
Num misto de surpresa e encantamento, a visitante paulista Marly Anne Alves de Souza n�o se cansava de admirar, na manh� de ontem, o interior da Igreja de Nossa Senhora do �, joia barroca de Sabar�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. “� de grande beleza e ao mesmo tempo algo inesperado. Ouvi atentamente as explica��es da guia de turismo sobre a influ�ncia oriental no interior do templo”, afirmava a professora aposentada na sua primeira incurs�o pelo patrim�nio da cidade colonial.
A exemplo de Marly Anne, milhares de brasileiros e estrangeiros se maravilham com as chinesices presentes no arco-cruzeiro e nos pain�is laterais do templo barroco, que incluem at� santos com olhos puxados. Derivada da palavra francesa chinoiserie, chinesice � o conjunto de pinturas que recriaram, no s�culo 18, em igrejas e capelas de Minas, os pagodes ou pagodas (tipo de torre com fins religiosos comuns na China e outros pa�ses da �sia), animais e paisagens.
Segundo levantamento do Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha-MG), as chinesices, geralmente com fundos vermelho, verde ou azul e elementos dourados, podem ser contempladas na Matriz de Nossa Senhora da Concei��o, tamb�m em Sabar�, e em outras cidades mineiras. Em Mariana, na Regi�o Central, � destaque na tricenten�ria Bas�lica de Nossa Senhora da Assun��o, a Catedral da S�, com motivos diversos (chafarizes, elefantes, dromed�rios e tigres). Na Matriz de Nossa Senhora da Concei��o, de Catas Altas (Regi�o Central), aparece em elementos art�sticos no altar de Santo Ant�nio e de Nossa Senhora do Ros�rio. A Igreja de Sant’ana, no distrito de Cocais, em Bar�o de Cocais (Regi�o Central), guarda pinturas orientais no p�lpito da nave e no altar-mor.
Passados tr�s s�culos, o grande mist�rio continua sendo identificar a origem das chinesices. “Em Minas se criou uma ideia romantizada de que teria vindo para c�, no s�culo 18, um indiano ou um chin�s; e que essa pessoa teria feito esses trabalhos. Ainda h� muita confus�o a respeito”, afirma o cientista de conserva��o e professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG), Luiz Souza. Ele explica que chinoiserie significa “feito � moda da China”, e cita a palavra inglesa japanning para denominar os produtos feitos na Inglaterra, na mesma �poca, seguindo uma linha japonesa. H� teoria de que os artistas das Gerais copiavam figuras de livros ou dos desenhos impressos em pratos e outros utens�lios de porcelana.
Disposta a elucidar o enigma das chinesices e ir fundo nos estudos, uma equipe do Laborat�rio de Ci�ncias da Conserva��o (Lacicor) da UFMG vem fazendo, desde 1996, pesquisas e an�lises qu�micas para verificar as t�cnicas e as composi��es das tintas existentes nas pinturas. Uma pr�xima etapa ser� reunir, num projeto internacional, especialistas tamb�m de Portugal, �ndia e China para refinar os conhecimentos. Entre as descobertas dos pesquisadores mineiros, informa Souza, est� o uso de resina de jatob�, proveniente do Novo Mundo, pelos artistas europeus. E tamb�m de p� de bronze aplicado sobre uma base de �leo, em vez de folhas de ouro.

No s�culo 17, acrescenta Souza, a China vira moda na Europa, e os objetos feitos com a laca se tornam objeto de desejo. “Essa �rvore s� existe em regi�es remotas da China, ent�o, para fazer as chinesices, os artistas europeus tiveram que usar acabamentos para ‘enganar’ os olhos de quem comprava. Foram usados produtos alternativos, como a resina de jatob� nativa da Am�rica do Sul”, afirma o professor.
A tecnologia favorece o trabalho dos pesquisadores. A equipe da EBA/UFMG foi at� o distrito de Milho Verde, no Serro, no Vale do Jequitinhonha, e identificou sinais de chinesices na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. “Infelizmente, o templo est� todo repintado de branco. Mas, a partir de uma prospec��o, conseguimos ver um fundo vermelho t�pico de chinesices. Dessa forma, ter�amos uma interface entre as regi�es do ouro e dos diamantes”, conclui.

Porta de Macau
A restauradora Carla Castro Silva tem grande intimidade com os elementos art�sticos da Matriz de Nossa Senhora da Concei��o, de Sabar�, onde vem fazendo trabalhos desde 2004. Ela chama a aten��o para as chinesices presentes no templo do in�cio do s�culo 18, como o altar do Sant�ssimo. Sem d�vida, um dos destaques est� na porta de acesso � sacristia, que, segundo as pesquisas, veio diretamente de Macau, antiga col�nia portuguesa na China. Para completar o conjunto, foi feita outra, nos mesmos moldes, para ficar no lado esquerdo da nave.