
Caetan�polis, cidade de 9,5 mil habitantes a 100 quil�metros de Belo Horizonte, � considerada o ber�o da ind�stria t�xtil brasileira por causa da F�brica do Cedro, fundada em 1872 e em pleno funcionamento at� hoje. O lugar se chamava Cedro e foi distrito de Paraopeba at� a emancipa��o, em 1954. Fica na Regi�o Central de Minas, �s margens da BR 040, que liga BH a Bras�lia.
Caetan�polis
Tudo que � necess�rio para formar um belo memorial est� bem ao alcance da m�o, na terra natal de Clara Nunes, a 100 quil�metros de Belo Horizonte, sob os cuidados da irm�, Maria Gon�alves da Silva, a Mariquita. O lugar para o memorial tamb�m est� definido, num terreno bem ao lado da Creche Clara Nunes, que abriga 45 crian�as. “Tenho id�ia de ergu�-lo ao lado da creche. Os meninos v�o dar vida ao lugar.”
Mariquita organizou tudo como p�de. Est�o l� 140 pe�as de roupas, quase todas brancas, fotos, v�deos, correspond�ncia, publica��es, objetos pessoais, braceletes, colares e o acervo barroco, formado por pe�as com as quais Clara decorava sua casa. H� tamb�m uma radiola ABC (toca discos), de uso pessoal da cantora. Um conjunto precioso, guardado com cuidado, mas em lugar inadequado para a visita��o. “� complicado cuidar do acervo, porque a fam�lia n�o foi herdeira dela. Somos modestos e lutamos com dificuldade para mant�-lo”, diz Mariquita. Uma recente parceria com a Universidade Federal de S�o Jo�o del-Rei (UFSJ) est� permitindo a cataloga��o do material e a digitaliza��o de fotos, v�deos, publica��es e documentos.
Agora, Mariquita guarda o acervo art�stico e hist�rico, mas os cuidados dela com a ca�ula da fam�lia come�aram muito antes. Clara perdeu o pai com menos de 2 anos e a m�e, aos 4. Foi a irm�, que Clara chamava de Dindinha, quem a criou. “L� no Rio de Janeiro, ningu�m me conhece por Mariquita, mas por Dindinha”, conta a madrinha, orgulhosa.
O trabalho da irm� mais velha para preservar a mem�ria da cantora era solit�rio at� poucos anos. A atual administra��o municipal instalou a Casa de Cultura Clara Nunes e criou o Festival Cultural Clara Nunes, que teve este ano sua terceira edi��o. “Isso mexeu com a cidade. Precisou passar um tempo para Caetan�polis acordar”, avalia Mariquita.
Mexeu mesmo. A secret�ria municipal de Cultura, Adriana Ribeiro Caetano de Andrade, observa uma retomada de interesse da comunidade pela trajet�ria da conterr�nea: “A gente est� vendo um tanto de garotas e garotos interessados”. Durante o festival, al�m das atra��es musicais, h� parceria com as escolas para serem trabalhadas seis etapas da vida de Clara Nunes: inf�ncia, adolesc�ncia, mudan�a para a capital, sucesso, discografia e a morte prematura.
“O objetivo � n�o deixar o mito Clara Nunes se perder. Queremos que a mem�ria seja reativada, principalmente entre os mais jovens, que n�o a conheceram”, explica Adriana Andrade. O Centro Cultural est� instalado no pr�dio em que funcionava o cinema, primeiro palco em que a cantora se apresentou, ainda crian�a. Outro avan�o foi a retomada e o tombamento, pela prefeitura, da casa em que Clara Nunes nasceu, em frente do hospital municipal. Depois de reformado, o im�vel dever� abrigar um projeto de apoio �s crian�as.
Mesmo quando estava no auge do sucesso, Clara nunca deixou de visitar a fam�lia e os conterr�neos. Sempre passava o Natal na casa de Mariquita e, no �ltimo deles, poucos meses antes da morte, revelou o desejo de abrir uma creche. “Ela tinha muita frustra��o por n�o ter tido filhos. Resolvemos fazer a creche para homenage�-la”, lembra a irm� mais velha. “Essa creche a irm� fez por vontade dela. A gente fica agradecida e tem muito orgulho por ela ter nascido aqui”, testemunha Raquel Mariz Inocente, que tem um filho de 5 anos na institui��o.
A funcion�ria p�blica Miriam Aparecida Aguiar Bravo, de 40, conta que Clara era amiga de inf�ncia da m�e dela. “Eu era pequena, mas a gente ia v�-la. Lembro-me de que ela era muito vaidosa e carism�tica. Eu a via como uma pessoa importante e ficava impressionada”, lembra. O momento atual, de maior culto � mem�ria de Clara Nunes, alegra a conterr�nea, que diz guardar “�timas recorda��es” das visitas da cantora � cidade: “Uma pessoa t�o famosa, que recebia a gente com carinho”.
Psicografia
Mariquita lamenta que a conscientiza��o sobre a import�ncia da irm� para Caetan�polis tenha demorado. “A cidade em que a gente nasce nos v� como uma pessoa comum. Precisou passar um tempo para que acordasse”, diz, reconhecendo que a situa��o est� mudando. “O acervo n�o � meu. Se a cidade abra�ar o projeto, ele vai pertencer a Caetan�polis”, anuncia a Dindinha de Clara Nunes.
Nenhuma temporada de Clara Nunes terminava sem que Mariquita assistisse a pelo menos um show. No �ltimo, intitulado Clara Mesti�a, no teatro que tinha o nome da cantora, ela ralhou com a irm� mais nova dizendo que estava com d� dela por causa do esfor�o, e que n�o era necess�rio “se matar” daquele jeito no palco. A rea��o foi vigorosa: “N�o gostei quando voc� falou que estava com d� de mim porque eu estava suando muito. Ponha na sua cabe�a que eu vim a este mundo para cantar”. Mariquita lembra da fala de Clara e tamb�m que ela cantava desde os 4 anos.
Logo depois da morte de Clara, a irm�, que � esp�rita, procurou o m�dium Chico Xavier, que psicografou a seguinte mensagem: “A cigarra, �s vezes, canta com tanta persist�ncia em favor de Deus e da natureza que se perde das cordas que lhe coordenam a cantiga, caindo ao ch�o desencantada. E o meu cora��o da vida f�sica n�o suportou a extens�o das melodias que me faziam viver”.
A mensagem, conta Mariquita, foi muito gratificante e trouxe al�vio. “Clara n�o cantava para ganhar dinheiro. Amou a m�sica mais que tudo, como amou a vida.” � por isso que, no entendimento de Mariquita, sua miss�o com a irm� ainda n�o terminou. “Minha miss�o com ela vai mais longe ainda. Temos que fazer o memorial”, avisa.