Pedro Ferreira

Quando olha da varanda da sua casa, a paisagem � outra para o professor aposentado Manuel Ramos, de 86 anos. Onde antes era s� mato e havia uma nascente de �gua na Avenida Cristiano Machado com Rua Caputira, no Bairro Floresta, Regi�o Leste de Belo Horizonte, hoje tem um viaduto duplo – o Abgar Renault e o Pedro Nava –, de 420 metros de extens�o, por onde passam 125 mil ve�culos por dia. “Estou perdendo a audi��o por causa do barulho. � noite, vou para um quarto, vou para outro, mas n�o adianta. D� na mesma”, reclama o aposentado.
Assim como Manuel, milhares de belo-horizontinos convivem 24 horas por dia com o desconforto de ter um elevado de concreto ao lado das suas casas. Para alguns, o drama come�a antes mesmo da inaugura��o da obra e passa a ser um pesadelo di�rio, como a exemplo dos moradores dos edif�cios Antares e Savana, no Bairro S�o Jo�o Batista, na Pampulha. V�rias fam�lias tiveram que deixar seus apartamentos e est�o alojadas em hot�is, depois da queda de parte do Viaduto Batalha dos Guararapes na Avenida Pedro I , em 3 de julho, que matou duas pessoas e feriu 23. A outra al�a amea�a desabar e atingir os condom�nios.

Manuel Ramos diz ter saudade da �poca em que lavadeiras desciam do Bairro Conc�rdia, na Regi�o Nordeste, para lavar roupas na nascente nos fundos da sua casa, onde hoje � o viaduto, pr�ximo ao T�nel da Lagoinha. “Secavam as roupas na cerca de arame farpado”, recorda. Hoje, o aposentado conta que j� n�o consegue mais ficar na varanda por causa do barulho, da poeira e da falta de privacidade. “Estou na minha casa e n�o tenho mais liberdade nenhuma”, lamenta o professor. O viaduto, inaugurado em 2007, fica na mesma altura da sua varanda, distante menos de 10 metros. O aposentado construiu a casa entre 1968 e 1970, onde criou seus filhos. Apesar do transtorno, ele n�o pretende deixar o im�vel. “O progresso chega e o sossego vai embora.” Entretanto, um dos filhos n�o dorme mais em casa. Ele comprou um apartamento, fica com o pai durante o dia e passa as noites fora. Outro inc�modo � o p� de asfalto. “Tive que trocar as persianas”, reclama.
A aposentada Maria Em�lia Lima, de 66, � vizinha dos viadutos Murilo Rubi�o e Oswaldo Fran�a J�nior, na Crstiano Machado com Avenida Jos� C�ndido da Silveira, no Bairro Cidade Nova, Regi�o Nordeste. “O barulho dos carros � tanto que dormir � um problema. A gente sempre acorda de madrugada quando passa um carro com som alto, tocando funk”, reclama. Para ela, o barulho praticamente dobrou com a constru��o dos viadutos. “Se eu quiser sossego agora, vou ter que morar na ro�a”.

Sem intimidade
Quando comprou seu apartamento, h� 13 anos, na Rua da Bahia ao lado do Viaduto Santa Tereza, no Centro, a professora Maria da Penha Ribeiro de Oliveira, de 67, admite que j� sabia dos problemas que iria enfrentar. Um deles � ficar exposta �s pessoas que passam no viaduto e ficam olhando dentro do seu im�vel, no segundo andar do pr�dio. “A minha intimidade � invadida o tempo todo”, reclama a professora.
Se fosse apenas a falta de privacidade, seria menos mal. Maria da Penha � obrigada a manter as janelas trancadas o tempo todo tamb�m por causa do barulho e da poeira. “Limpo o apartamento todos os dias. N�o d� para abrir as janelas”. As cortinas tamb�m vivem fechadas. “As pessoas passam de �nibus olhando para dentro do meu quarto. Se vou trocar de blusa, tem que ser escondido”, disse.
A professora conta que tamb�m teve problemas com moradores de rua e usu�rios de drogas que viviam debaixo do viaduto. “Eles usavam drogas e apontavam facas para mim, me amea�ando. J� houve v�rias mortes entre eles, e isso me assustou muito”, conta a professora. A assistente social Sandra Pereira, de 55, � s�ndica no pr�dio e se sente incomodada com o barulho, mesmo morando no 17º andar. “Quando ocorre um acidente no viaduto, todo mundo acorda sobressaltado”, disse a s�ndica.
O barulho constante para quem mora perto de viaduto pode causar dist�rbio do sono e provocar alergias por causa da poeira, alerta o m�dico Breno Figueiredo Gomes, do Departamento de Cl�nica M�dica da Associa��o M�dica de Minas Gerais. “O dist�rbio do sono pode alterar a press�o arterial e a qualidade de vida dos moradores com irrita��es. Se a pessoa j� tem um problema pulmonar, pode piorar, desencadeado pela polui��o. Se a pessoa tem priva��o do sono e alergia, ela vai ter um grau de estresse ainda maior. A�, atrapalha tudo”, alerta o m�dico. A recomenda��o dele � sempre manter as janelas fechadas, instalar isolamento ac�stico e manter a casa limpa.
Com�rcio tamb�m sofre
Para comerciantes da Avenida Cristiano Machado, o viaduto � sin�nimo de preju�zo. Pelo menos cinco lojas est�o para alugar no quarteir�o entre a Avenida Silviano Brand�o e a Rua Pitangui, mas ningu�m se interessa em montar neg�cio no local, segundo eles. O aposentado Manuel Diz Ramos � dono de im�veis comerciais e conta que somente conseguiu alug�-los pela metade do pre�o, depois de dois anos fechados.
Warley Bonani Carvalho, de 49 anos, s�cio de uma loja el�trica desde 1974, conta que os clientes sumiram com os carros passando por cima do viaduto. “Muitas vezes, o motorista via a loja e parava para comprar alguma coisa. Agora, ficou tudo deserto aqui embaixo, o que tem atra�do ladr�es, moradores de rua e usu�rios de drogas. Os arrombamentos de lojas tamb�m aumentaram”, reclama.
De acordo com o vice-presidente da C�mara dos Dirigentes Lojistas (CDL), Marco Ant�nio Gaspar, as vendas no com�rcio ca�ram para mais da metade na Cristiano Machado com a constru��o do viaduto. “� uma realidade em qualquer lugar do mundo. Embaixo do Minhoc�o (elevado da capital paulista) virou submundo. A visibilidade da fachada da loja � muito importante, mas elas ficam encobertas pelos viadutos”, disse Gaspar.
Prioridades
Para a presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Rose Guedes, est�o dando mais prioridade para os carros do que para os moradores nas grandes cidades brasileiras. “N�o est�o ouvindo mais os t�cnicos respons�veis pelo planejamento da cidade. Tem que ter uma equipe multidisciplinar para projetar a cidade, mas que tenha a coordena��o de um arquiteto. Nos novos conceitos, quem est� fazendo isso n�o � o arquiteto, � a vontade pol�tica”, reclama. Para ela, � preciso qualificar o plano de mobilidade para diminuir o acesso ao carro. “� fundamental melhorar o transporte coletivo, permitir outros meios de transporte, como a bicicleta, em locais poss�veis, e dificultar o uso do carro na cidade”, disse. (PF)