
Uma pedra no caminho interrompeu de vez o sonho de uma vida no esporte. Aos 12 anos, Jenifer Patr�cia Abreu Rodrigues praticava tudo: futsal, nata��o e academia eram suas atividades preferidas. Mas o dia a dia cheio de atividades da futura atleta de Bom Despacho, no Centro-Oeste de Minas Gerais, deu lugar a meses de interna��o em hospitais e v�rias sess�es de quimioterapia. O tratamento come�ou tarde, quando o tumor �sseo em seu joelho j� atingia 18cm. Tudo come�ou quando a jovem sentiu uma forte fincada na perna. “Apareceu um incha�o no joelho e fui ao cl�nico, para quem era dor de crescimento”, lembra. Cinco meses depois, o inc�modo persistia, mas um m�dico generalista disse que os sintomas eram normais da idade. Mas quando passou mal na escola, um terceiro cl�nico pediu uma radiografia e a encaminhou para um ortopedista, que detectou o tumor maligno. Foram longos 12 meses e a demora ajudou o c�ncer a se proliferar e aparecer em outras partes do corpo da adolescente, hoje com 15 anos.
A possibilidade de extinguir o tumor � em torno de 70% em crian�as. No entanto, o n�mero de curas no estado est� abaixo do �ndice devido a essa demora. O diagn�stico tardio � um dos principais empecilhos para um tratamento eficaz e mais chances de sobreviv�ncia da crian�a. A descoberta da doen�a pode levar at� oito anos, segundo um levantamento feito pelo Observat�rio da Sa�de da Crian�a e do Adolescente (Observaped), do Departamento de Pediatria Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nos pa�ses desenvolvidos, especialistas levam em m�dia dois meses para detectar o c�ncer infantil. O estudo analisou prontu�rios de 488 pacientes atendidos no Hospital das Cl�nicas, um dos tr�s centros de refer�ncia em c�ncer infantil da capital – os outros s�o o Hospital da Baleia e a Santa Casa –, entre 2004 e 2012. Desses, 364 (74,5%) foram diagnosticados com tumores. O per�odo entre o aparecimento dos sintomas e o in�cio do tratamento chegou a at� oito anos. A m�dia de tempo do diagn�stico foi de quatro meses, o que j� � considerado uma dificuldade para cura do paciente.
“O m[edico me disse que se eu tivesse tido um diagn�stico precoce, eu poderia ter sido um tumor benigno. Os que me atenderam antes n�o entenderam o que eu tinha”, conta Jenifer, que teve que largar os estudos e passou meses internada devido a complica��es da quimioterapia. Recentemente, o c�ncer apareceu nos ossos de um ombro. Ela faz tratamento no Hospital das Cl�nicas, onde trabalha a oncologista pedi�trica e professora da UFMG Karla Em�lia de S� Rodrigues, que conduziu a pesquisa. Segundo ela, a demora � consequ�ncia de diversos fatores. O principal empecilho � a raridade de c�ncer em crian�as e adolescentes. Como a maioria das queixas iniciais � comum em outras doen�as, o m�dico n�o cogita a possibilidade de um tumor rapidamente. Febre, dor de cabe�a, dor abdominal e aumento de g�nglios podem estar relacionados at� mesmo a viroses. “N�o � a primeira hip�tese que um m�dico levanta. Grande parte das doen�as virais tem essas manifesta��es tamb�m”, diz Karla.
Um pediatra ou generalista diagnostica um tumor a cada sete anos em sua carreira. Com isso, h� um atraso no encaminhamento de pacientes a centros de refer�ncia. “No interior � mais complicado ainda porque esperamos um ano para conseguir uma consulta. Ainda bem que Deus p�s um anjo para diagnosticar minha filha. Muitos perdem a vida por falta de um m�dico bom”, desabafa a diarista Elic�ssia Martins Abreu, de 33 anos. O Conselho Regional de Medicina (CRM-MG) confirma a falta de experi�ncia dos m�dicos n�o especializados em oncologia. O presidente da entidade, Itagiba de Castro Filho, que � pediatra, diz que h� dificuldade em distinguir os sintomas. “� poss�vel que o m�dico deixe de fazer o diagn�stico por uma incapacidade t�cnica”, diz.
Tratamento
O governo federal determina que o tratamento do c�ncer infantil comece at� dois meses depois do diagn�stico. A doen�a, no entanto, � diferente da que aparece em adultos, com preval�ncia de leucemia e tumores cerebrais e �sseos. A origem de c�ncer em crian�as, segundo o coordenador da Oncologia Pedi�trica do Hospital da Baleia e coordenador interino do Hospital das Cl�nicas, Eduardo ribeiro Lima, tamb�m � diferenciada. “O tratamento geralmente � mais intenso porque eles toleram melhor. Proporcionalmente, usamos doses maiores”, afirma. Ele explica que o caso de oito anos de atraso no diagn�stico � um extremo, mas � percept�vel o papel do paciente e do m�dico no atraso do diagn�stico na aten��o b�sica. “Eles chegam aos centros de refer�ncia tardiamente, muitas vezes com met�stase, o que diminui a chance de cura.”