Gustavo Werneck
Enviado especial

Baependi – No dia seguinte � cerim�nia de beatifica��o de Francisca de Paula de Jesus, a Nh� Chica (1810-1895), a imagem da primeira negra do pa�s a receber esse reconhecimento da Santa S� foi aben�oada em missa campal, ganhou a honra dos altares e saiu pela primeira vez em prociss�o pelas ruas da cidade do Sul de Minas, onde viveu mais de sete d�cadas. Ela tamb�m foi destacada pelo papa Francisco, que disse estar unido a todos os fi�is brasileiros na beatifica��o, durante missa no Vaticano. �s 18h20 de ontem, sob repicar de sinos e aplausos, uma multid�o balan�ando len�os brancos acompanhou o cortejo luminoso, que saiu da Matriz de Santa Maria em dire��o � Igreja de Nossa Senhora da Concei��o, conhecida popularmente como Santu�rio de Nh� Chica, num trajeto que deixou comovidos moradores e visitantes que ficaram para o �ltimo dia das celebra��es.
O movimento ontem permaneceu intenso, com muitas visitas ao memorial de Nh� Chica, que fica no santu�rio, � casinha em que ela viveu, ao lado, e � imagem de cedro, com 1m de altura e de p�, exposta na matriz. Em todos os cantos, o assunto � um s�: a beleza da cerim�nia de s�bado, a emo��o e o respeito dos 40 mil cat�licos que, sob o forte sol da tarde, assistiram, das 15h �s 17h30, � missa solene presidida pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da Congrega��o da Causa dos Santos e representante do papa Francisco. O cardeal proferiu o rito, lendo a carta apost�lica, que tornou oficialmente beata a leiga mineira nascida no distrito de Santo Ant�nio do Rio das Mortes Pequeno, em S�o Jo�o del-Rei, na Regi�o do Campos das Vertentes. Esta foi a primeira cerim�nia de beatifica��o no pontificado do novo chefe da Igreja Cat�lica.
SOL
�s 10h de ontem, cerca de 3 mil pessoas participaram da missa campal, no espa�o G.A. Pedras, o mesmo onde ocorreu a beatifica��o, celebrada pelo bispo da diocese de Campanha, dom frei Diamantino Prata de Carvalho. Sob o c�u azul e sol forte, ele comparou: “� o sol da santidade de Deus”. A imagem de Nh� Chica estava no altar e foi aben�oada, sob aplausos dos fi�is, muitos protegidos por guarda-chuvas ou moitas de bambus. A escultura feita por Osni Paiva, com policromia a cargo do restaurador Carlos Magno de Ara�jo, ambos de S�o Jo�o del-Rei, difere da figura tradicional conhecida de Nh� Chica – uma idosa, sentada, com um guarda-chuva nas m�os e semblante fechado. Agora, ela est� de p�, de bra�os abertos, segurando um ter�o e t�nica cor-de-rosa, com uma aur�ola dourada na cabe�a. A beatifica��o s� foi poss�vel gra�as ao reconhecimento do milagre, pelo Vaticano, da cura da professora Ana L�cia Meirelles Leite, de 68, que sofria de grave problema card�aco cong�nito.
Ao fim da missa, os devotos fizeram fila para beijar a imagem da bem-aventura Nh� Chica ou beata Nh� Chica, como passou a ser chamada. O primeiro da fila foi Maur�lio Junqueira, de 55, mineiro residente em Jacare� (SP). “Foi coincid�ncia, pois, estava na frente, perto do altar, aproveitando uma sombra. Fiquei feliz, pois sou sobrinho do padre Geraldo Junqueira, j� falecido, que lutou muito pela beatifica��o”, afirmou Maur�lio. “Ela est� mais bonita, gostei da imagem”, disse Terezinha Mancilha, de 76, ao lado do marido, Luiz Magno, de 77, casados h� 59 anos e residentes em S�o Louren�o, Sul de Minas. “J� conseguimos muitas gra�as e viemos agradecer. Eu me curei de um problema de est�mago pedindo a intercess�o de Nh� Chica”, disse Luiz Magno. Comovido, o lavrador Pedro Junqueira dos Santos, de 62, tirou o chap�u em sinal de respeito e agradeceu a cura de um filho que “quase morreu” devido a um aneurisma.
Vindo de Arantina, Zona da Mata, o casal Bruno de Souza, comerciante, e Fernanda Aparecida da Silva fez quest�o de levar a filha, Ana Clara, de 9, para beijar a imagem. “Tive um problema s�rio de c�lica de rins e vim aqui ao santu�rio pedir ajuda. Hoje estou bem”, contou Bruno, de 31. Residente em Virg�nia, a balconista Vera L�cia dos Santos contou que teve uma gravidez complicada e “deu tudo certo, minha filha est� com 8 anos”. Tempos depois, o vizinho Marcos Andr�, de 5, quase perdeu o ded�o do p�, num acidente de bicicleta. “Felizmente, ficou bom”, revelou com alegria, ao lado do menino.
De conselheira a bem-aventurada
A partir de hoje, os devotos podem chamar a mineira do Campo das Vertentes de bem-aventurada Nh� Chica ou Beata Nh� Chica. Mas at� atingir este ponto, h� uma trajet�ria de f�, humildade e amor ao pr�ximo. Francisca de Paula de Jesus era bem menina quando chegou a Baependi na companhia da m�e Isabel, uma ex- escrava, e do irm�o Teot�nio. Com eles, poucos pertences e a imagem de Nossa Senhora da Concei��o. N�o demorou muito e Francisca, ent�o com 10 anos, ficou �rf�, contando apenas com o irm�o, de 12. Antes de partir, a m�e deixara os filhos aos cuidados e sob prote��o de Nossa Senhora, a quem a menina chamava de “minha sinh�” e n�o fazia nada sem consult�-la.
Nh� Chica cuidou da heran�a espiritual que recebera da m�e. Nunca se casou e rejeitou todas as propostas de matrim�nio que lhe apareceram, dedicando-se de corpo e alma a Deus. O seu objetivo era atender, sem discrimina��o, a quem a procurava, dando-se bem com os pobres, ricos e mais necessitados. Nos l�bios, tinha sempre uma palavra de conforto. Desde muito jovem, era procurada para dar conselhos, fazer ora��es e dar sugest�es para pessoas que lidavam com neg�cios. Contam que muitas pessoas n�o tomavam decis�es antes de consult�-la e, para quem a considerava santa, respondia com tranquilidade: “� porque rezo com f�”.
A fama de santidade se espalhou de tal modo que pessoas de muito longe come�aram a visitar Baependi para conhec�-la, conversar com ela, falar de suas dores e necessidades e, sobretudo, pedir ora��es. A todos, atendia com a mesma paci�ncia e dedica��o, mas nas sextas-feiras n�o atendia a ningu�m. Era o dia em que lavava as pr�prias roupas e se dedicava mais � ora��o e � penit�ncia, alegando que sexta-feira � quando se recorda “a Paix�o e a Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo para a salva��o de todos”. �s 15h, intensificava as ora��es e mantinha uma particular venera��o � Virgem da Concei��o, com a qual tratava familiarmente como a uma amiga.
Ao lado de sua casa, construiu a capelinha onde venerava uma pequena imagem de Nossa Senhora da Concei��o, que pertencera � m�e. Nh� Chica morreu em 14 de junho de 1895, com 87 anos, mas foi sepultada somente no dia 18, no interior da capela por ela constru�da. As pessoas que ali estiveram sentiram exalar de seu corpo um misterioso perfume de rosas durante os quatro dias do vel�rio.
Escultura viva
Na tarde de ontem, na porta do santu�rio, chamava aten��o, perto do monumento a Nh� Chica, o artista de rua Claudinei Silva Nascimento, de 41, de Aparecida (SP). Vestido com um traje marrom e coberto de argila, ele cumprimentava quem chegava perto, beijando a m�o, e distribu�a pedrinhas coloridas “para dar sorte”. Em Aparecida, ele se transforma em Santo Frei Galv�o. “Achei bonita a homenagem”, comentou a secret�ria Elaine Gomes, de Caxambu, ao lado da filha Andressa. Pr�ximo dali, outro artista encarnava frei Dami�o.
F� e meio ambiente
Para neutralizar o carbono expelido pelos ve�culos que chegaram a Baependi durante o evento religioso, a Amanh�gua – Organiza��o para o bem da �gua, da natureza e da vida vai plantar 2 mil mudas de �rvores nativas da mata atl�ntica, informou a presidente da organiza��o da sociedade civil de interesse p�blico (Oscip), M�nica Buono. O plantio ser� feito a partir de outubro, na nascente M�e D’�gua, em Baependi, na Bacia do Rio Verde com ades�o ao projeto de pessoas
f�sicas e jur�dicas.

Padre Eust�quio pioneiro
Os mineiros j� assistiram a uma cerim�nia de beatifica��o. A pioneira ocorreu em Belo Horizonte, na tarde de 15 de junho de 2006, no est�dio do Mineir�o. Milhares de pessoas participaram da cerim�nia, presidida pelo cardeal dom Jos� Saraiva Martins, representante do papa Bento XVI, que tornou beato o holand�s padre Eust�quio (1890-1943). Por intercess�o de padre Eust�quio, que trabalhou em cidades do Tri�ngulo Mineiro, Belo Horizonte e S�o Paulo, o padre aposentado Gon�alo Bel�m Rocha (1923-2007), j� falecido, foi curado de c�ncer na garganta, em 1962. O processo de beatifica��o durou mais de 50 anos.