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Estado de Minas

Fernando Brant termina a travessia

Compositor de cl�ssicos do Clube da Esquina morre aos 68 de complica��es decorrentes de transplante de f�gado. O vel�rio, aberto ao p�blico, ter� in�cio �s 9h deste s�bado, no Pal�cio das Artes, e o enterro ser� realizado �s 16h30, no Cemit�rio do Bonfim


postado em 13/06/2015 07:22 / atualizado em 13/06/2015 21:45

Em outubro de 2014, Fernando Brant recebeu o Estado de Minas em sua casa, para falar sobre os 40 anos do espetáculo Maria, Maria, do Grupo Corpo(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Em outubro de 2014, Fernando Brant recebeu o Estado de Minas em sua casa, para falar sobre os 40 anos do espet�culo Maria, Maria, do Grupo Corpo (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

O compositor Fernando Brant morreu na noite de ontem, em Belo Horizonte, aos 68 anos, de complica��es decorrentes de uma cirurgia de transplante de f�gado. Submetido a uma primeira opera��o na ter�a-feira, o m�sico teve rejei��o ao �rg�o e passou por um segundo transplante, na madrugada de ontem, no Hospital das Cl�nicas. A fam�lia confirmou a morte por volta das 21h40. O vel�rio ter� in�cio �s 9h deste s�bado, no Pal�cio das Artes e ser� aberto ao p�blico. O enterro est� marcado para �s 16h30, no Cemit�rio do Bonfim.

Fernando Rocha Brant nasceu em Caldas, no Sul de Minas, em 9 de outubro de 1946. Era filho do juiz Moacyr Brant e da dona de casa Yolanda Brant. Aos 5 anos, ele se mudou com a fam�lia para Diamantina, que inspirou cl�ssicos como Beco do Mota, Paisagem da janela e os temas do espet�culo de dan�a Maria, Maria. Aos 10, chegou a BH, onde construiu sua carreira.

Na capital, estudou no Grupo Bar�o do Rio Branco, no Col�gio Arnaldo e no Col�gio Estadual Central. A BH tranquila, com a garotada brincando nas ruas, marcou a obra do compositor – exemplo disso � Bola de meia, bola de gude ou a antol�gica Saudades dos avi�es da Panair, com seus bondes e motorneiros.

O Estadual Central fez a cabe�a de Fernando nos anos 1960, marcados pela efervesc�ncia pol�tica. “Comecei a ler desbragadamente”, revelou em depoimento ao site do Museu Clube da Esquina. Fregu�s di�rio da Biblioteca P�blica Estadual, na Pra�a da Liberdade, o rapazinho se apaixonou por Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Jo�o Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa, Garc�a Lorca, Guimar�es Rosa e Graciliano Ramos. Virou cin�filo, tomou contato com Fellini e Orson Welles. O Estadual, literalmente, deu livros, r�gua, compasso e versos aos futuro compositor, assim como as rodas bo�mias de BH. Um de seus professores era o poeta Affonso Romano de Sant’Anna.

Fernando Brant no Edifício Maletta, no Centro de BH, em 1967, ano em que compôs Travessia com Milton(foto: Arquivo Estado de Minas)
Fernando Brant no Edif�cio Maletta, no Centro de BH, em 1967, ano em que comp�s Travessia com Milton (foto: Arquivo Estado de Minas)
Brant tomou gosto pela liberdade e pela �rea “de humanas”, como se dizia. Decidiu trocar o Estadual pelo vanguardista col�gio rec�m-criado pela Universidade Federal de Minas Gerais em seu c�mpus, na Pampulha. Depois, optou por estudar direito, como o pai. Por essa �poca, conheceu Milton Nascimento e M�rcio Borges. A capital era pequena, todo mundo se trombava. Alguns anos depois, ingressaria no jornalismo – foi rep�rter da revista O Cruzeiro. Uma reportagem, ali�s, inspirou a can��o Ponta de Areia.

Por volta de 1965, Milton Nascimento se mudou para S�o Paulo, determinado a seguir a carreira art�stica. Encontrava-se com Brant e Borges de 15 em 15 dias – todo mundo viajando de �nibus nos fins de semana. Milton havia composto Pai grande e Morro velho, que chamaram a aten��o. A cantora Elis Regina ficou de olho nos mineiros. Em 1967, Bituca mostrou uma tristonha melodia a Brant. E pediu: “Queria que voc� fizesse a letra pra ela”. Em depoimento, o amigo revelou sua rea��o: “N�o mexo com isso, n�o sei, nunca fiz”. Era coisa para o Marcinho Borges, alegou.

Famoso por sua obstina��o, Bituca n�o desistiu. Prop�s o tema: um caixeiro-viajante que passava por uma cidade, namorava por l�, mudava-se para outra e ia deixando amores em seu rastro. Fernando teve outra ideia: cantar o drama de algu�m que parte e deixa o outro desesperado. Assim nasceu Travessia, influenciada tamb�m por Guimar�es Rosa. A parceria n�o venceu o Festival Internacional da Can��o (FIC), no Rio de Janeiro, em 1967. Travessia ficou em segundo lugar, mas conquistou o Brasil e se tornou um cl�ssico.

A ditadura imposta pelos militares em 1964 se acirrou com a edi��o do Ato Institucional nº 5, em 1968. Um dos alvos da censura era a MPB e seus jovens artistas. A casa da fam�lia Brant, no Bairro Funcion�rios, virou uma esp�cie de “trincheira” de compositores e m�sicos, assim como o lar dos Borges, em Santa Tereza. Milton se hospedava l�, assim como o letrista e produtor fluminense Ronaldo Bastos.

No fim dos anos 1960, BH viu nascer o movimento musical que marcou a cultura brasileira: o Clube da Esquina. Milton, Fernando, Ronaldo, M�rcio e L� Borges, o jovem montes-clarense Beto Guedes, Toninho Horta e o tr�s-pontano Wagner Tiso souberam mesclar samba, toada, cantoch�o, jazz e rock. Aquelas sofisticadas harmonias at� hoje deslumbram o mundo. Em 1970, Milton chamou a aten��o com o disco marcado por guitarras e, ao mesmo tempo, pelo canto do Brasil profundo. Fernando Brant assinava a letra de Para Lennon e McCartney, parceria com L� e M�rcio Borges – conex�o po�tica com o pop internacional. Aqui � o pa�s do futebol, parceria com Milton, j� trazia o Fernando engajado politicamente, que falava do Brasil vazio nas tardes de domingo, de olho no futebol e esquecido das agruras do cotidiano – e da pol�tica...

Enquanto Fernando trabalhava em BH, a turma passou uma temporada em Mar Azul, no litoral fluminense, onde nasceu o repert�rio do disco Clube da Esquina, �lbum duplo que contou com uma infinidade de talentosos “s�cios”: Robertinho Silva, Nelson Angelo, Danilo Caymmi, Joyce, Nivaldo Ornelas, Novelli e Luiz Alves, al�m da experiente Ala�de Costa. Lan�ado em 1972, foi t�o impactante para a cultura brasileira quanto o Tropicalismo.

Caetano Veloso destacou o papel do movimento mineiro. “Sem apresentar ruptura com as conquistas da bossa-nova, exibindo especialmente uma continuidade em rela��o ao samba-jazz carioca, Milton sugeriu uma fus�o que – partindo de premissas muito outras e de uma perspectiva brasileira – conflu�a com a fusion inaugurada por Miles Davis. Essa fus�o brasileira desconcertou e apaixonou os pr�prios seguidores da fusion americana”, escreveu o baiano no pref�cio do livro Os sonhos n�o envelhecem, de M�rcio Borges.

No disco seguinte, Milagre dos peixes, lan�ado em 1973, Fernando Brant criou lindas met�foras para falar de seu Brasil amorda�ado. Com seu lirismo, a faixa-t�tulo, assinada por ele e Milton, driblou a censura: “E eu apenas sou/ um a mais/ um a mais/ a falar desta dor/ a nossa dor”. Nas dezenas de discos que viriam a seguir – entre eles os cl�ssicos Minas, Gerais e Clube da Esquina 2 –, Brant se consolidou como o maior letrista do cancioneiro miltoniano.

Sua poesia sempre caiu no gosto do povo. Can��o da Am�rica (“Amigo � coisa/ pra se guardar”), Maria, Maria (“E a estranha mania de ter f� na vida”), Ponta de areia, Nos bailes da vida (“Todo artista tem de estar aonde o povo est�”), Ra�a (“L� vem a for�a/ l� vem a magia”) e Encontros e despedidas s�o alguns exemplos da profunda conex�o de Brant com a sua gente.

O engajamento pol�tico daquele jovem forjado nos anos 1960 nunca esmoreceu. Com suas can��es, Brant militou na campanha das Diretas-j�, apoiou a cruzada do mineiro Tancredo Neves para restaurar a democracia, defendeu o direito do brasileiro � cidadania, celebrou a negritude. Tamb�m lutou arduamente por seu of�cio, batalhando pelos direitos autorais. Integrou a associa��o Amar e dirigiu a Uni�o Brasileira dos Compositores (UBC). Militante da palavra, foi cronista do caderno EM Cultura deste Estado de Minas at� o ano passado. O livro Clube dos gamb�s (Record) reuniu alguns textos publicados no EM.

Casado com Leise Brant, o compositor deixa as filhas Izabel e Ana Luiza, o filho do cora��o, Di�genes, e dois netos. Milhares de f�s ficaram �rf�os.

Amigos prestam homenagem a Fernando Brant


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