu conto outras para ver se o entendi. E o cliente pode ser uma pessoa, um casal, uma fam�lia, e tamb�m uma institui��o, uma cidade. Arquitetura � saber ouvir, n�o � feita de a�o, concreto, ferro, � feita de palavras. Quando voc� fala leveza, tem uma tonelada de concreto ficou suspensa. Quando se fala uma palavra voc� v� que ela, imediatamente, fica tridimensionalizada. Se fala aconchego, por exemplo, as estruturas se curvam em torno de voc�. Cada gesto que voc� faz na arquitetura corresponde a um gesto que faz com o corpo, e esses gestos ficam congelados, tridimensionalizados, presos na arquitetura, por isso tem que estudar bem que gesto fazer para que n�o fa�a um cestro, algo desarm�nico, temos que fazer coisas harm�nicas. Sou daqueles que acreditam que as cidades s�o resultados dos gestos que voc� faz em seu territ�rio. Se fizer gesto grosseiro, vai somando gestos grosseiros e a cidade tamb�m fica assim. Se voc� fizer gentilezas, coisas amorosas, harm�nicas, generosas, muda o clima da cidade.
"Para sermos inteiros temos que ter os p�s no ch�o, os olhos no horizonte e a cabe�a nas estrelas"
Voc� tem um conceito muito particular de arquitetura...
Tenho, e procuro sempre evoluir nesse conceito. Acabei de inventar um conceito, que faz parte do livro que estou escrevendo, que � o conceito das “generoscidades”, que s�o cidades generosas, mais do que gentis, porque gentileza � uma coisa que passa r�pido, � um gesto de eleg�ncia e cidadania, mas passa. Voc� faz a gentileza e vai para casa feliz; a pessoa que recebeu a gentileza tamb�m fica feliz, mas a “generoscidade” implica em compromisso, durabilidade do gesto. Gostaria de fazer cidades generosas, onde as pessoas se doassem um pouco para o espa�o coletivo. Onde convivemos com o nosso co-cidad�o, nossos s�mbolos, nossa hist�ria e refer�ncias. Isso � ato de sair de dentro de si. Estou trabalhando muito nessa ideia dos gestos.
D� exemplos de obras com este conceito
Existem v�rios pelo mundo, mas preciso exemplificar com as experi�ncias que a vida me proporcionou. S�o coisas que est�o durando na cena urbana, que foram interpretadas pelos moradores da cidade. Dentro do que eu j� fiz, o que encaixa no conceito de “generoscidades”� o quarteir�o fechado da Rua Rio de Janeiro acima da Pra�a Sete – sempre que passo por l� vejo como � movimento e tamb�m uma ferramenta de conviv�ncia da cidade; o Espa�o Popular de Contagem; a Escola Guignard. Outra � a Academia Mineira de Letras, respeitando o passado do pr�dio do Luiz Signorelli e gerando um ambiente aberto para a Rua da Bahia, � uma maneira de dizer que esta rua � importante para a cultura e para a literatura de Minas. E tem tamb�m o Parque Ecol�gio da Pampulha, que acho importante com seus espa�os abertos, n�o tem muito equipamento, muito zanga burrinho. � s� espa�o, grama e �rvore.
Temos que fazer coisas substantivas e n�o adjetivas. Elas duram muito mais, a cidade precisa de substantivo, lugar, espa�o. Fiz aquele que teima em n�o ficar pronto que � o espa�o multiuso do Parque Municipal, mas que eu chamo de varand�o do parque. Local para a Orquestra Sinf�nica tocar, para educa��o ambiental, para juntar os meninos.
O in�cio de sua carreira foi muito dif�cil?
Comecei a trabalhar antes de formar. N�o fiz est�gio em escrit�rio de arquitetura, como eu recomendo que seja feito. Comecei a trabalhar com meus colegas e arrumei um tio-av�, o Lincoln Continentino, que olhava nossa produ��o para ver se est�vamos fazendo loucura, nos acompanhava, orientava e assinava nossos trabalhos. Ele foi um grande urbanista de Belo Horizonte. Interag�amos com ele. Devo muito aos meus professores e sou grat�ssimo a eles e �s minhas refer�ncias na profiss�o. Reverencio todos eles porque a gente tem que ter pai. N�o me sinto uma eclos�o espont�nea, � importante ter origem. Tenho essa gratid�o �s pessoas que me ajudaram a caminhar, como por exemplo o Amilcar de Castro, meus colegas de profiss�o como o �lvaro Hardy e o �olo Maia, meu grande mestre Humberto Serpa. S�o pessoas que s�o parte da minha vida, que agrade�o diariamente, exerc�cio di�rio de uma cren�a, de uma entrega.
Quem mais foi sua refer�ncia profissional?
S�o tantos e t�o especiais. � como se olhasse uma paisagem e visse os relevos, os picos dessa paisagem. N�o citar o Oscar Niemeyer seria um pecado, ainda mais eu que sou do Conselho da Funda��o Oscar Niemeyer, eleito pela fam�lia dele para estar l�. Em Minas Gerais o Rafael Hardy e o Shakespeare Gomes.
Tem algum lema que leva com voc�?
Gosto de pensar que para sermos inteiros temos que ter os p�s no ch�o, os olhos no horizonte e a cabe�a nas estrelas. P� no ch�o para poder fazer, executar, � a verdade, o real. Os olhos no horizonte para n�o perder o norte, o rumo, a caminhada, a dire��o. E a cabe�a nas estrelas porque se voc� n�o sonhar n�o exerce uma das dimens�es mais espetaculares do dom que o homem tem que � criar, intuir.
Qual foi seu trabalho que representou sua identidade profissional e foi reconhecido em �mbito maior?
O pr�dio da TV Bandeirantes, na Av. Raja Gabaglia. Eu tinha 28 anos, foi em 1978. Aquele pr�dio tem 40 anos e � um pr�dio atual at� hoje, � uma vertical e uma grande horizontal sentadas sobre o terreno natural, s� descendo uma janela. Cometemos um erro hist�rico, projetar a cidade pela superf�cie e pela topografia. Dever�amos come�ar pela geologia. As nossas cidades t�m os modelos de uso e ocupa��o do solo mais pobres do mundo. Fazemos casas ou torre. A partir do solo, � preciso compreender a n�o cortar demais, n�o ferir a terra, deixar o rio correr, porque rio foi feito para correr e inundar. As cidades t�m que ter �reas de permeabilidade, exatamente para n�o encher o rio rapidamente.
Como � o reconhecimento do seu trabalho al�m das nossas fronteiras?
Temos que acreditar, um cara que acreditou foi o Niemeyer. Uma coisa pequena como era a Pampulha ganhou visibilidade internacional. Hoje, quem chegar em qualquer lugar do mundo e disser “sou arquiteto brasileiro”, a pessoa vai falar “voc� vem de uma terra que tem arquitetos”. Recebemos in�meros pr�mios nacionais e internacionais, que mostram que existe uma visibilidade do mundo em rela��o � nossa produ��o. Isso n�o existia. Ganhamos este ano o Prix Versailles, que dos maiores pr�mios do mundo na �rea de arquitetura para com�rcio e atividades de lazer com o Ateli� W�ls, um complexo dedicado ao conceito de cerveja arte da marca que simula uma imensa barrica de madeira aberta sobre as montanhas verdes de Belo Horizonte. O projeto foi reconhecido pela Unesco e pela Uni�o Internacional dos Arquitetos. Ganhamos o WAF – World Arquitetural Festival, em 2014, com o Monumento � Liberdade de Imprensa, de Bras�lia. E o pr�mio da ArchitizerA+Awards, em 2015, com as esta��es Move BRT. Isso serve de incentivo para n�s. Estamos escondidos entre as montanhas, achando que ningu�m est� prestando aten��o em n�s. Na medida que fazemos o trabalho neste mundo conectado, se consegue ter esse reconhecimento. J� fomos publicados em revistas e sites especializados do mundo inteiro. Fiz a Capelinha de Todos os Santos, em Matozinhos, que saiu em todos os lugares.
J� fez muitos trabalhos no exterior?
Sim, j� fizemos na �frica, na Am�rica Central, em Portugal, no Algarve. Mas agora estamos saindo para uma coisa mais conectada, e vamos fazer coisas nos Estados Unidos e vai o meu escrit�rio todo, a equipe inteira, que � alegre, extremamente viva. Millor Fernandes disse certa vez que chato � ser especialista, porque � o cara que s� n�o � ignorante em uma coisa. O especialista tem uma vida empobrecida pela rotina.
Est� dizendo que seu escrit�rio � diversificado?
Muito diversificado. Fazemos coisas de tamanhos variados, desde uma capelinha, uma cadeira, at� uma cidade. Fazemos projetos de todas as dimens�es.
Pode falar de outros projetos em andamento?
Estamos fazendo o Museu Regina Mundo, na Serra da Piedade. � considerar que a Serra da Piedade � a pr�pria imagem de Maria, com seu manto cobrindo o mundo inteiro, partindo dali. O que denota presen�a � s� uma aureola, um anel de a�o de 25 metros de di�metro, fixado na pedra, e o museu est� todo escondido entre as rochas naturais do terreno. Outro projeto que tenho muita emo��o de ter feito � o Museu de Aleijadinho, em Congonhas. A Escola Guignard, o Museu de Sant'Ana, em Tiradentes. Coisas extremamente variadas. Quando tinha 19 anos fiz est�gio no Patrim�nio Hist�rico Nacional no Rio de Janeiro e o coordenador do setor era o L�cio Costa. Um dia ele me chamou pelo nome e eu quase cai duro para tr�s.