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Estado de Minas

Casais gays derrotam preconceitos no interior de Minas

Gays que vivem nas cidades de Minas onde h� maior percentual de casais homossexuais, segundo o IBGE, n�o t�m medo de se assumir


postado em 21/10/2012 07:20 / atualizado em 21/10/2012 07:23

Tiago e Júlio namoram há 15 meses e vivem juntos em Pequeri. Família teme que eles sejam vítimas de agressões(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Tiago e J�lio namoram h� 15 meses e vivem juntos em Pequeri. Fam�lia teme que eles sejam v�timas de agress�es (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)

Pequeri e Rodeiro – As pessoas baixam a voz, conversam aos cochichos, sorriem com constrangimento, deboche ou mal�cia. Discretamente, com a cabe�a ou o olhar, apontam algu�m que passa e dizem: ''Aquele �'' — assim mesmo, deixando o verbo no ar, como se a palavra ausente fosse palavr�o, crime, pecado. A homossexualidade costuma ser um assunto inc�modo em Pequeri e Rodeiro, duas pequenas cidades mineiras que, inesperadamente, surgiram no topo do ranking nacional das que t�m maior propor��o de casais homossexuais vivendo sob o mesmo teto.

Segundo dados do Censo 2010 do IBGE divulgados na semana passada, Pequeri e Rodeiro, situadas na Zona da Mata mineira, s�o a quarta e a quinta colocadas no Brasil, respectivamente, em percentual de uni�es homoafetivas. Em Minas, os dois munic�pios s� perdem para Tiradentes (0,14%), terceiro no pa�s, atr�s de �guas de S�o Pedro (0,18%) e S�o Jo�o de Iracema (0,17%), ambos em S�o Paulo. A 312 quil�metros de Belo Horizonte, Pequeri apresenta 0,13% de casais em rela��o � popula��o total de 3.165 pessoas. J� Rodeiro, a 262 quil�metros da capital, abriga 0,12% de casais em 6.867 habitantes.

Os n�meros do IBGE sugerem que a quantidade de enlaces seja quase insignificante: dois em Pequeri e quatro em Rodeiro. Por�m, h� quem garanta que h� mais. Na primeira cidade, os moradores parecem ser un�nimes em reconhecer a exist�ncia de apenas um par homossexual “assumido”. “Sei de outros casais, uns seis, mas � um pessoal dentro do arm�rio. S� o J�lio assume”, diz Elis�ngela Carvalho, de 31 anos, que trabalha expedindo vendas em uma f�brica de confec��o de pe�as �ntimas. J�lio C�sar Freitas, de 20, � repositor de mercadorias nas prateleiras de um supermercado do Centro. H� um ano e tr�s meses, ele namora Tiago Xavier, tamb�m de 20, costureiro na mesma f�brica de Elis�ngela.

J�lio nasceu em Tr�s Rios (RJ) e h� 11 anos se mudou com os pais para Pequeri. Na casa simples onde moram, em um bairro de periferia, acolheram Tiago pouco depois do in�cio do namoro. No munic�pio vizinho de Mar de Espanha, Tiago deixou a fam�lia, que frequenta uma igreja evang�lica e n�o aceita o relacionamento do jovem, bem aceito em seu novo endere�o. Caseiro de uma fazenda da regi�o, o pai de J�lio, Sebasti�o, � de poucas palavras e, t�mido, responde que concorda com o que a esposa disser. A dona de casa Maria Cristina de Freitas, de 41, ficou apreensiva quando os dois apaixonados passaram a andar por a� de m�os dadas: “Deu um pouco de medo, mas, gra�as a Deus, nunca fizeram nada com eles”.

Os rapazes nunca foram agredidos fisicamente, mas j� ouviram muitas provoca��es e ofensas. “Foi aquele choque. As pessoas olhavam torto, riam. Falavam que a gente tinha que apanhar para tomar vergonha na cara. A humanidade � um pouco cruel”, constata J�lio. Agora, “eles aceitam mais, mas ainda olham como se f�ssemos ETs”, sorri Tiago. Os dois j� usam alian�as. Na tarde de quinta-feira, o casal fez um de seus habituais passeios pela principal ponto de encontro de Pequeri, a Pra�a Prefeito Geraldo Fulco, no Centro. J�lio espetou os cabelos com gel. A camisa branca expunha os pelos raspados do peito de Tiago, que tem aparelho nos dentes, piercings nas orelhas e na l�ngua.

PIADAS NA PRA�A

Os dois caminharam de m�os dadas. Um grupo de homens interrompeu o jogo de baralho para olhar e fazer piadas em voz baixa. O casal se sentou em um banco e algumas crian�as se espantaram. “Olha l�, parecem namorados”, disse uma garota, sentada sobre sua bicicleta. Um senhor de 50 anos, que n�o quis se identificar, disse que viu dois homens se beijarem pela primeira vez quando as bocas de J�lio e Tiago se uniram bem ali, na pra�a. “J� ouvi dizerem que os dois mereciam uma co�a. O pessoal n�o gosta”, disse Elis�ngela, a funcion�ria da f�brica de pe�as �ntimas. Ela e a auxiliar de servi�os gerais Lucimere de Andrade, de 38, se preocupam com o que as crian�as v�o pensar. “E se meus filhos tiverem curiosidade, quiserem experimentar? Seria melhor se eles (J�lio e Tiago) fossem mais reservados”, sugere Lucimere.

Franciane Ruphino, de 27, n�o � nada “reservada”. No dizer dos moradores de Pequeri, ela � a �nica mulher homossexual que n�o se esconde. Um olhar apressado pode fazer crer que Fran, como � conhecida, � um garoto. Gosta de andar de bicicleta, bon� para tr�s, camisas folgadas e bermuda abaixo do joelho. O corte do cabelo — raspado nos lados, curto na frente e longo na nuca — � “igual Drogba”, diz ela, referindo-se ao jogador de futebol, seu esporte predileto.

Fran mora com a m�e, o padrasto e tr�s irm�os. Vive fazendo bicos como jardineira. Dos 15 para os 16 anos, descobriu o gosto pelo mesmo sexo ao se apaixonar por uma amiga. “Quando percebi, sofri pra caramba, achei que era errado. Minha m�e ficou bolada”, recorda. “N�o me importo com a opini�o dos outros. Sou meio amolada. Quando assumi, impus respeito. Sempre respeitei minhas amigas, as namoradas dos meus amigos.” Ela reclama que, em Pequeri, alguns relacionamentos n�o deram certo porque a outra tinha medo de se expor. “J� fiquei com mulheres que ningu�m nem sonha. Aqui, os casais s�o reservados, n�o demonstram, embora todo mundo saiba, n�, cara?”

Sem levantar bandeiras

Se a vida de casais homossexuais n�o � f�cil em Pequeri, em Rodeiro n�o � menos complicada. Tamb�m l�, quase todo mundo baixa o tom de voz ao falar sobre o assunto. A pintora de m�veis Maril�ia Carneiro, de 37, n�o se surpreende ao saber dos dados do Censo 2010 do IBGE. “Ih, aqui tem muito. � homem com homem, mulher com mulher”, observa, com um sorriso malicioso. A dona de casa Elisabete Rafaela da Silva, de 36, confirma, mas ressalta: “Os casais n�o aparentam muito, s�o reservados. As pessoas aqui recriminam muito”.

F�bio Paiva, de 26, � decorador do sal�o de festas mais requisitado da cidade, pertencente a Felipe de Abreu, de 32. Os dois moram juntos h� dois anos, em casamento informal. No escrit�rio da empresa, um mural exibe fotos do casal sorridente, em festas finas, usando trajes elegantes. F�bio diz que, pouco depois de perder a vergonha de ser homossexual, sofreu “um pouco de rejei��o” de sua fam�lia. “S� fui aceito quando mostrei que sou uma pessoa de bem”, lembra. O casal nunca sofreu preconceito dos moradores de Rodeiro, segundo conta. “Somos muito respeitados. A gente � t�o normal, n�o faz nada de diferente. Nunca fui em parada gay, n�o levanto bandeira”, explica.

Todo mundo na cidade conhece Jos� Duarte de Faria, de 51. Cinderela — � assim que o chamam. “Foram os meninos que botaram esse apelido”, sorri, mostrando os dentes e cobrindo os olhos delicadamente, com as pontas dos dedos de unhas longas. Gari da prefeitura, Jos� sai recolhendo garrafas pl�sticas, latas de alum�nio e outros materiais recicl�veis. Tudo fica espalhado pelo quintal, at� o rapaz do ferro-velho vir buscar. Dentro da casa min�scula, de tijolos nus, s�o outros os materiais espalhados sobre um arm�rio: esmaltes, perfumes, batom, cremes hidratantes, colares, brincos, pulseiras. Em um guarda-roupa ficam guardadas saias, vestidos, perucas.

Quando vai a bailes e festas, “saio de mulher, vou pintada”, diz Jos�. Ele faz chapinha no cabelo crespo, preso na nuca com grampos, e diz que os moradores da cidade o respeitam. “Ningu�m me xinga”, afirma. Por�m, o decorador F�bio diz que “Jos� Cinderela” paga por n�o ser sua “excentricidade”. “Tadinho. Ele sofre muito preconceito. Ouvi falar que, outro dia, levou uma co�a na rua”, relata F�bio, e conclui: “� que ele anda de shortinho na rua, usa peruca. Isso incentiva o pessoal a mexer com ele. O povo tem uma cabe�a muito complicada. Quanto mais voc� se resguardar, melhor”.


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