
Os ru�dos de ar comprimido vinham do acionamento do freio do �nibus. Olhando para tr�s, o para-choque azul se agigantava, aproximando-se r�pido. A inten��o do motorista, contudo, n�o era parar o coletivo da linha 1502 (Vista Alegre/Guarani), mas afugentar a bicicleta da equipe do Estado de Minas, que, cumprindo a jornada dos extremos Sul ao Norte de BH, pedalava pela pista da direita da Avenida Amazonas, no Barro Preto, Regi�o Centro-Sul. N�o satisfeito em acossar a “magrela”, o condutor do �nibus manobrou com velocidade, passou a menos de 20 cent�metros da bicicleta, pela esquerda, e depois a fechou de forma gradual entrando � direita, obrigando o ciclista a subir no passeio para n�o ser atingido, na altura da Rua Timbiras. Essa manobra � uma amostra da animosidade que toma conta de condutores no tr�nsito da capital mineira, que se torna evidente para quem pedala cruzando a capital.
A atitude foi t�o agressiva que n�o seria exagero interpretar o uso desproporcional de um �nibus para tirar uma bicicleta da pista como uma tentativa de homic�dio. E n�o foi exce��o: manobras t�o perigosas quanto foram promovidas por carros, caminh�es e outros coletivos na Amazonas, muitas acompanhadas de palavr�es e amea�as. As buzinas, fechadas e agress�es verbais disparadas por motoristas durante a passagem de bike pela regi�o do Hipercentro de BH mostram que, para muitos, os ciclistas s�o ainda intrusos nas pistas. Por�m, o C�digo de Tr�nsito Brasileiro (CTB) prev� que eles podem circular nos bordos da direita de qualquer via que n�o for dotada de ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, desde que n�o se trate de rodovia ou via de tr�nsito r�pido (estrada que s� tem interse��es por viadutos, trincheiras e travessias por passarelas).
O condutor da linha 1502, que jogou a bicicleta para fora da pista, fez mais do que circular de forma inadequada para um motorista profissional. Cometeu infra��o de tr�nsito e poderia ser multado. Pelo artigo 170, “dirigir amea�ando os pedestres que estejam atravessando a via p�blica ou os demais ve�culos” � infra��o grav�ssima, com perda de sete pontos na Carteira Nacional de Habilita��o (CNH), multa de R$ 191,54, suspens�o do direito de dirigir, reten��o do ve�culo e recolhimento da CNH. As fechadas e outras manobras que encurtam bruscamente a dist�ncia entre ve�culos e ciclistas tamb�m est�o tipificadas no CTB, no artigo 201: “Deixar de guardar a dist�ncia lateral de 1,5 metro ao passar ou ultrapassar bicicleta” � infra��o considerada m�dia, com perda de quatro pontos na CNH e multa de R$ 85,13.
CENTRO DE RISCOS Da Avenida Afonso Pena ao Complexo da Lagoinha, no trajeto do Centro para o Norte da capital, as bicicletas mergulham em um tr�nsito ca�tico, que repetidas vezes ignora a sinaliza��o. S�o ve�culos e pedestres cruzando os mesmos espa�os das vias, homens de pastas nas m�os, mulheres com sacolas, estudantes com mochilas, vendedores ambulantes com seus carrinhos, religiosos pregando com B�blias. Cada cent�metro � disputado e as bicicletas ziguezagueiam entre corredores formados no entorno do obelisco da Pra�a 7, Cine Brasil e Rodovi�ria. Motoristas, sobretudo de t�xis e �nibus, reclamam dessas atitudes, mas a ultrapassagem � permitida pelo CTB, que considera infra��o grave, pelo artigo 211, apenas “ultrapassar ve�culos em fila, parados em raz�o de sinal luminoso, cancela, bloqueio vi�rio parcial ou qualquer outro obst�culo, com exce��o dos ve�culos n�o motorizados”.
Na Avenida Presidente Ant�nio Carlos n�o h� espa�o exclusivo para as bicicletas circularem. Por isso, s�o comuns as fechadas de carros, �nibus e motos. Mas isso n�o inibe os ciclistas que se arriscam at� nas pistas exclusivas do BRT/Move. O que se mostra muito perigoso, sobretudo porque os �nibus que transitam por l� desenvolvem altas velocidades e n�o preveem obst�culos � frente. No in�cio da avenida, o ciclista que para nos sem�foros fica apreensivo com o grande n�mero de consumidores de drogas abrigados pelos pilares, muretas e estruturas de viadutos. No trecho final, palmeiras marcam o caminho das pistas tomadas por universit�rios com destino � UFMG e as passagens para o aeroporto da Pampulha e o Mineir�o.
Passada a Lagoa da Pampulha, o ingresso na Avenida Dom Pedro I tem os mesmos percal�os, mas, por ser um percurso em declive, � superado rapidamente. J� a entrada na Avenida Cristiano Machado � muito perigosa, pois o ciclista precisa atravessar as quatro faixas para pegar a pista da esquerda, que faz retorno para a Linha Verde. Por sorte, mais adiante d� para circular pelo acostamento. Um alento, j� que o tr�fego de caminh�es e �nibus ganha velocidade naquele ponto e ocorre preferencialmente pela direita, que � tamb�m o caminho dos ciclistas.
Desafios at� o fim da linha
Na Linha Verde, �ltima via na travessia de Sul a Norte de BH, ciclistas inexperientes se sentem confusos pela falta de orienta��es. Usando os conceitos b�sicos, como seguir sempre no sentido do fluxo da via e usar as pistas locais em vez das expressas, a equipe de reportagem rodou por alguns quil�metros antes de perceber que havia uma ciclovia no sentido Centro. Mesmo pelos acostamentos da pista local, h� perigo. Como os acesso laterais para os bairros s�o muito largos, exigem tempo para que o ciclista posso transp�-los. Mesmo sinalizando a travessia com os bra�os, motoristas em alta velocidade precisam frear e desviar quase em cima dos ciclistas. Toda essa velocidade e o adensamento da regi�o contrastam com o ponto inicial da travessia, no Parque Estadual da Serra do Rola Mo�a, no extremo oposto de BH.
A vis�o da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves � um alento, depois de 42 quil�metros de jornada. No complexo, crian�as e adolescentes que moram por perto aproveitam para pedalar e conhecer mais dos edif�cios concebidos por Oscar Niemeyer. “A gente n�o se arrisca a ir muito longe, porque a rodovia � muito perigosa. Estamos de f�rias e gostamos de ver as lagoas e os jardins daqui”, disse o estudante Gabriel Rodrigues, de 16. “Quando temos aula, rodamos s� dentro do bairro. � nas f�rias que a gente consegue tempo para conhecer a cidade pedalando”, disse Jo�o Carlos da Silva, de 16.
