
No corredor que d� para a sala de aula de medicina, os alunos de direito distribuem mensagens em papel picado. Tarefa de filosofia c�mpus adentro. O recado diz: “N�o � tanto o que fazemos, mas o motivo pelo qual fazemos que determina a bondade ou a mal�cia”. Quem assina � Santo Agostinho. Lhaiza Emanuele Marques de Souza, de 19, e Laura Alvares Marton Rangel, de 23, recebem seus bilhetes de letra mi�da. Mostram-se tocadas. As duas s�o estudantes do primeiro ano de medicina. Raras, t�o cedo j� est�o decididas pela pediatria. Sabem bem das agruras da especialidade – m� remunera��o, carga hor�ria de trabalho sem igual e hospitais de portas fechadas para a voca��o. Em Minas, nos �ltimos 10 anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o n�mero de candidatos � titula��o pedi�trica caiu mais de 50%. Lhaiza e Laura, idealistas, querem ajudar a aumentar o n�mero de profissionais no estado. Hoje, h� um pediatra para cada 2.720 crian�as em todo o estado.
Laura e Lhaiza entendem que est�o em quest�o outros valores al�m de sal�rios e benef�cios com a carreira. “Quando entrei para o curso n�o pensava em pediatria. L� fora, h� uma avers�o � especialidade. Como se voc�, pediatra, deixasse de ter vida pr�pria para cuidar do filho dos outros”, conta Laura. A estudante diz que na universidade passou a ter outra vis�o da especialidade. Diz-se tocada pela paix�o dos professores, pediatras bem-sucedidos, que ensinam uma profiss�o “muito al�m do dinheiro”. Lhaiza, vinda de Ubaporanga, no Vale do Rio Doce, est� igualmente feliz com o curso. Especialmente depois de vencer quase 100 candidados pela vaga na primeira turma da PUC Minas. Acaba de assistir ao primeiro parto no Hospital Regional de Betim, na Grande BH. “Acompanhei o exame cl�nico do beb�. A gente n�o pode visar s� o financeiro. � preciso acreditar que voc� pode fazer a diferen�a”, emociona-se. No bolso de Lhaiza, o papel recebido das m�os do estudante de direito: “O dinheiro � a ess�ncia alienada do trabalho e da exist�ncia do homem; a ess�ncia domina-o e ele adora”. Um tal Karl Marx.
Daniela de C�ssia Sampaio Miranda, de 19, mora na Regi�o da Pampulha. At� o c�mpus da medicina, na regi�o metropolitana, s�o cerca de 4 horas di�rias – somadas ida e volta – pelo sonho de formar-se pediatra. Com outras 8 horas em sala de aula, o resto � para mais estudo, alimenta��o, sono e, quando � poss�vel, um pouco de lazer. A estudante, sorrindo, comenta que, pela boa forma��o, ser�o mais pelo menos oito anos assim. Tanto esfor�o e dedica��o pelo prop�sito de “ajudar as crian�as”. “Sinto que posso ser mais �til para a sociedade como pediatra”, diz. A op��o pela especialidade, segundo Daniela, foi tamb�m influ�ncia do bom atendimento recebido, guardado na mem�ria. “Minha pediatra, doutora V�nia, sempre foi muito boa comigo. Gostava demais de ser atendida por ela”, relembra. Outro que venceu 97 candidatos pela vaga de medicina, j� pensando em pediatria, foi Jhonson Tizzo Godoy, de 20, vindo de Uberl�ndia, no Tri�ngulo Mineiro. Foram 15 vestibulares e uma inicia��o em biotecnologia. Para o estudante, que quer cuidar de crian�as com c�ncer, a falta de pediatras � uma motiva��o a mais. “A medicina j� � um sacerd�cio e a pediatria � ainda mais que isso”, considera.
Encanto do mestre Em sala de aula, o professor Eduardo Carlos Tavares, de 63, aposentado pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da PUC Minas. M�dico desde 1974, o pediatra n�o esconde o carinho pelos 59 alunos. Menos ainda o amor pela especialidade com a qual faz hist�ria e educou a fam�lia. “Quantro entrei para a medicina a �nica certeza que eu tinha era a de que n�o seria pediatra. No �ltimo ano, a pediatria, em tr�s meses, foi indiscutivelmente a melhor parte do curso. Encantei-me pelas crian�as e pelos meus professores”, diz. A profiss�o em baixa, segundo o veterano, se deve a dois fatores: “O primeiro, � o da especializa��o, como j� acorreu com a cl�nica m�dica, quando os m�dicos buscaram outras �reas de atua��o em busca de novas oportunidades”. O segundo, diz o professor, �, de fato, a remunera��o. “N�o h�, na pediatria, valor agregado com exames, como ocorre com o oftamologista e com o cardiologista, por exemplo”, explica. Al�m disso, o doutor professor avalia que os conv�nios, como est�o, contribuem ainda mais para a baixa remunera��o do pediatra.
O retrato da voca��o

M�e do Matheus, de 2, e do Jo�o Pedro, de 4, Juliana conta que se decidiu pela neonatologia quando – logo no in�cio da carreira – viu morrer um rec�m-nascido com 7 dias, tomado por infec��o. “� paix�o. Quem escolhe a pediatria n�o escolhe pela crian�a apenas, escolhe a fam�lia. Vejo com entusiasmo a estrutura familiar se formando”, sorri. A maior recompensa do pediatra, segundo Juliana, n�o � a remunera��o. “� a satisfa��o de ver as crian�as saud�veis, se desenvolvendo... � a alegria das m�es”. M�es como Karen Lopes dos Santos, de 20, h� 76 dias no hospital, de plant�o pela sa�de do filho Kaio, prematuro, nascido com 28 semanas e 1,1kg.
De olhos iluminados, Karen, de Belo Vale, a 82 quil�metros de Belo Horizonte, comemora a recupera��o de Kaio. Com o quadro agravado por pneumonia, o mocinho viveu dias dif�ceis no CTI. Saud�vel, com 40 semanas e 2,490kg, o beb� acaba de chegar � UCI e a jovem mam�e n�o v� a hora de ir para casa. Satisfa��o que a doutora Juliana n�o esconde ao ver a jovem m�e, feliz, embalar o rebento. Na UTI, bela e mi�da, Ana Cl�udia, nascida com 1,3kg e 31 semanas, espera a sorte do belo-valense Kaio.
SAIBA MAIS: sintomas diferentes
A especialidade pediatria surgiu em 1722, na Su��a. Th�odore Zwinger, m�dico, demonstrou que os sinais e sintomas das doen�as nas crian�as s�o diferentes dos que se observam nos adultos. Os m�dicos, ent�o, passaram a acentuar a necessidade de conhecer as peculiaridades das rea��es do organismo infantil. Com a introdu��o da metodologia cient�fica na produ��o de conhecimentos, a pediatria delimitou-se como ramo da medicina especializado no ser humano em crescimento e desenvolvimento.
TR�S PERGUINTAS PARA...
PAULO POGGIALI, Presidente da Sociedade Mineira de Pediatria
1) Por que os jovens m�dicos devem continuar optando pela pediatria?
Primeiro porque devem, no envolvimento que se deseja seja intenso com todas as mat�rias ministradas nas escolas de medicina, deixar acontecer a voca��o. Mas tamb�m porque praticar a pediatria, com toda a sua abrang�ncia e complexidade, com consequente exig�ncia na forma��o universit�ria e na especializa��o, mas com emo��o e o natural reconhecimento e respeito com que os pais e as pr�prias crian�as retribuem, permite ser verdadeiramente m�dico.
2) Como o senhor v� o futuro da pediatria?
Vejo com confian�a e tranquilidade. Sou muito otimista, porque percebo que a popula��o, em todas as faixas sociais, entende ser o pediatra o profissional realmente preparado para a aten��o � inf�ncia e adolesc�ncia. E os gestores de sa�de p�blica e suplementar percebem a press�o resultante deste entendimento.
3) A inseguran�a dos pais, que acaba exigindo muito do pediatra (atendimento a qualquer hora, telefones, e-mails...), ajuda a afugentar os profissionais da �rea?
N�o! O pediatra gosta do que faz, interage com grande satisfa��o com os pais de seus pacientes. O pediatra � o verdadeiro "m�dico da fam�lia". Interage com pais, av�s e crian�as com alegria e habitualmente com emo��o.