
De acordo com pesquisas da diretoria de Promo��o Cultural da Prefeitura de Ouro Preto, a produ��o artesanal de doces do distrito tem registro de pelo menos dois s�culos, come�ando com a marmelada. No in�cio do s�culo 19, h� relatos de viajantes sobre os costumes alimentares na ex-Vila Rica e arredores. Ao passar por Cachoeira do Campo, o austr�aco John Pohl escreveu que recebera de um “bom velho, uma caixa de doces .... do arraial vizinho de S�o Bartolomeu”. Nos tempos coloniais, o lugar representava um verdadeiro celeiro para Vila Rica, fornecendo ainda arroz, fub�, alho e toucinho.
Ciente desta responsabilidade hist�rica, as 35 fam�lias doceiras de S�o Bartolomeu, das quais 24 t�m fornecimento regular das guloseimas, capricham no preparo dos potes, barras, compotas e cristalizados, sem arredar p� da tradi��o que d� mais charme � atividade, totalmente artesanal – da colheita � embalagem. Entre os mais entusiasmados, est� Nivaldo de F�tima Pinto, de 50 anos, morador do S�tio �gua Limpa, a quatro quil�metros da sede do distrito, na sa�da para Cachoeira do Campo. Ao lado da m�e, dona Geralda, do filho Tiago, da irm� Sandra e de outros familiares, ele conta que o gosto pela produ��o de doces veio dos antepassados. O bisav� passou o conhecimento ao av�, que repassou ao pai e assim por diante.
Nessa heran�a, foi mantido o h�bito de fazer os doces de leite, figo, cidra, goiaba, mam�o, p�ssego e laranja nas mais diversas formas, sem qualquer ingrediente qu�mico. Para manter a qualidade, diz Nivaldo, o preparo deve come�ar no p�, escolhendo-se as melhores e maiores frutas. No per�odo de safra, de manh� bem cedo ele pega o balaio e segue o primeiro mandamento sagrado, verificando cuidadosamente cada goiaba que vai se transformar em casc�o – o nome vem do uso da casca na massa – ou em pasta.
“Fa�o tudo como meu pai, Bartolomeu de Paula Pinto, que morreu h� tr�s anos, ensinou”, conta Nivaldo, revelando um dos principais segredos de um bom produto caseiro: “Tudo � resultado da labuta di�ria, mas � preciso usar pouco a��car e exagerar na dose de carinho. Morei 20 anos em Belo Horizonte, trabalhei em padaria, mas descobri que meu neg�cio � fazer os doces”. Nesse ritmo, a fam�lia produz cerca de 6 mil quilos por ano, comercializados em Ouro Preto e munic�pios vizinhos e enviados aos estados de S�o Paulo e Rio de Janeiro.

Quem j� viu algu�m fazendo goiabada sabe que se trata de uma tarefa demorada. E que respinga, quente, por todos os lados. Depois de p�r no tacho as frutas cozidas e passadas numa peneira fina, Nivaldo usa uma p� para mexer a massa vermelha – de t�o grande, a pe�a fica escorada no ombro direito, enquanto as m�os n�o param de moviment�-la. Para proteger os bra�os, ele costuma usar uma camisa de mangas compridas, mesmo estando um calor de rachar.
O certo mesmo � que o preparo de qualquer doce vira uma festa na casa, principalmente na cozinha e na �rea com o fog�o a lenha. “N�o adianta, quando estamos produzindo todos os cantos ficam cheios de frutas”, diz dona Geralda. Quando o doce j� est� pronto, a fam�lia mant�m outra pr�tica secular, que � enrolar as barras em folhas de bananeiras, levemente sapecadas, antes de acondicion�-las em caixas de madeira. Agindo desse modo, a goiabada n�o gruda nas ripas.
Na despensa, as embalagens se avolumam, o que faz os olhos de qualquer um se arregalarem. Mas n�o � preciso pressa. Em poucos minutos, como mineira hospitaleira, dona Geralda serve uma generosa fatia de goiabada casc�o ao lado do seu acompanhante preferido: o queijo. Nesse esp�rito, entende-se, mais do que nunca, qual � o verdadeiro sabor de Minas: “� ser bem natural”. Depois dessa resposta de Nivaldo, s� resta mesmo aproveitar e sorver toda a ess�ncia das Gerais.