
A primeira impress�o � de surpresa. A segunda, de encantamento. De in�cio, os olhos custam a crer que um livro de 1731, feito � m�o, com capa de couro e molduras de metal, possa ser t�o grande –70cm x 40cm. Mas logo as p�ginas com iluminuras e hinos religiosos, escritos em latim sobre a escala musical, mostram que se est� diante de uma obra de arte que atravessa os s�culos e precisa ser bem preservada. Na estante da biblioteca de raridades jamais vistas pelo p�blico est�o mais sete volumes com a mesma tem�tica e dimens�o, alguns feitos de pele de cordeiro, embora sem data e origem. “Esse � um dos mist�rios da nossa igreja, saber de onde vieram e quando”, diz o titular da Par�quia de Nossa Senhora do Carmo, frei Evaldo Xavier Gomes. � frente da festa do cinquenten�rio de inaugura��o do maior templo cat�lico da capital, cujo ponto alto ser� em 15 de agosto e ter� concertos e outras atividades culturais, o frei lembra que a hist�ria da igreja, localizada entre os bairros Carmo e Sion, na Regi�o Centro-Sul, passa pela forte presen�a na comunidade, trabalhos sociais de vulto e participa��o permanente dos fi�is.
Se os livros raros chamam a aten��o – e precisam de restaura��o, pois est�o com as bordas das p�ginas cortadas, fitas adesivas coladas etc. –, mais ainda se destacam os vitrais da igreja, pertencente � Ordem Carmelita e com capacidade para acomodar 1,5 mil pessoas. No total, s�o 350 metros quadrados de vidros coloridos artisticamente trabalhados, de autoria da Casa Conrado, retratando cenas b�blicas e da ordem carmelita. Admirando os detalhes das pe�as, v�-se que o conjunto da nave e da sacristia demanda recupera��o urgente. “J� temos o or�amento e corremos atr�s de recursos”, conta o frei, que prefere n�o revelar o valor. Mas, para trazer de volta o som do carrilh�o com 39 sinos, considerado o segundo maior do pa�s – o primeiro � o da Catedral da S�, de S�o Paulo (SP), com 60 –, a par�quia vai lan�ar campanha para arrecadar dinheiro. “O nosso sonho � ver o carrilh�o funcionando, se poss�vel na celebra��o do cinquenten�rio de sagra��o da igreja”, anima-se frei Evaldo, que chegou � par�quia h� quase dois anos, depois de uma d�cada na It�lia, para substituir frei Cl�udio van Balen, hoje vig�rio auxiliar e p�roco por mais de quatro d�cadas.
Carrara
A Igreja de Nossa Senhora do Carmo deu nome ao bairro e tamb�m � avenida que passa em frente. O altar tem mesa de m�rmore de Carrara, pedra inteiri�a, com 3,3m de comprimento, 70cm de largura e 10cm de espessura, com quatro pilares imitando o perfil de um frade, mostra frei Evaldo: “Quase tudo que est� aqui dentro foi feito na cidade, das estalas ou bancos laterais do altar aos mosaicos, de autoria de A. Mucci. S� a imagem da padroeira foi esculpida no Rio Janeiro (RJ), por um artista portugu�s”. De t�o perfeita, a ac�stica do altar permite que uma pessoa no �ltimo banco possa ouvir o celebrante. “Temos uma �tima concha ac�stica, pois, na �poca da constru��o, ainda n�o havia microfone eletr�nico, observa.
Os mosaicos do altar, alguns folheados a ouro, reproduzem a imagem dos santos carmelitas “entrando na gl�ria celestial”. S�o eles, do lado esquerdo, Santa Terezinha do Menino Jesus, S�o Sim�o Stock, Santa Maria Madalena de Pazzi, Beato Mantovano, Santo Alberto da Sic�lia e S�o Pedro Tom�s; e, do direito, personagens do Antigo Testamento: Santo Elias, o profeta, com uma roda, simbolizando o seu carro de fogo que subiu aos c�us; e Santo Eliseu, o disc�pulo, a quem entregou o seu manto. No alto e laterais, h� anjos. “Esta igreja est� cheia de s�mbolos. Nas laterais dos bancos de madeira est�o os raios do carro de fogo. No altar est�o tr�s arcos representando a Sant�ssima Trindade”, diz o frei. De acordo com a Diretoria de Patrim�nio da Funda��o Municipal de Cultura, a igreja, j� com processo de tombamento municipal aberto, tem estilo ecl�tico pitoresco ou inspirado na arquitetura europeia. O projeto original saiu da prancheta do arquiteto Luiz Signorelli, tamb�m autor da planta do Grande Hotel de Arax�, no Alto Parana�ba.
Hist�ria come�a em 1930
Vindos de S�o Paulo e comandados pelo frei holand�s Atan�sio Maatman, os carmelitas chegaram a BH no fim da d�cada de 1930 para fundar uma igreja de grandes dimens�es. Na �poca, a regi�o, que muita gente chama hoje de Carmo-Sion, tinha o nome de Acaba Mundo, pois se imaginava que a cidade terminava ali. De in�cio, os frades ergueram um templo pequeno e provis�rio, de alvenaria, voltado para a Rua Gr�o Mogol. Mais tarde, quando Juscelino Kubitschek (1902-1976) era prefeito e come�ava a abrir a antiga rodovia BR-3 (atual BR-040), ligando BH ao Rio de Janeiro, frei Inoc�ncio Gerritsjans, ent�o dirigindo a ordem na capital, decidiu fazer a frente voltada para o trecho da estrada que se tornou a Avenida Nossa Senhora do Carmo. “Foi usado o mesmo projeto, por isso o piso � meio inclinado. Onde est� a entrada principal seria o altar, e vice-versa”, afirma frei Evaldo.
O projeto demorou mais de 20 anos para sair do papel. Para conseguir o dinheiro, frei Inoc�ncio circulava pela Cidade Jardim, considerado ent�o “o bairro das fam�lias ricas de BH”, e pedia ajuda. “Entrava nas festas, ao final tocava piano e depois ganhava ades�o”, diz o frei. Era comum ainda ver outros religiosos pelas ruas, batendo de porta em porta atr�s dos recursos necess�rios para a obra. De mem�ria prodigiosa, o engenheiro e arquiteto Ildeu de Oliveira Aguiar, de 87 anos, se lembra bem daqueles tempos. Ele foi o respons�vel t�cnico e executor da obra e at� se mudou para a Rua Passatempo, onde mora at� hoje, para acompanhar melhor o servi�o de constru��o da igreja e de um convento. “Foram tr�s etapas, come�ando pela igreja, depois pela ala da Avenida Nossa Senhora do Carmo e depois a parte da Gr�o Mogol.”
Para quem vai �s missas e outras celebra��es, a melhor defini��o para a Igreja do Carmo � casa de Deus. “Ela tem uma arquitetura bonita, � bem frequentada, tem participa��o grande da comunidade, realmente um lugar acolhedor”, avalia a t�cnica em assuntos educacionais Maria Iara Alkimin, moradora do Bairro Cruzeiro e que se casou nesse templo em 1974. Para a gerente de loja Luiza Dutra, de 28, residente no Bairro Sion, a igreja � um “convite � ora��o”. Ela fez a primeira comunh�o e vai se casar no templo este ano, com missa. “Admiro principalmente os vitrais. Maravilhosos!” Os mais novos est�o presentes, a exemplo de Arthur Pereira de Mattos Paix�o Neto, de 19, morador do Bairro Serra, na Regi�o Centro-Sul, e estudante de rela��es internacionais na PUC Minas: “Fa�o parte do grupo de jovens Eliseu, e comparecer �s missas, aos domingos, � muito bom”.
Sino doado por JK

» A Par�quia do Carmo tem quatro bibliotecas: uma aberta ao p�blico, uma espec�fica para crian�as, a de obras raras e uma de livros teol�gicos. H� tamb�m uma mapoteca para consulta.
» Os oito livros de hinos religiosos, do s�culo 18, cont�m as iluminuras, ou ilustra��es coloridas. Quem j� assistiu ao filme O nome da rosa vai se lembrar dos monges medievais, os copistas, na biblioteca do mosteiro fazendo esse tipo de trabalho.
» Nos livros de iluminuras h� ilustra��es de todo tipo. Impressiona a beleza das letras, algumas desenhadas sobre paisagens detalhadas ou com “chinesices”, que s�o motivos orientais.
» Na d�cada de 1980, todo o acervo da ordem carmelita no pa�s foi transferido para BH, da� o grande n�mero de livros nas bibliotecas.
» Carmo, em hebraico, significa jardim. Dessa forma, Nossa Senhora do Carmo � tamb�m Nossa Senhora do Jardim. A Ordem Carmelita surgiu em 1606 no Monte Carmelo, na Terra Santa (Israel).
Trabalho abnegado
A Igreja do Carmo, com 5 mil metros de �rea constru�da, desenvolve diversas obras sociais. O ambulat�rio atende cerca de 35 mil pessoas por ano. “Mantemos conv�nio com quatro universidades e dois hospitais, temos farm�cia, salas para fisioterapia e acupuntura, antroposofia, homeopatia e gabinete odontol�gico. As taxas s�o simb�licas”, diz frei Evaldo. H� curso de alfabetiza��o de adultos, ludoterapia (jogos) para crian�as; centro de atendimento ao menor adolescente; assist�ncia jur�dica; escola profissionalizante e creches. A igreja tem 50 funcion�rios e vive de doa��es.