H� 60 anos, que se completam em 24 de agosto, ele sa�a da vida para entrar para a hist�ria, conforme deixou expresso na carta-testamento dirigida ao povo brasileiro. De madrugada, disparando um tiro no cora��o, na intimidade de seu quarto no Pal�cio do Catete, no Rio de Janeiro, o ent�o presidente da Rep�blica, Get�lio Vargas (1882-1954), ga�cho de S�o Borja, virava com o pr�prio sangue uma p�gina e deixava em aberto novos cap�tulos que tiveram, sempre, a sombra de sua figura forte e marcante em mais de quatro d�cadas de trajet�ria pol�tica.
Em 2014, h� muito mais para se conhecer e pesquisar sobre a vida do chamado “pai dos pobres”, que esteve � frente da na��o de 1930 a 1945 –a partir de 1937 como ditador, no Estado Novo – e de 1951 a 1954, eleito pelo voto popular. Ouro Preto, na Regi�o Central, tem lugar de destaque na biografia de Vargas. Adolescente entre 15 e 16 anos, o ga�cho fez ali o curso preparat�rio ou de nivelamento para ingressar na Escola de Minas, institui��o espec�fica para cursos de engenharia e refer�ncia nacional em ensino naqueles primeiros tempos republicanos.
Como ocorre at� hoje, a antiga capital de Minas atra�a estudantes de todo o pa�s e eles moravam em casas com os conterr�neos, locais ainda n�o chamados de rep�blicas como depois ficaram conhecidas as moradias estudantis da cidade hist�rica. No caso de Get�lio e seus amigos, a comunidade tinha o nome de Vila dos Ga�chos. O professor Gilson Nunes, um dos coordenadores do Museu de Ci�ncia e T�cnica da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), informa que “naquela �poca havia apenas um livr�o com os dados dos alunos e a sua assinatura”. Dessa forma, n�o restou registro fotogr�fico do estudante que poderia ter se tornado engenheiro ou farmac�utico.
O certo mesmo � que a passagem do futuro presidente por Ouro Preto, entre 1897 e 1898 – menos de um ano –, ainda � pouco documentada, afirma Jefferson Queler, professor de hist�ria contempor�nea da Ufop. No segundo ano, um incidente mudou os planos dele e dos irm�os mais velhos, Prot�sio e Viriato, que j� estudavam na cidade havia mais tempo. Viriato, que estudava farm�cia e estava com 23 anos, foi acusado de matar, com dois tiros o jovem paulista Carlos de Almeida Prado, filho de Almeida Prado, um dos fundadores do Partido Republicano Paulista.
“A fam�lia de Carlos era das mais tradicionais de S�o Paulo”, diz a professora de hist�ria da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Cl�udia Viscardi. Conforme os registros da �poca, os ga�chos, armados, inclusive com facas, teriam partido para cima dos paulistas, ficando Viriato como principal suspeito pela morte do filho de Almeida Prado. “Embora Viriato tivesse ficado preso, ningu�m foi identificado como autor do crime nem processado”, detalha a professora.
RETIRADA Com a morte de Carlos de Almeida Prado, terminou a passagem mete�rica dos Vargas por Ouro Preto. T�o logo se desembara�aram da situa��o, eles bateram em retirada para o Rio Grande do Sul. O caso suscitou v�rias vers�es, diz o professor Jefferson. Para a filha de Get�lio, Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1914-1992), a briga teria origem na disputa por namorada. Para outros, no entanto, seria fruto de um conflito regional, uma rixa feita entre paulistas e ga�chos.
De todo jeito, a passagem por Ouro Preto mudou o destino de Get�lio que, em vez de engenheiro ou farmac�utico, se formou em direito em 1907, na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, hoje vinculada � Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na sequ�ncia, entrou na vida p�blica e se elegeu vereador. “Talvez se tivesse passado toda a juventude em Minas, Get�lio Vargas poderia ter tido um comportamento mais liberal, ao contr�rio da sua trajet�ria marcada pelo militarismo e positivismo”, diz a professora Cl�udia Viscardi.