
O potencial das altera��es nessa legisla��o n�o � pequeno. Suas consequ�ncias j� podem ser vistas em canteiros de obra de outro extremo da cidade, a ADE da Pampulha, pr�ximo � orla da lagoa, onde, gra�as � mudan�a em outro artigo da lei, dois espig�es est�o prestes a ser erguidos a contragosto da comunidade, que h� d�cadas trava luta contra os interesses que tentam verticalizar a regi�o. Outro caso em que, ao mudar a lei, a prefeitura favoreceu interesses privados.
No Bairro Santa L�cia, o primeiro sinal do impacto da flexibiliza��o tamb�m j� surgiu, sob a forma de um gigante luminoso que contraria o discurso da pr�pria administra��o de frear a publicidade em �reas sens�veis da cidade. Instalado em terreno do empres�rio Nelson Rigotto – acusado de pagar propina a vereadores de BH para a aprova��o do projeto de lei que libera a constru��o de shopping, no Bairro Santa Efig�nia, Regi�o Leste de BH –, um outdoor com tecnologia de ponta, em luzes de LED, foi licenciado em julho pela Regional Oeste da PBH, respons�vel pela �rea. O Minist�rio P�blico estadual instaurou procedimento para apurar o caso.
A instala��o do engenho de publicidade na Avenida Raja Gabaglia, com a autoriza��o da prefeitura, em �rea inicialmente protegida, pegou de surpresa moradores do Alto Santa L�cia, j� que o C�digo de Posturas pro�be placas publicit�rias em ADEs. “� um descaso com a popula��o. Ningu�m sabia dessa mudan�a, tudo foi feito na surdina, para atender interesses de poucos. J� que houve brecha para o outdoor, amanh� podem botar um pr�dio ali e ningu�m vai falar nada”, afirma o presidente da Associa��o Pr�-interesses dos Moradores do Alto do Bairro Santa L�cia, Joaquim Vidigal.
O susto foi maior ainda porque, no ano passado, a prefeitura declarou guerra � polui��o visual, com a revis�o no C�digo de Posturas e a contrata��o de empresa para derrubar placas irregulares. A promessa era redu��o de 85% dos outdoors, que passariam de 3 mil para 450. Mas o painel licenciado na antiga �rea de ADE, que divide espa�o ainda com outros quatro pain�is irregulares, exp�e apenas uma ponta daquilo em que pode se transformar o Alto Santa L�cia. A altera��o em dois artigos da Lei de Parcelamento, Ocupa��o e Uso do Solo (nº7.166/1996) diminuiu praticamente pela metade a ADE, al�m de flexibilizar seu uso.
SEM PROTE��O
A maioria dos terrenos voltados para a Raja Gabaglia deixou de pertencer ao per�metro protegido. Tamb�m houve permiss�o de uso em alguns lotes dentro dos limites da ADE, que, se estiverem margeando a Raja, agora podem receber atividades comerciais. A arquiteta e urbanista Jurema Rugani, do F�rum Mineiro de Reforma Urbana e ex-diretora de Cidades do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/MG), critica a mudan�a: “N�o � justo prejudicar a cidade com mudan�a de uso de uma ADE. O Santa L�cia tem fragilidades ambientais, est� no topo do morro e tem nascentes n�o mapeadas. Al�m disso, a Raja Gabaglia j� est� saturada”.
Os lotes que deixaram de integrar a ADE passam a ser classificados apenas como Zona de Adensamento Restrito (ZAR). Apesar de terem potencial de constru��o menor, como o pr�prio nome diz, h� possibilidade de se implantar atividades comerciais. E pode piorar, alerta a urbanista. “A verticaliza��o pode ser uma segunda etapa desse processo de flexibiliza��o, que come�ou com o encolhimento da ADE”, diz Jurema. De acordo com um dos diretores da C�mara do Mercado Imobili�rio do Sindicato das Empresas do Mercado Imobili�rio de Minas Gerais (CMI/Secovi), Evandro Negr�o de Lima, lotes na Raja Gabaglia s�o visados pelo mercado e a possibilidade de receber empreendimentos comerciais � um atrativo valioso.
“Terrenos que passam de uso unifamiliar para comercial t�m uma natural valoriza��o”, explica Evandro. Uma mudan�a consider�vel, ap�s uma simples mudan�a da lei: o especialista calcula aumento de 50% no pre�o do terreno, onde est� instalado o painel luminoso licenciado pela prefeitura. Com �rea de 1,9 mil metros quadrados e valor venal no Imposto Predial e Territorial Urbano de R$ 345 mil, o lote de Nelson Rigotto, nessas novas condi��es, tem o valor venal – usado para c�lculo do tributo e inferior ao pre�o de mercado – estimado em mais de meio milh�o de reais. Procurado diversas vezes para comentar o assunto, o empres�rio n�o retornou o contato da reportagem.
GLOSS�RIO
�rea de Diretrizes especiais (ADE) – Denomina��o dada a regi�es que t�m regras diferenciadas, na tentativa de preserv�-las como refer�ncia (ambiental, cultural ou patrimonial) para a popula��o. Nelas, as regras de zoneamento, como altura das edifica��es e taxa de ocupa��o dos terrenos, devem ser iguais ou mais restritivas que as do entorno.
Zona de Adensamento Restrito (ZAR) – Classifica��o de regi�es em que a ocupa��o � desestimulada, por aus�ncia ou defici�ncia de infraestrutura de abastecimento de �gua ou de esgotamento sanit�rio, de precariedade ou satura��o do tr�nsito ou de adversidade das condi��es topogr�ficas.
Fonte: Documento da 3ª Confer�ncia Municipal de Pol�ticas Urbanas, em 2009, e da Lei de Parcelamento, Ocupa��o e Uso do Solo
Altera��o confunde a pr�pria PBH
Apesar de ser de autoria do Executivo e de ter sido sancionada pelo prefeito Marcio Lacerda, a Prefeitura de Belo Horizonte n�o apresentou at� o momento explica��o para a mudan�a na ADE Santa L�cia. Por mais de duas semanas, o Estado de Minas cobrou posi��o sobre a altera��o. Inicialmente, questionada sobre o per�metro da ADE, a Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano, � frente dos principais projetos da cidade, apresentou um mapa da antiga defini��o da �rea protegida, como se os limites originais n�o tivessem sido alterados. Nessa interpreta��o, o outdoor licenciado pelo poder p�blico estaria em �rea irregular, j� que o C�digo de Posturas pro�be engenhos de publicidade em ADEs.
Confrontada com essa informa��o, a prefeitura apresentou nova vers�o. A Secretaria Municipal Adjunta de Fiscaliza��o informou, em nota, que a Lei 7.166/96, com a defini��o do per�metro da ADE Santa L�cia, foi alterada. “O per�metro da ADE passou a constar no 4° par�grafo do artigo 81, que diz: ‘Incluem-se na ADE Santa L�cia os lotes situados nos dois lados das ruas Agena, Nazareth e Acarahy’, per�metro este onde n�o se encontra o engenho de publicidade questionado.”
Dono da placa licenciada na Avenida Raja Gabaglia, o empres�rio Alexandre Davis afirma que participou de processo de chamamento p�blico aberto pela prefeitura, com todos os passos dentro da lei. Ele venceu a licita��o do engenho de publicidade, ao oferecer o maior pre�o: R$ 8.010. Entre compra e instala��o do painel de LED, Davis informa ter pago R$ 300 mil, investimento que n�o admite perder. “Sempre trabalho dentro da lei e, caso seja comprovado que o licenciamento ocorreu em �rea proibida, vou exigir o ressarcimento de todas as despesas.”
