
Jana�ba - H� seis anos, Jana�ba, no Norte de Minas, ganhou notoriedade nacional por um motivo tr�gico, mas que atraiu novos olhares para a educa��o infantil. Em 5 de outubro de 2017, o vigilante noturno Dami�o Soares dos Santos invadiu a Creche Gente Inocente, ateou fogo a si mesmo e aos c�modos da institui��o.
O ataque terminou com a morte de 14 pessoas, 10 delas crian�as. Das cenas de terror, sobressaiu a imagem de Helley de Abreu Silva Batista, a professora que lutou com o agressor, salvou a vida de dezenas de alunos e morreu com quase 90% do corpo queimado. Hoje, na abertura da s�rie “Vida de Professor”, que se estende at� o pr�ximo dia 15, data dedicada ao profissional que prepara todos os profissionais, o Estado de Minas mostra a realidade de docentes da cidade em que a sala de aula foi palco do mart�rio de uma hero�na.
O ataque terminou com a morte de 14 pessoas, 10 delas crian�as. Das cenas de terror, sobressaiu a imagem de Helley de Abreu Silva Batista, a professora que lutou com o agressor, salvou a vida de dezenas de alunos e morreu com quase 90% do corpo queimado. Hoje, na abertura da s�rie “Vida de Professor”, que se estende at� o pr�ximo dia 15, data dedicada ao profissional que prepara todos os profissionais, o Estado de Minas mostra a realidade de docentes da cidade em que a sala de aula foi palco do mart�rio de uma hero�na.
Desde 2017, ano ap�s ano, o m�s de outubro em Jana�ba traz de volta mem�rias do cen�rio de terror na Creche Gente Inocente, hoje Centro Municipal de Educa��o Infantil (Cemei) Helley de Abreu, batizado em homenagem � professora que impediu que a trag�dia fosse ainda mais grave.
Na cidade, a equipe do EM ouviu relatos de professoras que se lembram da data da trag�dia. A diretora do Cemei Izabel Maria de Jesus, no Bairro Dona Lindu, Eliane Mendes, lembra com emo��o da colega de profiss�o e enxerga seu ato de hero�smo como um exemplo tr�gico da dedica��o com a qual os educadores exercem seu trabalho.
“A trag�dia foi nessa �poca de outubro, Semana das Crian�as. N�o tem jeito, todo ano, automaticamente, parece que toda aquela lembran�a retorna. Foi bem complicado, a educa��o ficou toda em luto por todos os que perderam a vida, mas a Helley foi uma propulsora, ela n�o mediu esfor�os para salvar as crian�as”, testemunha Eliane.
“O que ela fez reflete essa ideia da educa��o al�m dos curr�culos, da educa��o por amor, mesmo. Porque, se n�o tivesse o amor, o cuidado, ela teria ido embora, teria sa�do (no momento do ataque) e n�o teria voltado. Educa��o infantil envolve amor, envolve cuidado. Ela inspirou muita gente. N�o tem como n�o lembrar”, afirma.
As lembran�as citadas pela diretora da escola de Jana�ba remontam ao epis�dio em que o vigia Dami�o Santos entrou na creche sob pretexto de entregar um atestado m�dico e ateou fogo ao pr�prio corpo e ao espa�o onde dezenas de crian�as entre 3 e 7 anos estavam em aula. Al�m dos 10 alunos que morreram, o atentado vitimou as professoras Helley de Abreu e J�ssica Morgana, a auxiliar Geni Oliveira o pr�prio incendi�rio.
O comportamento de Helley na �poca ampliou os contornos dram�ticos do atentado. Ao perceber o in�cio do inc�ndio, a professora iniciou a retirada de seus alunos do maternal por uma janela da sala, at� ser alcan�ada por Dami�o. Segundo testemunhas, ela lutou corpo a corpo com o agressor em chamas, at� que o fogo a deixou inconsciente e incapaz de conter o vigia e salvar o restante dos estudantes. O ato de hero�smo da professora foi imediatamente reconhecido, dias ap�s o atentado, quando ela recebeu postumamente a Ordem Nacional do M�rito, do ent�o presidente Michel Temer (MDB).
Exemplo de entrega
O feito da professora Helley modificou a percep��o mesmo de quem na �poca do atentado j� atuava na educa��o de crian�as havia duas d�cadas . Professora em Jana�ba desde 1997, Ivani Pereira dos Santos conta como reconheceu no ato heroico da colega elementos que fazem parte do cotidiano das creches e escolas, apontando a necessidade de valoriza��o da profiss�o que exige muito dos educadores.
“Eu percebi que o professor sempre � um her�i. Sempre ser� um her�i, diante de todos os enfrentamentos que a gente vem tendo na educa��o. � uma profiss�o �rdua e uma miss�o muito grande, porque o professor, desde quando se desloca da sua resid�ncia para atuar na sua institui��o escolar, carrega uma bagagem de saberes e de conhecimentos, mas tamb�m de problemas que, �s vezes, ele sozinho n�o consegue resolver”, avalia.
Para a educadora, esse foi o papel que a professora Helley assumiu no dia da trag�dia. “Ela se esqueceu de si para defender os pequenos indefesos, porque nem ela mesma sabia o que estava acontecendo naquela hora. Abriu m�o de si para se dedicar �queles com os quais ela estava todos os dias, alimentando de esperan�a e pensando em um futuro melhor”, afirma.
“Os professores se alimentam de esperan�a todos os dias, mesmo diante das dificuldades, mesmo diante desse cen�rio de notici�rios tristes, que a gente v� de vez em quando. O professor n�o desiste, porque est� lidando com gente, na esperan�a de um mundo melhor. Vejo o papel do professor assim”, diz, emocionada.
Hero�smo e miss�o
“Na educa��o infantil, temos pap�is primordiais. Temos crian�as muito carentes na comunidade em que a escola est� inserida, e a gente v� que se optarmos s� pelo papel de educar, vamos deixar de fazer outras fun��es. Tem crian�a que a gente precisa pegar no colo, precisa dar carinho, fazer um pouquinho do papel de m�e... N�o � f�cil. Para a crian�a que n�o tem muitas condi��es em casa, a escola acaba fazendo esse papel, que vai muito al�m de ensinar.” O relato de Eliane Mendes, diretora do Centro Municipal de Educa��o Infantil (Cemei) Izabel Maria de Jesus, em Jana�ba, destaca a import�ncia dos educadores logo na primeira inf�ncia.
Como ela, outros educadores de Jana�ba recordam o evento tr�gico na Creche Gente Inocente, que reflete, em um cen�rio extremo, como os professores n�o poupam esfor�os para proteger seus alunos. “N�s, professores, n�o somos os mediadores do conhecimento, somos os mediadores do todo. A educa��o infantil trata sobre os valores e cuidados que criam uma base fundamental. O hero�smo do que aconteceu aqui em Jana�ba est� basicamente no trabalho da educa��o infantil, que envolve esse cuidado materno. A gente coloca os alunos como filhos”, afirma Rita de C�ssia Pereira, professora h� 26 anos na cidade do Norte de Minas.
Para a Coordenadora de Educa��o Inclusiva de Jana�ba, Jane dos Santos Souza, a professora Helley de Abreu � um exemplo que mostrou ao pa�s como a dedica��o no ensino se faz presente mesmo nos momentos de risco extremo. “O ato dela mostrou na pr�tica que o papel professor vai al�m do ensinar: inclui o proteger. Foi o que ela fez: pensou mais nas crian�as, que eram indefesas, e as protegeu. Fez o m�ximo que p�de, a ponto de ela pr�pria sofrer as queimaduras para poder salvar os alunos. Helley mostrou na pr�tica o que realmente � a miss�o do professor.”
Homenagens
Natural de Montes Claros, Helley de Abreu Silva Batista morreu tragicamente aos 43 anos em Jana�ba. A hero�na do Norte de Minas recebeu a Ordem Nacional do M�rito e a Medalha da Inconfid�ncia, honrarias dos governos federal e estadual, respectivamente, e teve seu nome espalhado por todo o pa�s em diversas homenagens. Veja algumas delas:
Centro Municipal de Educa��o Infantil (Cemei) Helley de Abreu – Jana�ba/MG
Centro de Educa��o Infantil Professora Helley de Abreu Batista – Lagoa Santa/MG
Creche Proinf�ncia Helley de Abreu Silva Batista – Pouso Alegre/MG
Centro Educacional Infantil (CEI) Helley de Abreu Silva Batista – Fortaleza/CE
Centro de Educa��o Infantil (CEI) Helley de Abreu Silva Batista – Araquari/SC
Centro Municipal de Educa��o Infantil (CMEI) Professora Helley de Abreu Silva Batista – Foz do Igua�u/PR
Centro de Ensino Infantil Professora Helley de Abreu Batista – Sorocaba/SP
Rodovia Helley de Abreu Silva Batista (antiga LMG-631) - Liga S�o Jo�o da Ponte � BR-122
Nome de ruas em Picos/PI, Jacutinga/MG e Lajeado/RS
Pr�mio Helley de Abreu Silva Batista, concedido pelo Conselho Estadual de Educa��o de MG
Trag�dia levou � revis�o das normas de seguran�a
Jana�ba - “Foi um marco tr�gico na hist�ria da educa��o da nossa cidade, porque ocorreu em uma escola infantil. Eu estava trabalhando como professora naquele momento, e receber a not�cia trouxe impacto para todos n�s, os alunos da cidade, os familiares, os profissionais. Trouxe muita dor, muita inseguran�a e muito temor. Mas vejo que superamos e que o fato trouxe possibilidades de melhoria na quest�o da seguran�a das escolas. De tudo que acontece, a gente precisa tirar algum aprendizado. Dessa trag�dia, aprendemos a investir mais na seguran�a das nossas crian�as”, afirma Jane Souza, coordenadora de Educa��o Inclusiva, que acredita que os professores de Jana�ba se tornaram mais atentos ap�s o epis�dio de outubro de 2017.
Para ela, o atentado chamou a aten��o para um risco que, at� ent�o, n�o era considerado. Desde aquele 2017, os casos de viol�ncia em escolas n�o se tornaram mais raros. Ainda neste ano, o pa�s viveu uma onda de ataques e amea�as em ambiente escolar, com epis�dios tr�gicos como a morte de uma professora a facadas em S�o Paulo e o assassinato de quatro crian�as a machadadas em Blumenau, Santa Catarina.
Em mar�o deste ano, o Estado de Minas fez um levantamento mostrando que os atentados provocaram uma avalanche de projetos de lei no Congresso Nacional. Foram mais de 60 propostas em menos de 15 dias, boa parte delas relacionadas � instala��o de detectores de metais na entrada de escolas ou � presen�a de profissionais de seguran�a armados dentro do ambiente escolar.
A professora da Faculdade de Educa��o da UFMG Val�ria Oliveira, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Seguran�a P�blica (Crisp-UFMG), refor�ou que resolver a quest�o da seguran�a em espa�os de ensino requer respostas t�o sofisticadas quanto a gravidade do problema. “A resposta � muito mais complexa do que esses projetos de lei sugerem. N�o estou dizendo que eles n�o tenham relev�ncia, mas que esse tipo de medida n�o � suficiente e n�o vai eliminar a chance de que esses eventos aconte�am no Brasil e nas nossas escolas”, alerta.
“Se o professor percebe que um estudante est� com um comportamento mais agressivo, ou que tem dificuldade de relacionamento, esse grupo poderia pensar junto nas ferramentas para intervir, ajudar o aluno. O treinamento � mais complexo, n�o � o professor aprender t�cnicas de defesa pessoal, manejar uma arma de fogo, at� porque diante de todas as exig�ncias de forma��o continuada aos docentes, � dif�cil imaginar que eles tenham de fazer um curso de tiro”, afirma a pesquisadora, referindo-se a correntes que defendem a possibilidade de educadores se armarem contra a viol�ncia em escolas.
Renova��o ap�s o abalo
O Centro Municipal de Educa��o Infantil Helley de Abreu foi reaberto em mar�o de 2018, menos de seis meses ap�s o atentado que assombrou a cidade e destruiu a antiga Creche Gente Inocente. A reconstru��o do espa�o foi feita com apoio de empres�rios do setor de constru��o civil do Norte de Minas e institui��es como a Funda��o Abrinq (Associa��o Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos). A unidade fica no Bairro Rio Novo, em novo pr�dio com capacidade para cerca de 40 crian�as de at� 5 anos em estrutura com quatro salas de aula, ber��rio, frald�rio, sala administrativa e cantina. A professora e diretora do Cemei Izabel Maria de Jesus, Eliane Mendes, relembra como foi trabalhar na retomada das atividades da creche incendiada. “Todo professor fica se imaginando no lugar da Heley. Todo todos n�s que trabalhamos com as crian�as pensamos o tempo todo: 'Se fosse com a gente, o que a gente faria ?'.”