At� onde voc� iria para alcan�ar uma flor? A mineira Livia Echternacht Andrade, de 28 anos, foi longe. Foi � R�ssia em busca de exsicatas (amostra prensada e em seguida seca numa estufa) de sempre-vivas. Nascida em Juiz de Fora, e vivendo em Belo Horizonte desde os 12 anos, a estudante tem andado at� pela flora brasileira. Doutoranda pela Universidade de S�o Paulo (USP), com cotutela do Museu de Hist�ria Natural da Fran�a, a jovem pesquisadora, al�m de Inglaterra, Holanda, Su�cia, Dinamarca e EUA, j� percorreu Paris, Berlim, Genebra e S�o Petersburgo no rastro de eriocaul�ceas. No Brasil, Livia esquadrinhou cerca de 1 mil quil�metros da Serra do Espinha�o, que se estende por Minas Gerais e pela Bahia. Estudiosa, lazer s� mesmo entre uma flor e outra, nos riachos e cachoeiras que correm montanhas. Tamb�m perigo tamb�m em caminhos de muitos percal�os.

Fora as disciplinas b�sicas, foram tr�s anos de inventoriamento de cerca de 600 esp�cies na Esta��o Ecol�gica da Mata do Cedro, em Carm�polis de Minas, na Regi�o Centro-Oeste do estado. Logo depois da monografia aplicada, em 2006, Livia emendou mestrado no Museu de Hist�ria Natural, em Paris, com disserta��o voltada para as eriocaul�ceas da Serra do Espinha�o – uma das �reas mais ricas do mundo em biodiversidade. “S�o mais de 2 mil esp�cies na vegeta��o da serra”, ressalta. S� da fam�lia de sempre-vivas (eriocaulaceae) estudadas por Livia s�o cerca de 400, sendo a maior parte de microend�micas.
Para a cientista, � muito estimulante percorrer terras estrangeiras em busca das pequenas flores extra�das do Brasil. “Mais da metade dos tipos coletados aqui est�o nos herb�rios estrangeiros”, revela. Livia diz que os grupos brasileiros de pesquisas est�o se sobressaindo na Europa. “A USP foi a primeira universidade brasileira a desenvolver uma linha de pesquisa com a flora da cadeia do Espinha�o. � uma universidade pioneira na bot�nica no Brasil”, elogia. Em junho, com o apoio da UFMG, a bi�loga encerra sua tese. “Quero continuar com o trabalho de pesquisa e com o estudo da biodiversidade”, planeja, sem esconder o desejo de se casar e de ser m�e. “Antes preciso de um emprego, n�o �!?”, sorri. A inten��o da doutoranda � ganhar as salas de aulas, enquanto se prepara para os concursos de entrada em universidades p�blicas.
Nem tudo s�o rosas Politizada, atenta ao crescimento de sua terra natal, Livia Echternacht tem olhar apurado e cr�tico no que se refere ao meio ambiente – para ela, um grande paradoxo do Brasil emergente. Se por um lado, nos �ltimos anos, nunca houve tanto cuidado com a pesquisa, por outro a destrui��o das reservas naturais do pa�s nunca foram t�o assustadoras. “Ao mesmo tempo que temos bolsas e financiamento para a pesquisa como jamais tivemos, a destrui��o da natureza nunca foi t�o acelerada. Provavelmente centenas de esp�cies s�o extintas sem ao menos serem descritas”, lamenta.
Entre os campos visitados pela menina das flores, a Amaz�nia n�o podia ficar de fora. Os olhos verdes de Livia brilham para falar da imensid�o que a fez suspirar ainda mais fundo. “� o �nico lugar do mundo onde voc� pode estar a 200 quil�metros de dist�ncia de qualquer cidade. Um ambiente de muitas riquezas, onde a flora e a fauna, infelizmente, ainda s�o pouco estudadas”, lembra. Al�m das quest�es pol�ticas e econ�micas, a bi�loga fala das dificuldades e impedimentos de trabalho percebidos na floresta amaz�nica em 2008 e 2009.
“Quando se fala em Amaz�nia as pessoas costumam pensar apenas em mata. No entanto, h� uma diversidade enorme de ambientes”, diz. Durante a semana que passou em campo nas proximidades do Rio Uatum�, no entorno da Usina Hidrel�trica de Balbina – duramente criticada por especialistas como o maior desastre ambiental da hist�ria do Brasil, nos anos 1980 –, Livia comenta a complexa log�stica de apoio, necess�ria ao trabalho dos pesquisadores na regi�o. “Aqui no Espinha�o, posso trabalhar em campo na companhia de uma s� pessoa. L�, s�o necess�rias equipes de dezenas de pessoas”.
Da Bahia � R�ssia
No rastro das plantas raras, aventuras n�o faltam na vida de Livia, que j� teve de beber muita �gua “em copinhos de brom�lias”, durante as caminhadas mais longas por lugares desconhecidos. Em Jequi�, na Bahia, em 2009, a bi�loga conta ter vivido sufoco em local de desova de cad�veres. “Subimos a montanha numa trilha a p�. Depois da coleta, voltamos por outro caminho e sa�mos atr�s de umas casinhas. S� seria poss�vel voltar � estrada passando por elas. A gente se identificou como bot�nicos, mas os moradores n�o queriam deixar a gente passar. Por fim, uma velhinha pegou no bra�o do meu colega e perguntou: ‘Voc�s n�o mataram ningu�m n�o, n�o �?”.
Tamb�m foi na Bahia, em Gentio do Ouro, que a pesquisadora viveu momento emocionante ao encontrar comanthera floccosa, esp�cie branca das mais raras de sempre-viva. Do sol escaldante do Nordeste do Brasil ao frio de rachar os l�bios na Europa. Em 2010, foram 15 dias num herb�rio em S�o Petersburgo, na R�ssia. “A experi�ncia foi incr�vel. Os russos foram os primeiros a descrever a diversidade de eriocaul�ceas no Brasil. A cole��o recolhida no s�culo 19 estavam muito desatualizada. L�, pude identificar centenas de esp�cimes que n�o estavam identificadas com tal”, conta. Livia ressalta a import�ncia da identifica��o dos tipos para a ci�ncia. “� preciso ver o tipo para entender como � a esp�cie”.
SAIBA MAIS: PLANTA EM RISCO DE EXTIN��O
Sempre-viva � o nome popular dado a v�rias esp�cies. Vem da apar�ncia viva de seu conjunto de flores, mesmo seco, tempos depois de colhido. As principais fam�lias comercializadas s�o as euriocaul�ceas e as xyrid�ceas. A principal regi�o de ocorr�ncia dessas fam�lias � a cadeia do Espinha�o. Elas brotam nos campos rupestres, um ecossistema composto por rochas expostas e com influ�ncias da mata atl�ntica e do cerrado. Geralmente, surgem em altitudes superiores a 900 metros. Al�m de sua import�ncia econ�mica, as sempre-vivas contribuem para a biodiversidade do Vale do Jequitinhonha. Sua comercializa��o desordenada representa risco de extin��o das esp�cies. Est� em curso o Plano Nacional de Conserva��o de Euriocaul�ceas pelo Minist�rio do Meio Ambiente. Livia Echternacht faz parte da equipe de cerca de 40 pesquisadores que elaboraram 54 a��es priorit�rias de preserva��o at� 2016. O grupo realiza simp�sio em Diamantina nos pr�ximos dias 23 e 24.