
Adeus a um g�nio
Os g�nios t�m a mania de nos surpreender. V�o e v�m, assim de repente, mesmo sem as fantasiosas nuvens de fuma�a das mil e uma noites. S�o assim at� na morte. Falo de Marcello Castilho Avellar. Sei que ele n�o tinha pretens�o de ser g�nio. Mas era, mesmo sem querer s�-lo. Seu olhar distante, meramente retra�do, n�o dizia de seu conhecimento, de sua delicadeza ao falar de cinema a aqueles a quem considerava absolutamente leigos. Mas seu semblante de perene ar shakespeariano combinava com a habilidade de sua intelig�ncia, fartamente distribu�da em milhares de linhas legadas � imprensa, ao cinema, ao teatro, � literatura e � universidade mineira. Marcello, que faria 51 anos em dezembro, foi encontrado morto em casa, no Bairro Floresta, de causa natural, nesta ter�a-feira � tarde. O corpo ser� velado no Teatro Alterosa das 16h �s 18h30. Depois o corpo vai seguir para o vel�rio 3 do cemit�rio do Bonfim. O enterro est� marcado para �s 9h desta quinta-feira.
Se � poss�vel compreender e absorver o conte�do de sua escrita, dif�cil era entender a sua herm�tica personalidade. Uma mente fechada � minimidade do homem, mas com passagem livre para const�ncia de sua cria��o projetada nas artes. Uma boca imune � futilidade e aberta � express�o da sabedoria. Dizia se dele um g�nio indom�vel. Nem tanto. Por tr�s de todas as fechaduras havia um jornalista, um artista, um mestre das artes que n�o recusava a experi�ncia, por mais absurda que pudesse parecer numa suposta vis�o intelectual. "V�, Marcello, v� ao Mineir�o e me traga uma boa reportagem sobre as torcidas no cl�ssico Atl�tico x Cruzeiro". Foi, viu e fez. Uma li��o de sutil revela��o de como a irracionalidade humana convive, �s vezes, com a raz�o e a emo��o. Enfrentou at� a maratona do Enem para mostrar como se sente no conturbado teste um candidato a uma cadeira universit�ria.
"Um renascentista", dizem amigos e companheiros de jornal para explicar que ele jamais precisou de diploma para aflorar a erudi��o. Esse era o belo-horizontino Marcello Castilho Avellar, filho de fam�lia ouro-pretana, tamb�m professor de teatro na PUC Minas. Um mestre da interpreta��o, mas que n�o se deixava interpretar. Um homem que amava calado, que n�o extravasava dores nem alegrias. Um jeito de ser incompreens�vel para a maioria. "Um enigma, uma indecifr�vel esfinge", dizem alguns.
Depois de 30 anos a servi�o do caderno de Cultura do Estado de Minas, com suas roupas simples, barba por fazer e um cigarro ocasional nervosamente tragado, se junta � imortalidade a outro g�nio impenetr�vel, Jo�o Etienne Filho, com quem dividiu a honra de ser refer�ncia intelectual em Minas Gerais. Para ele, as cortinas se fecham aos 50 anos, mas continuam abertas para seu legado em exibi��o nas melhores p�ginas dos jornais e nas prateleiras mais s�bias das bibliotecas. Um caminho para quem quiser tentar desvendar o que o g�nio indom�vel sempre quis dizer, sem nada querer dizer, como na frase que postou ainda ontem no Facebook: "Neste momento, meu cora��o deveria estar parado, j� que tantos outros que ele teve deixaram de bater. Por�m, j� que n�o posso mais ser amado, deixem-me ainda amar".
