
Nem a pequena Serra da Saudade, no Centro-Oeste do estado, munic�pio menos populoso de Minas, est� livre do crack. Segundo a Pol�cia Militar, a droga n�o � vendida na cidade de pouco mais de 800 habitantes, mas usu�rios v�o compr�-la em munic�pios vizinhos. � o caso de Dores do Indai�, de 15 mil habitantes. Traficantes da cidade usam adolescentes para vender a droga. O centro-socioeducativo mais pr�ximo fica em Sete Lagoas, na Regi�o Central, a 210 quil�metros. Com isso, os menores apreendidos s�o liberados.
Na avalia��o do sargento Jos� Mardoni Fi�za Silva, a impunidade � o grande atrativo dos traficantes, que “contratam” meninos e meninas, geralmente com cerca de 15 anos, de fam�lias carentes e desestruturadas, para vender pedras nos becos da cidade. “Eles ficam nas ruas, n�o frequentam escola e s�o viciados. Vendem para ganhar a droga”.
Este ano, 55 adolescentes foram apreendidos em Dores do Indai� por envolvimento com tr�fico de drogas. Na cadeia p�blica, dos cerca de 49 detentos, pelo menos 70% foram presos por vender drogas, principalmente crack. A agente social Cristina Camaro Ara�jo conta que os jovens s�o aliciados cada vez mais cedo. “Geralmente, s�o adolescentes muito carentes. Estamos tentando identificar esses menores para oferecer tratamento para eles e para as fam�lias, com atendimento psicol�gico e acompanhamento. Temos tamb�m o cntro psicossocial, que atende cerca de 40 crian�as. Eles ficam no espa�o no per�odo em que n�o est�o na escola e participam de oficinas de arte, inform�tica e muitas outras”, explica. Ela lembra que as ruas de Dores do Indai� j� n�o s�o seguras como h� alguns anos, devido ao crack. “Temos de tr�s a quatro furtos por dia na cidade por dia, que acreditamos estar relacionados ao crack”, diz.
Com cerca de 220 mil habitantes e cidade-polo do Centro-Oeste de Minas, Divin�polis concentra os maiores problemas com o crack na regi�o. S�o cerca de 12 centros de tratamentos para dependentes. Em julho, opera��o envolvendo Minist�rio P�blico e prefeitura, em parceria com a PM, Pol�cia Civil e Corpo de Bombeiros, acabou com o principal local de concentra��o de viciados e traficantes na cidade. O “carrapateiro”, como � conhecido, era frequentado por cerca de 70 pessoas. Durante a a��o, 42 usu�rios, entre eles tr�s adolescentes e duas mulheres gr�vidas, foram levadas para uma quadra esportiva, no Bairro Niter�i, onde receberam alimenta��o, banho e roupas novas. De l�, foram encaminhados para tratamento. Apenas sete decidiram aproveitar a oportunidade para largar a droga.
Com o “carrapateiro” fechado, os usu�rios escolheram outro lugar. Agora, quem vai ao est�dio Waldemar Teixeira de Faria, o Fari�o, v� muito mais que os treinos do Guarani. A nova “boca de fumo” fica em frente ao port�o que d� acesso ao campo. Segundo o secret�rio adjunto de Pol�ticas Antidrogas, Adriano Siqueira, o munic�pio tem cerca de 20 vagas em centros de tratamento para viciados. Todas s�o ocupadas rapidamente e, por isso, a prefeitura estuda investir em mais cl�nicas.
Segundo a PM, este ano 422 pessoas foram detidas por vender ou consumir crack. Deste n�mero, 106 tinham menos de 18 anos. Siqueira acredita que o crack est� relacionado � viol�ncia e a mendic�ncia. “Essas pessoas passam a morar nas ruas, mendigando ou cometendo furtos. � um problema que o Brasil inteiro enfrenta. Temos trabalhado com campanhas de conscientiza��o e acompanhamento. Acredito que o estado precisa se envolver mais e apoiar os munic�pios, financeiramente principalmente”, reivindica.
Liberta��o e recome�o
H� dois anos, M�rcio de Freitas Moreira, de 35 anos, trabalha como monitor na Casa Dia. A cl�nica de recupera��o tem significado “libertador” para ele, que viu na experi�ncia dos colegas e nas hist�rias de supera��o um caminho para retornar � sociedade “limpa”. Aos 15 anos ele j� havia experimentado �lcool e maconha. Cinco anos depois veio o crack. A partir da�, as lembran�as de Moreira se resumem a sofrimento, perdas e tentativas frustradas de retomar a rotina, longe do v�cio: “Eu era infeliz, comigo, com minha vida. Via na droga uma forma de fugir de todos os problemas”.
Depois de perder v�rios empregos, ver os amigos se afastarem e a fam�lia desesperada, ele decidiu que era hora de um recome�o e procurou a Casa Dia. Agora, em vez de desespero, Moreira diz estar feliz, n�o apenas por dar a volta por cima, mas pela oportunidade de ajudar outras pessoas. “Foi mais uma quest�o de sobreviv�ncia. Eu iria morrer se continuasse”, afirma.
H� seis meses Paulo Alberto Machado Santos, de 27 anos, segue os passos de Moreira, a fim de se livrar do crack. Ele experimentou maconha aos 12 e aos 17 j� conhecia a pedra, chegou a ficar sem emprego e perder a esposa por causa do v�cio. “Comecei como todos. Curiosidade, amigos e festas. Logo virou compuls�o. E eu comecei a faltar ao trabalho, n�o conseguia chegar no hor�rio determinado e acabei ficando desempregado. Todos ao meu redor sofriam”, explica.
Emocionado, ele conta que a filha de 7 anos, que nasceu com problemas f�sicos e mentais, come�ou a falar e a andar depois que ele iniciou o tratamento. Isso fez com que Santos percebesse o quanto seu v�cio estava influenciando de maneira negativa a vida das pessoas � sua volta.
O coordenador da Casa Dia e presidente do Comit� Municipal Antidrogas, Rui Faria Campos, diz que o perfil do usu�rio mudou depois do crack. “ Hoje, quase todos os internos precisam de tratamento psiqui�trico, justamente por causa dos danos que o crack causa. Antigamente, casos assim eram raros”, lembra. Campos iniciou em julho a campanha “Viva sem crack”. Funcion�rios da casa v�o a escolas p�blicas da cidade e fazem palestras para adolescentes.
Palavra de especialista
Almir Tavares, professor de psiquiatria da UFMG
Poder de destrui��o
“Essa droga merece aten��o especial pelo seu poder de destrui��o. A concentra��o dela no sangue se faz muito r�pido, o que vicia o usu�rio nos primeiros usos. O crack tem um impacto grande social e falta estrutura para receber este dependente nas redes de atendimento. O sistema � muito falho, h� poucos Centros de Aten��o Psicossocial (Caps) e qualidade para l� de baixa. Muitos sequer t�m m�dicos e psiquiatras, condi��es m�nimas de atendimento. A n�vel p�blico, a situa��o � muito pobre e n�o seria dif�cil fazer o contr�rio. Faltam pol�ticas p�blicas em torno disso, mais programas de preven��o e melhor atendimento aos dependentes. As fam�lias tamb�m precisam estar mais atentas e ter mais responsabilidades neste assunto”.