
Fernandes Tourinho – “Que interessante! Ainda mais por se tratar de um lugar pequeno.” Foi assim que Jo�o Lopes Oliveira, de 47 anos, que visitava Fernandes Tourinho, cidade de pouco mais de tr�s mil habitantes no Vale do Rio Doce, reagiu ao descobrir uma peculiaridade do munic�pio: ali, h� dois cemit�rios, um dos cat�licos e outro dos evang�licos.
O primeiro cap�tulo dessa hist�ria remonta �s primeiras d�cadas do s�culo passado, mas, ainda hoje, h� quem n�o se sinta � vontade para falar sobre o assunto publicamente. Moradores mais antigos do munic�pio, cercado por montanhas e a poucos quil�metros da Rio-Bahia (BR-116), contam que uma evang�lica morreu na �poca em que s� havia a calunga do Nosso Senhor do Bom Jesus, constru�da atr�s da igreja hom�nima. Os familiares n�o teriam concordado com a obrigatoriedade de uma cruz no t�mulo – ou pr�ximo dele – e levaram o corpo para casa.
Sensibilizado, um fazendeiro doou um peda�o de terra para que os parentes constru�ssem o jazigo da maneira que desejavam. Foi assim que o Bom Jesus ficou conhecido como o cemit�rio dos cat�licos e o peda�o de terra doado pelo propriet�rio rural virou a calunga dos evang�licos. Separados por pouco mais de um quil�metro, cada um ocupa parte do alto de um morro. Ambos s�o mantidos pela prefeitura.
Seu Carlos, morador conhecido tanto na �rea urbana quanto na rural, � o coveiro titular dos dois lugares. Ele conhece bem a hist�ria contada pelos vizinhos mais antigos, mas sempre optou pela discri��o em rela��o ao assunto. Diz apenas saber em qual lugar deve preparar a cova quando o alto-falante da igreja informa a morte de um habitante, seja o corpo de um cat�lico ou de um evang�lico.

HOMENAGENS Carlos mora ao lado do port�o principal do Bom Jesus, cercado por um muro branco e baixo. Um cruzeiro de madeira se destaca na parte mais alta, de onde a vista alcan�a todos os t�mulos. H� jazigos de diferentes materiais, sobretudo, de m�rmore, azulejos e cimento. Tamb�m h� sepulturas simples, onde a cova no ch�o batido � cercada por finas grades de ferro. Em muitos, destacam-se frases que homenageiam os mortos.
No da fam�lia Santos, por exemplo, h� uma dedicat�ria � mem�ria de uma mulher: “Voc� brilhou tanto na terra que Deus a levou para ser estrela no c�u”. Em outro, um homem foi homenageado pelos parentes da seguinte forma: “Quem vive no cora��o e na lembran�a nunca morre”. Imagens de Nossa Senhora Aparecida e de Cristo pregado na cruz est�o em v�rios jazigos, como no que foi enterrado o corpo de Ana, m�e da costureira Sara Veloso da Silva, de 61.

� l� que dona Marlene Gomes Costa, de 60, quer ser sepultada. “Quando chegar a minha hora – e que se Deus quiser demore muitos anos – quero vir para c�”, refor�a a mulher, fiel da Assembleia de Deus. Ela costuma descansar no banco de madeira em frente ao cemit�rio, onde sempre dispensa parte do tempo em boa prosa com as amigas.
O lugar � cercado por um alto muro verde, erguido h� poucos anos. At� ent�o, havia apenas uma cerca com arame. Atr�s do imenso port�o, pintado de marrom, tamb�m h� t�mulos erguidos por fam�lias de diferentes classes sociais – a renda per capita na cidade � de R$ 351,58, segundo o censo de 2010.A maioria dos corpos est� em cova simples. O jazigo que mais chama a aten��o, erguido com cimento, � o de um homem e o de uma mulher cuja hist�ria faz um contraponto com a divis�o que provocou o surgimento das duas calungas em Fernandes Tourinho. Trata-se de um casal que viveu junto por d�cadas.
O marido era evang�lico. A esposa, cat�lica. Quando ele morreu, foi enterrado no cemit�rio dos evang�licos. Mas a saudade do amado era tanta que a mulher fez um pedido aos familiares: queria ser enterrado ao lado do corpo do marido. Seu �ltimo desejo foi realizado.