Daniel Camargos
Enviado especial

Congonhas – Os quatro mil moradores do Bairro Pires, em Congonhas, convivem com o mesmo problema de uma das maiores cidades – entre as mais polu�das – do mundo, Xangai, na China, que tem quase 15 milh�es de moradores. As duas t�m a mesma m�dia anual de emiss�o de material particulado (poeira): 81 microgramas por metro c�bico. A legisla��o brasileira considera 80 o limite, mas o promotor de Congonhas, Vin�cius Alc�ntra Galv�o, destaca que, para a Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS), o limite tolerado pela sa�de humana � 50. “Estou nas �ltimas tratativas com as empresas para instalar o sistema de monitoramento do ar que possa controlar a polui��o e punir os poluidores ”, avisa o promotor.
Na edi��o de ontem, o Estado de Minas mostrou o problema dos moradores do Pires com a travessia da BR-040 e de uma ferrovia que cortam o bairro. Mais de 50 pessoas j� morreram atropeladas nos �ltimos anos. Al�m disso, os moradores do Pires, bairro cercado por diversas atividades de minera��o, sofrem com a poeira. O promotor est� concluindo um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que ser� assinado com as empresas da regi�o, para criar uma rede de monitoramento do ar.
Enquanto o controle n�o � implementado, a popula��o sofre. A pequena Mary Anna, de 4 anos, precisa usar o nebulizador constantemente para combater crises respirat�rias. “Talvez ela tenha que usar bombinha (rem�dio para asma) para o resto da vida”, lamenta a m�e de Mary Anna, a agente de sa�de Patr�cia das Gra�as Gomes.
O drama da crian�a � ampliado devido � irresponsabilidade de alguns caminhoneiros que prestam servi�o para a Gerdau. Para evitar dirigir mais 32 quil�metros at� o trevo de Joaquim Murtinho, os motoristas fazem uma convers�o proibida usando um acostamento do Bairro Pires e, ao passar no outro lado da via levantam uma nuvem de poeira, que deixa a casa de Patr�cia e de seus vizinhos imunda, al�m de prejudicar ainda mais a sa�de de Mary Anna.
Avisada pela reportagem do EM, a Gerdau informou, via assessoria de imprensa, que vai refor�ar a fiscaliza��o no Bairro Pires “com o objetivo de garantir que empresas terceirizadas, contratadas para servi�os de log�stica, cumpram as normas estabelecidas pela Gerdau, como tamb�m cumpram a legisla��o de tr�nsito vigente”.
O problema, segundo Patr�cia, ocorre desde dezembro do ano passado, com os caminh�es seguindo para descarregar o min�rio no distrito de Miguel Burnier. O enfermeiro do posto de sa�de do bairro, Salmo David da Silva, relata que s�o corriqueiros os casos de inflama��o das vias a�reas. “H� ainda uma poeira que vem das lagoas de dejetos, que s�o cheias de metais pesados”, alerta o enfermeiro.
Indiferentes
O prefeito de Congonhas, Zelinho (PSDB), que foi secret�rio de Sa�de nas duas �ltimas administra��es, reconhece que a sa�de dos moradores � afetada pela poeira. “� l�gico que tem impacto. Tem mais casos de bronquite e asma do que em uma cidade com muita �rea verde. As doen�as respirat�rias s�o mais constantes, principalmente em crian�as”, afirma o prefeito.
S�o retirados, diariamente, somente das ruas do Centro de Congonhas, cerca de 7 toneladas de p� de min�rio, segundo o prefeito. A OMS estima que, em todo o mundo, pelo menos 2 milh�es de pessoas morrem a cada ano, devido � inala��o de part�culas finas em ambientes internos e externos. Na tarde de quarta-feira, quatro garotos, entre 12 e 15 anos, jogavam truco encostados na mureta da �nica passarela constru�da para a travessia da linha f�rrea. Um deles assistia e comentava o jogo, enquanto chupava uma mexerica. A poeira, t�o onipresente, parece n�o incomodar os meninos, apesar de escurecer o caldo da mexerica que escorria da m�o do garoto.
Outros dois chegam de bicicleta. Carregam um aparelho de MP3 port�til tocando em alto volume um arrocha (estilo de m�sica baiana). O rep�rter os instiga a dizer o que pensam do bairro. Um reclama da poeira, outro da falta de passarela na rodovia, o da mexerica lista o nome de conhecidos que morreram atropelados. Chega uma menina cantando uma letra de funk lasciva, debocha de um e se junta ao grupo. O jornalista questiona se querem se mudar dali e ir viver em outro lugar. “� tudo a mesma coisa”, responde o que embaralha as cartas. Todos concordam e param de prestar aten��o no rep�rter.

Maria Ant�nia Gomes, de 65 anos, a dona Mariquinha, vive no bairro h� 45 anos e diz que nunca viu a �gua t�o ruim. Ela mostra garrafas de �gua suja que guardou para o caso de algu�m n�o acreditar no que est� falando. “As empresas vieram e acabaram com a �gua”, reclama dona Mariquinha. O abastecimento do Pires � feito por duas minas, Boi na Brasa e Jo�o Batista. Em 2010, a CSN/Namisa – grupo de minera��o e siderurgia – assoreou as duas. Durante dois anos, depois da determina��o do Minist�rio P�blico, a empresa teve que abastecer as casas do bairro com caminh�o-pipa e gal�es de �gua mineral.
“H� s�bado em que encho o tanquinho para bater a roupa e, quando vou olhar, tenho que jogar a �gua toda fora, pois est� suja”, reclama dona Mariquinha. Desde o fim de 2012, o abastecimento alternativo foi encerrado. A CSN/Namisa fez um acordo e doou R$ 300 mil para a reforma do centro comunit�rio do bairro. “A obriga��o � a empresa retornar ao ponto anterior”, afirma o promotor Vin�cius Alc�ntra Galv�o.
COBRAN�A Por�m, a presidente da associa��o comunit�ria do bairro, Ivana Gomes, teme que a �gua passe a ser tratada e cobrada dos moradores pela Copasa. “O pessoal aqui n�o vai aceitar. A poeira � muito grande e todo mundo tem que lavar o passeio e as casas todos os dias”, explica Ivana. O temor da l�der comunit�ria tem fundamento, pois a Copasa informou, via assessoria de imprensa, que j� concluiu projeto para atendimento ao bairro e que “est� equacionando os recursos necess�rios para realiza��o da obra”. O prefeito de Congonhas, Zelinho (PSDB), tamb�m � a favor: “� inadmiss�vel ter �gua bruta”.
Eva Eug�nia Gon�alves, de 54, lavava com uma mangueira a frente de sua casa. “O maior problema daqui � a poeira. Se for preciso pagar �gua n�o vai dar para limpar”, lamenta Eva, que tem um trailer de hamb�rguer e diz ser imposs�vel manter o neg�cio sem deixar o ambiente limpo.
Concentra��o de part�culas totais em suspens�o
Local m�dia anual – (microgramas/m³)
Pires 81,3
Xangai (China) - 81
Surat (�ndia) - 81
Cochabamba (Bol�via) - 81
Congonhas (setor 1) - 68,3
Brasil (m�dia) - 41
Belo Vale - 39,6
Conselheiro Lafaiete - 39,3
Ouro Branco - 38,1
Congonhas (setor 9) - 50,4
Fontes: Ecosoft Consultoria Ambiental e Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS)
