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Estado de Minas DOR TRANSFORMADA[

Rede de apoio ajuda fam�lias a lidar com o luto

Guimar�es Rosa (1908-1967) tratou a morte como "encanto". Rosiano, "encantou-se". Da vida, uma �nica certeza: esse tal encantamento. O fim de tudo para muitos � apenas peda�o do viver para alguns. Se a maioria das pessoas prefere n�o tocar no assunto, h� hist�rias fortes de gente que busca aprender a lidar com o in�cio e o meio, sem se desesperar com o final.


postado em 11/03/2012 07:40


Em 21 de abril de 1998, numa curva, na volta de um churrasco entre amigos em Santa Luzia, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, Camile, aos 18 anos, “se encantou”. Estava de carona, com outros tr�s ocupantes. Lan�ada para fora do ve�culo, ela a �nica sem vida. O mundo em desencanto nos cora��es do pediatra Eduardo Carlos Tavares e da psic�loga Gl�ucia Rezende Tavares, pais de Camile. “Somente a certeza de sermos amados e de que nossa filha tamb�m o foi � capaz de nos dar for�as para transformar a imensa dor da perda em energia criativa, em vez de depress�o”, escreveu o m�dico em Do luto � luta, lan�ado em 2001, com duas tiragens esgotadas.

 Ao lado da mulher, al�m do livro, Eduardo deu in�cio � Rede de Apoio a Perdas Irrepar�veis (API), que em mais de 10 anos j� conta com 4 mil pessoas cadastradas em Minas Gerais, no Esp�rito Santo e na Bahia. Muito unido desde os tempos de namoro, o casal entendeu precisar de ajuda na dor desmedida da falta de Camile. “Na nossa primeira reuni�o, eram apenas amigos e parentes. Todos com uma hist�ria de perda”, revela. Eduardo e Gl�ucia foram pioneiros na cria��o de uma esp�cie de clube do luto no Brasil, com o objetivo de unir for�as e compartilhar viv�ncias, desvinculados de qualquer cren�a religiosa.

 “Nossa for�a � muito maior que o nosso gesto. N�s n�o avan�amos sozinhos”, diz o m�dico. Gl�ucia, a mulher companheira, estudiosa e profissional da psicologia, tem bem mais que opini�o t�cnica sobre o luto. M�e apaixonada, fala em “serenidade para poder lidar com os fen�menos da vida e fazer o melhor poss�vel sempre”. A fundadora da API diz que o trabalho � tamb�m pela preserva��o da mem�ria de quem partiu. Na saudade de Camile, a psic�loga buscou se fortalecer pelo bem e futuro da filha mais velha, Ivana. “Al�m de perder a irm�, ainda ter que conviver com os pais em peda�os… N�o seria justo.”

 No apartamento do Bairro de Lourdes, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, h� uma parede com retratos da bela Camile. Um cantinho externo especial em mem�ria da menina “encantada”. H� tamb�m a “reedi��o da fam�lia”, personificada numa mocinha linda de olhos brilhantes, com 1 ano e oito meses de do�ura. B�rbara, a netinha, filha de Ivana, que tamb�m faz reviver Guimar�es Rosa, com o desafio de ter alegria, ainda mais no meio da tristeza. Gl�ucia, av� coruja, ressalta a for�a e o significado da palavra “prosseguir”: “Seguir em prol de alguma coisa”.

Falar faz bem

Para Eduardo e Gl�ucia, falar de Camile � bom. � um aprender de maneira simb�lica a lidar com uma nova realidade. “Terr�vel � quando voc� mata a mem�ria. � n�o poder falar. O falar revive a tristeza, mas tamb�m revive o lado bom. Isso � restaurar, o que � muito diferente de superar”, diz Gl�ucia. C�mplices no sorriso da saudade, pai e m�e, falam em “doces lembran�as” e na satisfa��o de testemunhar a “restaura��o” de muitos participantes da Rede API. Comentam com admira��o a for�a e a coragem de uma associada que, tempos depois de ter presenciado o assassinato do marido, teve o filho morto, tamb�m esfaqueado.

O m�dico, desde o princ�pio, n�o queria que a rede “se transformasse em doutrina”. Para ele, � espiritualidade. Lamenta o fanatismo que se apropria de quem est� vulner�vel. “Cada um tem o seu Deus e isso precisa ser respeitado.

Independentemente da religi�o, podemos ter Deus como uma energia amorosa para a gente continuar vivendo harmoniosamente”, diz. Gl�ucia chama a aten��o para o fato de que n�o somos educados para a morte e que, �s vezes, os consolos s�o equivocados e apresentam um “Deus terr�vel”, com frases prontas do tipo ‘foi porque Deus quis”. Para a psic�loga, o “encantar-se” de Rosa n�o � nada disso.

 

O estudo da morte

A Sociedade de Cuidados Paliativos e Tanatologia de Minas Gerais (Sotamig) tem ajudado muita gente a lidar com a morte. Entre os estudiosos do fim da vida f�sica, tratado como encanto na literatura rosiana, destaca-se outro m�dico escritor: Evaldo A. D’Assump��o. Autor, entre outros, de Os que partem, os que ficam e de Dizendo adeus – Como viver o luto, para super�-lo. Nos dois livros, o especialista recorre � hist�ria, � ci�ncia e � religi�o para fundamentar apontamentos de aux�lio na elabora��o do luto. As ideias do doutor palestrante foram fundamentais para o amparo de pessoas em luto de v�rias regi�es brasileiras, al�m de contribuir com a forma��o de preceptores auxiliares.

Dentre eles, J�nia Drumond, psic�loga, desde o in�cio dos anos 2000 mergulhada no estudo da morte e de suas consequ�ncias. Foi no papel de boa ouvinte que ela entrou na vida de  Juraci Barbosa Lima, juiz aposentado, que, em 2010, perdeu a m�e de seus tr�s filhos. O fim da parceria de 35 anos por um c�ncer no intestino foi “golpe dif�cil” para Juraci. “Sinto muita saudade. O grande problema ainda � a solid�o e o des�nimo, mas sinto-me um pouco melhor.” No meio de tanta tristeza, a chegada da netinha Maria Luiza, de sete meses, para ajudar a confortar a fam�lia.

Cora��o partido tamb�m � o caso de T�nia Amaral de Almeida Marra, de 60. Entre namoro e casamento foram 41 anos de hist�ria ao lado do marido, Jos� Tarc�sio Marra, vitimado por doen�a degenerativa. Foram tr�s anos de luta e dor relatados por T�nia, com passagens de tocar a alma: “Ele entrou com nossa filha na igreja, muito magro, j� com uma cor verde… Da� em diante, os ossos dele foram se quebrando. Numa ocasi�o, ele me chamou e falou com muita dificuldade: ‘T�nia, ser� que n�o tem jeito de acabar logo com isso?”. Quase quatro anos passados, a vi�va se mostra animada, agradecida pelo apoio vindo da tanatologia.

 Entre os reunidos no consult�rio de J�nia para conversar com o EM, h� ainda Sueli Gomes Diniz, de 53, cheia de saudade da irm� mais nova, Roseli, morta ano passado, aos 46. Conta com tristeza que, em 20 dias, viu a familiar querida, bem casada e cheia de planos, partir, v�tima de c�ncer decorrente de uma gravidez molar. Para Sueli, esp�rita, � preciso aprender a estar preparado para cruzar com as perdas irrepar�veis a qualquer momento. “A vida perdeu um pouco o brilho para mim. � uma fase. Por outro lado, perdi um pouco do horror da morte”, revela.

 

“N�o deixei de amar a Deus. O avi�o caiu, n�o �!?’’

Em 3 de maio de 1963, em S�o Paulo, logo depois da decolagem, o motor de um avi�o da Cruzeiro do Sul pegou fogo e caiu perto do aeroporto de Congonhas, matando 34 pessoas. Entre as v�timas, o engenheiro Waldemar Cardinali, 44 anos, marido de Sebastiana Leite Cardinali, a “Tita”.

Em Belo Horizonte, a mulher, m�e de quatro filhos, transformou a dor em f�. “N�o deixei de amar a Deus.

O avi�o caiu, n�o �!? Uma fatalidade. Foi minha f� a minha salva��o.” Em 1987, depois de longa jornada volunt�ria, Tita fundou a Pastoral das Vi�vas, na Par�quia de S�o Mateus, no Bairro Anchieta, onde, uma vez por m�s, se re�ne com outras 14 mulheres enlutadas.


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