
A surpresa durante a conversa est� na pron�ncia de palavras que t�m o chamado “r” retroflexo, que se traduz, com todo o respeito, pelo chamado “r” caipira, aquele caracter�stico do Sul de Minas e interior de S�o Paulo. Porta, porteira, carne, cordeiro e v�rzeas, entre outras, soam diferente do modo de falar dos demais habitantes de Lagoa Santa, que fica a 36 quil�metros da capital. O motivo dessa particularidade est� na forma��o do bairro, nascido com o nome de Vargem e fundado, em 1733, pelo bandeirante paulista Felipe Rodrigues. Durante muito tempo, o local ficou distante e isolado do restante da cidade, conservando a pron�ncia peculiar. “J� trabalhei em outros estados e nunca mudei meu modo de falar. A l�ngua � minha identidade, sem ela perco a minha personalidade”, acredita piamente o produtor rural, encostado na porteira do s�tio.
O jeito especial de V�rzeas, principalmente dos moradores mais velhos, mostra que Minas � plural em diversidade lingu�stica, com muitos falares ou dialetos. Segundo a professora da Faculdade de Letras (Fale) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em estudos l�ngu�sticos Maria do Carmo Viegas, o estado �, no pa�s, um daqueles com maiores varia��es na fala. “V�rzeas � um caso muito interessante e espec�fico, pois est� num universo dominado pelo falar mineiro”, diz a professora, que organizou o livro Minas � plural, com textos dela e dos professores C�sar Nardelli e Seung-Hwa Lee. A obra � resultado dos estudos desenvolvidos, na Fale, pelo Grupo de Pesquisa Var-Fon (Varia��o Fon�tico-fonol�gica, Morfol�gica e Lexical) de Minas Gerais. “As varia��es demonstram a riqueza do patrim�nio lingu�stico mineiro, uma fonte valiosa para as pesquisas.”
Ao longo de 10 anos, o grupo estudou quatro tipos de falar no estado, que s�o o mineiro, na Regi�o Central; baiano, no Norte, Noroeste e vales do Jequitinhonha e Mucuri; sulista, no Sul, Sudoeste e Tri�ngulo; e fluminense, na Zona da Mata. “Essas varia��es s�o resultado da forma��o e da hist�ria de Minas, desde antes da �poca da minera��o, nos s�culos 17 e 18. Com a descoberta do ouro, chegaram aqui baianos, paulistas e outros, imprimindo as suas caracter�sticas lingu�sticas. Assim, o estado foi alargando as suas fronteiras f�sicas, culturais, sociais e econ�micas”, afirma Maria do Carmo. O Var-Fon j� colhe material para aprofundar as pesquisas e lan�ar outro livro, desta vez com o nome Minas � singular, alimentando ainda o atlas lingu�stico em produ��o no pa�s.
Fronteiras
Al�m dos levantamentos bibliogr�ficos, com destaque para os mapas feitos por Antenor Nascentes, em 1953, e M�rio Z�gari, em 1998, a equipe do Var-Fon saiu a campo, com entrevistas em Belo Horizonte, Lagoa Santa, na Grande BH; Ouro Branco, na Central; Piranga, na Zona da Mata; Ita�na, na Centro-Oeste; e Machacalis, no Vale do Mucuri. Maria do Carmo explica que os munic�pios de Ouro Branco e Piranga, distantes 85 quil�metros um do outro, foram escolhidos por estarem na “fronteira” entre o falar mineiro e o fluminense, portanto numa transi��o. Para o trabalho surtir o efeito desejado, os pesquisadores, durante as entrevistas, procuraram deixar as pessoas bem � vontade, pois, nessa condi��o, elas falariam realmente a l�ngua materna (vernacular) aprendida na inf�ncia. Em Ita�na, no Centro-Oeste, tamb�m se verificou ocorr�ncia do “r” retroflexo, caracter�stica, neste caso, de outra �rea de transi��o entre os falares mineiro e o sulista.
“De maneira geral, n�s, mineiros, diminuimos ou engolimos a s�laba final e alongamos a t�nica: “� por isso que ‘pertinho” se torna “pertim” e ‘casa de fulano’ simplesmente “ca de fulano’, diz a professora.
No falar mineiro, com exce��o do Bairro de V�rzeas, a caracter�stica � aus�ncia do “r” retroflexo (caipira) e de vogais abertas, embora, da d�cada de 1970 para c�, com a migra��o de trabalhadores, note-se o incremento nesse �ltimo tipo de pron�ncia na Grande BH. J� no falar baiano, como verificado em Machacalis, os moradores primam pela maior abertura da vogal, a exemplo de merenda (m�-renda), covarde (c�-varde) e corrup��o (c�r-rup��o). O “r” retroflexo do Sul de Minas pode ter suas ra�zes na l�ngua falada pelo �ndios tupis. “A hip�tese � de que esses povos n�o tinham esse som, ent�o para eles, neste aspecto, teria sido mais dif�cil aprender a l�ngua dos colonizadores”, conta Maria do Carmo.
MINEIRO FALA ASSIM
>> FALAR MINEIRO
Regi�o Central
Caracter�stica: Aus�ncia do “r” retroflexo (caipira) e de vogais abertas, com exce��o do Bairro das V�rzeas, em Lagoa Santa. Desde a d�cada de 1970, com as migra��es de trabalhadores para a RMBH, vem se notando um incremento na presen�a de vogais abertas
>> FALAR BAIANO
Regi�es Norte, Noroeste e vales do Jequitinhonha e Mucuri
Caracter�stica: Pron�ncia com vogais bem abertas (exemplos: c�-varde, m�-renda, neblina)
>> FALAR SULISTA
Regi�es Sul, Sudoeste e Tri�ngulo
Caracter�stica: “r” retroflexo (caipira)
>> FALAR FLUMINENSE
Zona da Mata
Caracter�stica: Em Piranga, na �rea de transi��o entre os falares mineiro e fluminense, h� pron�ncia de palavras com vogal aberta (m�-renda), embora, quando a s�laba seguinte apresenta o som “i”, isso n�o se observe (caso de neblina)
>> DE MANEIRA GERAL
Os mineiros cortam a �ltima s�laba das palavras (ca em vez de casa) e apagam os plurais (vamo, em vez de vamos, fizero, em vez de fizeram etc.), os ger�ndios (andano, no lugar de andando) e o “r” no fim dos verbos (faz�, em vez de fazer). Al�m disso, transformam o sufixo “inho” em “im”, fazendo, por exemplo, “pertinho” virar “pertim”. No pa�s, h� outros falares ou dialetos que tamb�m reduzem a s�laba final, mas em Minas essa pr�tica � maior.
