
A trajet�ria da institui��o, respons�vel pela forma��o de milhares de profissionais, contando hoje com cerca de 3 mil alunos, come�ou em Ouro Preto, tr�s anos depois da Proclama��o da Rep�blica, com o nome de Escola Livre de Direito. Entre os fundadores, jovens e idealistas advogados, como Afonso Augusto Moreira Pena, primeiro diretor e depois presidente do Brasil, Francisco Luiz da Veiga (vice-diretor), Afonso Arinos de Mello Franco, Ant�nio Augusto de Lima, Levindo Ferreira Lopes e Francisco Silviano de Almeida Brand�o.
No ano seguinte � inaugura��o da capital, a faculdade se transferiu para BH – foi a primeira institui��o de ensino superior da cidade – e permaneceu sempre na Regi�o Central: primeiro na Rua Pernambuco com Cl�udio Manuel, depois na Rua da Bahia com Bernardo Guimar�es, at� se instalar definitivamente na Pra�a Afonso Arinos, num pr�dio em estilo neocl�ssico. O imponente im�vel, no entanto, foi demolido em 1958 para, no lugar, surgirem os edif�cios Villas-Boas, com entrada pela �lvares Cabral, onde funcionam o curso de p�s-gradua��o e a administra��o da faculdade, e o edif�cio Valle-Ferreira, com entrada pela Avenida Jo�o Pinheiro, ocupado pela gradua��o. Em 1998, foi inaugurado o pr�dio da biblioteca.
Luz e sombras
Preocupada com a tradi��o do bom ensino e o conhecimento amplo, a faculdade, a quinta institui��o no Brasil a ofertar cursos jur�dicos, n�o perde o foco na modernidade dos tempos, na evolu��o da sociedade e nas conquistas dos cidad�os. E emociona ex-alunos que se tornaram professores. "Trabalho aqui h� 56 anos, nunca me afastei. Depois da minha fam�lia, posso dizer que a Faculdade de Direito � meu segundo lar", diz a professora titular de direito tribut�rio e direito financeiro, a advogada e ex-procuradora geral do estado Misael Abreu Machado Derzi. "Enfrentamos, nas d�cadas posteriores ao golpe militar de 1964, momentos de luz e sombra. Sombras com a persegui��o a alunos e professores durante a ditadura (1964-1985), e de luz por ser uma faculdade sempre pulsante, umas melhores do pa�s, com reconhecimento internacional", afirma.
Para homenagear um estudante morto durante os chamados "anos de chumbo", a faculdade mant�m o espa�o interno de conviv�ncia dos alunos, o Territ�rio Livre Jos� Carlos da Matta Machado. E a escola tem o Centro Acad�mico Afonso Pena (Caap), mais antiga entidade estudantil de Minas, fundada em 1908, e o Centro Acad�mico de Ci�ncias do Estado (Cace), de 2010.
Nessa hist�ria mais do que centen�ria, o patrim�nio humano formado por servidores, professores e alunos e ex-alunos merece respeito e zelo, incluindo-se Maria de Lourdes Prata, aluna pioneira do curso de direito, na d�cada de 1920, o ex-presidente Tancredo Neves, o compositor Fernando Brant, o ex-presidente Pedro Aleixo, os governadores Mello Viana, Francisco Salles, Milton Campos, Bias Fortes, Rondon Pacheco e Ozanan Coelho e os ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) Orozimbo Nonato Ant�nio Gon�alves de Oliveira, Sep�lveda Pertence, Carlos M�rio Veloso e Maur�cio Corr�a.
Para quem est� na ativa, e em rever�ncia � mem�ria dos que morreram, paira a palavra vetusta, como a faculdade � carinhosamente chamada pela comunidade acad�mica, e que significa “antiga” e tamb�m “vener�vel e respeitosa”.
Direito e Pol�tica
Em pesquisa sobre a institui��o, o professor adjunto de direito tribut�rio da UFMG, advogado tributarista Andr� Mendes Moreira, informa que "h� uma liga��o at�vica entre o direito e a pol�tica, e n�o por acaso, dos 25 fundadores da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, quase todos tinham ocupado ou ocupariam cargos de relevo na Rep�blica, de deputados � presid�ncia".
Com a palavra, o professor Andr� Moreira: "� �poca da funda��o da Faculdade Livre de Direito, Minas Gerais era governado por Afonso Pena (1847-1909), que foi eleito tamb�m seu primeiro diretor. Em 1894, ele foi indicado pelo ent�o presidente da Rep�blica, Prudente de Morais, para o posto de ministro do STF, mas declinou do convite. Uma das raz�es invocadas para tanto foi a necessidade de consolidar a nova faculdade na ent�o capital mineira, Ouro Preto”.
Quando de sua cria��o, a Faculdade Livre de Direito sobrevivia de parcos aportes p�blicos e de benfeitores. Em 1927, a uni�o das faculdades mineiras de direito, medicina, odontologia, farm�cia e engenharia criou a Universidade de Minas Gerais. "Em 1949, ap�s intensas discuss�es, a institui��o foi federalizada, passando a contar com ensino p�blico e gratuito custeado pela Uni�o, o que gerou, em 1965, a mudan�a de sua nomenclatura para Universidade Federal de Minas Gerais". Em 2008, a Faculdade de Direito passou a ofertar o curso de bacharelado em Ci�ncias do Estado sendo hoje designada Faculdade de Direito e Ci�ncias do Estado da UFMG.
Em 2020, a Times Higher Education (revista inglesa especializada em educa��o superior) considerou a UFMG como a terceira melhor universidade brasileira e a quinta melhor da Am�rica Latina.
O diretor da institui��o, Hermes Vilchez Guerrero lembra que a cria��o da escola era uma necessidade do regime republicano. “Seu surgimento s� foi poss�vel porque estavam � frente do empreendimento grandes homens p�blicos, como Afonso Pena, Afonso Arinos, Augusto de Lima, Davi Campista, Jo�o Pinheiro ”. E ressalta que “pessoas das mais simples �s mais abastadas” faziam doa��es.
A tradi��o das doa��es se mant�m. Foi com ajuda de ex-alunos que o pr�dio foi integralmente revitalizado, mesmo diante do contingenciamento de verbas das universidades. “� emocionante ver a satisfa��o com que contribuem e at� nos agradecem por permitir, segundo afirmam, 'devolver um pouco daquilo que receberam da faculdade'”, comenta o diretor.
Ensino do direito
» 1892: Em 10 de dezembro, � fundada em Ouro Preto a Escola Livre de Direito, atual Faculdade de Direito da UFMG
» 1898: Faculdade � transferida para Belo Horizonte e se mant�m sempre na Regi�o Central da cidade. Trata-se da primeira institui��o de ensino superior de BH.
» 1901: Faculdade se instala definitivamente na Pra�a da Rep�blica, hoje Pra�a Afonso Arinos
» 1908: Em 16 de agosto, � fundado o Centro Acad�mico Afonso Pena (Caap), mais antiga entidade estudantil de Minas
» 1927: Faculdade de Direito junto com os cursos de medicina Odontologia farm�cia Engenharia a Universidade de Minas Gerais
» 1949: Universidade de Minas Gerais � federalizada passando os cursos gratuitos custeados pela uni�o
» 1958: Pr�dio antigo � derrubado, e constru�do no lugar o edif�cio Villas-Boas, onde funcionam o curso de p�s-gradua��o e a administra��o da faculdade
» 1960: De 1964 a 1980, durante a ditadura militar, alunos lutam pelas liberdades civis, elei��es diretas e redemocratiza��o
» 1990: Constru�do o edif�cio Valle-Ferreira, com entrada pela Jo�o Pinheiro, para o curso de gradua��o. Em 1998, � inaugurado o edif�cio-sede da biblioteca
» 1965: a Universidade de Minas Gerais se torna Universidade Federal de Minas Gerais UFMG
» 2008: Faculdade de Direito passa a oferecer tamb�m o curso de Ci�ncias do Estado
Quatro perguntas para...
Misabel Abreu Machado Derzi
professora titular de direito financeiro e tribut�rio e advogada tributarista

Tenho 56 anos dentro da institui��o. Ao ingressar na faculdade por meio do vestibular de 1965, dela jamais me afastei, como aluna ou docente. Essa trajet�ria, que envolve tr�s gera��es, cumula uma experi�ncia da qual muito me orgulho. Mesmo tendo iniciado os estudos ap�s o golpe de 1964, ainda encontrei ali ambiente efervescente de reflex�es, cr�ticas, liberdade para pensar e discordar. Os alunos se manifestavam em greves, passeatas e movimentos de protestos pol�ticos. Se detidos pela pol�cia, eram pouco depois libertados. Fui aluna do professor Edgar da Matta Machado e seu filho, Jos� Carlos, frequentava as aulas e atuava bravamente no Centro Acad�mico Afonso Pena.
Como era a situa��o?
Aos poucos, atos de aposentadoria compuls�ria de v�rios docentes, alguns alunos afastados e presos, fechamento de nossos institutos de pesquisa, paralisa��o de nossa revista tradicional, direcionamento dos recursos p�blicos para a �rea das ci�ncias exatas, consideradas produtivas em detrimento dos perigosos direitos humanos e sociais, amorda�amento de nossas vozes internas e externas, tudo acobertado pelo Ato Institucional nº 5/1968, inseriram-me em ambiente de sombrio sil�ncio. N�o o sil�ncio respeitoso dos cemit�rios ou dos templos de ora��o, mas aquele vigiado e opressivo dos corredores dos pres�dios. Nas salas de aula, sab�amos, havia olheiros e ouvintes, transferidos compuls�ria e independentemente de vagas, para tudo relatar ou delatar.
Qual foi o percurso para chegar ao corpo docente?
Ao t�rmino do bacharelado, logo prestei concurso para ingresso no doutorado e, em seguida, iniciei meus concursos na carreira docente dentro de nossa faculdade. �quela �poca, como agora, e muito antes da Constitui��o de 1988, a Casa de Afonso Pena primava pela exig�ncia de concursos p�blicos de provas e t�tulos no ingresso e na ascens�o na carreira docente. A princ�pio, prestei tr�s concursos: para os cargos de Orientadora Forense, depois Professora Auxiliar de Ensino e, por fim, Professora Assistente. Com a obten��o do t�tulo de doutora, ascendi ao cargo de Professora Adjunta. Finalmente, fiz o �ltimo concurso p�blico para titular de Direito Tribut�rio e Financeiro, em 2008. Tenho orgulho de ter cumprido esse longo percurso, de ter insistido, pois ele me permitiu assistir, de dentro, � revers�o, � transforma��o de nossa faculdade. Com a redemocratiza��o, abriram-se os c�rceres em que se tinha tentado, em v�o, aprisionar o pensamento e sua express�o, recomp�s-se o Estado de Direito antes eviscerado. A democracia pluralista, a liberdade de c�tedra e a autonomia universit�ria, a pesquisa e o ensino floresceram novamente. Nossa amada escola a tudo resistiu.
A senhora � a decana da Faculdade de Direito, institui��o historicamente com preval�ncia masculina (s�o listados 25 fundadores, todos homens) e ocupou v�rios postos de trabalho. O que significa ser uma mulher no exerc�cio de cada um desses cargos?
A meritocracia me salvou, como salvou alunos e professores que, n�o tendo influ�ncia econ�mica ou pol�tica a exercer ou, ainda, sem poder usar de rela��es pessoais e familiares, tiveram “chance” ou sorte em concursos p�blicos. Se Michael Sandel (professor de Filosofia de Harvard) alerta para a tirania da meritocracia, para a fal�cia dos frutos da intelig�ncia, da compet�ncia e de outros talentos atribu�veis � loteria gen�tica ou aos arranjos constru�dos em oportunidades escusas ou pol�tico-familiares, em acasos e conting�ncias da sorte, tenho a contrapor que ingressei na faculdade por vestibular e, no corpo docente, por meio de concursos p�blicos de provas e t�tulos, v�rias vezes repetidos. Nos anos 1970, havia apenas mais duas professoras, que tiveram a mesma “sorte”: Elza Maria Miranda Afonso e Gema Galgani Guerra. Tamb�m no alunado, a maioria ainda era masculina, pois somente os departamentos de profiss�es tradicionalmente femininas, como Letras e Educa��o, tinham composi��o equilibrada, em contraste com faculdades como a de direito e de engenharia, de tradi��o masculina, especialmente essa �ltima.