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Estado de Minas RITUAL

Homens d�o banho de cacha�a em imagem de Cristo em Caet�

Distrito de Morro Vermelho mant�m tradi��o de mais de 200 anos. Cren�a � de que bebida preserva imagem e evita cupins


postado em 23/02/2012 06:59 / atualizado em 23/02/2012 08:42

Católicos despejam aguardente na imagem de nosso senhor dos passos, depois de retirá-la do altar, despi-la e encaixar pés da escultura em gamela(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Cat�licos despejam aguardente na imagem de nosso senhor dos passos, depois de retir�-la do altar, despi-la e encaixar p�s da escultura em gamela (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
 

Em sil�ncio absoluto e total sinal de respeito, os sete homens entram na igreja, em fila e carregando garrafas de aguardente, da mesma forma como fizeram os seus antepassados. Em poucos minutos, eles v�o dar in�cio a um ritual secreto de mais de 200 anos que marca a quarta-feira de cinzas no distrito colonial de Morro Vermelho, em Caet�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Depois de retirar do altar a imagem de Nosso Senhor dos Passos, do s�culo 18, o grupo vai despi-la e dar um banho de cacha�a em toda a escultura de cedro. A medida, conforme reza a tradi��o, � para evitar que a madeira se deteriore ao longo dos anos ou seja alvo dos cupins. Coincid�ncia ou n�o, o fato � que essa � a �nica pe�a sacra da Matriz de Nossa Senhora de Nazareth ainda n�o atacada pelos insetos ou destru�da pela a��o do tempo.

A entrada no templo barroco, nesse momento, � proibida �s mulheres – sempre foi assim e elas n�o reclamam, certas de que o costume deve ser mantido. O primeiro a chegar � porta da matriz, por volta de 12h50, � Ant�nio Itamar Vieira, conhecido como Gelatina, de 58 anos. H� 25 anos ele participa do misterioso ritual, que dura cerca de uma hora e at� o instante em que Cristo � posto sob um andor com a cruz �s costas. “Para n�s, Jesus � um pai, ent�o fazemos tudo com muito cuidado”, afirma Ant�nio Itamar, que trabalha como vendedor, tem quatro filhos e um neto.

A imagem tem 1,85m e � toda articulada. Tiras de couro fazem as liga��es dos bra�os e pernas. Segundo o grupo, � a �nica do pa�s que fica de p� no altar. Durante todo o ritual, favorecidos talvez pela atmosfera barroca da matriz e o dia nublado, h� momentos muito simb�licos, que remetem aos s�culos 18 e 19. Um deles � quando o aposentado Walter Estef�nio, de 62, nascido e criado no distrito, tira a peruca de Cristo e vai passando a cabeleira para cada um, como se fosse uma irmandade. “� para dar boa sorte”, explica o paulista Jos� Carlos Escalina Dias, de 62, que h� cinco passou a fazer parte do grupo. “Tenho muita f�, isso � o mais importante. Na primeira vez, cheguei a arrepiar”, conta Jos� Carlos, casado com Isabel, nascida em Morro Vermelho.

Assim que o Cristo desce do altar, � carregado por todos e imediatamente colocado sobre um pano roxo, dobrado. Depois, os p�s s�o postos dentro de uma gamela de madeira. A cena vem sendo presenciada por Nildo Jesus Leal, de 70, desde quando ele tinha 18 anos, e sempre causa emo��o. “Eu era menino e ficava olhando os mais velhos, pela fresta da porta, ansioso para chegar o dia em que poderia estar presente. O meu av� era um dos que davam o banho de cacha�a no Cristo, mas meu pai, n�o. Quem me trouxe pela primeira vez foi o av� do meu amigo Toinzinho”, recorda-se Nildo. Ele abre os bot�es da veste de veludo roxo, dobra a roupa com cuidado, depois da veste de linho branco, deixando a imagem apenas com um tipo de an�gua tamb�m imaculadamente branco e do mesmo tecido. Nildo conta que as roupas ser�o enviadas para lavar e, agora, substitu�das por outras limpas.

De acordo com informa��es da Arquidiocese de Belo Horizonte, � qual a Matriz de Nossa Senhora de Nazareth est� ligada, o ritual � de responsabilidade dos leigos e s� tem participa��o deles, sem a presen�a de integrantes da C�ria, padre ou outros religiosos.

�gua Benta

Cada participante pega a sua garrafa, umas de pl�stico, outras de vidro, e come�a a despejar a cacha�a, com movimentos suaves, com as m�os, na cabe�a, nos bra�os, pernas e p�s. O l�quido que escorre ser� recolhido e aproveitado em diversas ocasi�es, diz o pedreiro Ant�nio Lopes, de 51, o Toinzinho. “Serve para curar feridas e ajudar os enfermos. Da mesma forma, as roupas rec�m-retiradas do santo podem ser usados por quem estiver doente”, revela Toinzinho, para quem o ritual tem um ar de mist�rio. O sineiro Sud�rio Jos� Leal, de 74, � outro que j� viu d�cadas e d�cadas desse ritual, e n�o se cansa. “� nossa hist�ria”, resume. No momento em que a pinga escorre, Ant�nio Agostinho dos Reis, com seriedade, aponta os pingos: “Pode pegar um pouco que � benta”.
A etapa seguinte � enxugar a imagem, nesse momento totalmente despida. Nildo veste as roupas limpas e, junto com os amigos, ergue a imagem sobre o andar. Durante toda a quaresma ele fica em destaque na matriz, saindo em prociss�o no Domingo de Ramos, dia em que, em Morro Vermelho, h� o encontro entre Nossa Senhora e Jesus, e na cerim�nia do descendimento da cruz e prociss�o do enterro, na sexta-feira da paix�o.

Por volta das 14h, um grupo de mulheres aguarda o momento de entrar na igreja para fazer a limpeza. Elas n�o demonstram curiosidade pelo que se passa na nave central do templo. “� algo t�o antigo, que a gente nem se importa”, diz a dona de casa Maria de Lourdes Xavier Lopes, de 58. “� tradi��o, ent�o por que iria nos incomodar?”, pergunta Nilza Batista da Silva de 65. Ao lado, est�o as amigas Vera L�cia Madeira Pinto, de 49, Darlene Batista Pinheiro, de 42, e Gilda Lopes, de 61. “Acho que vou tomar um pouquinho dessa pinga hoje, mas me disseram que amarga”, diz Darlene, com bom humor.

 


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