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Estado de Minas

M�dica mineira solta o verbo nas redes sociais

Entre o ritmo do consult�rio em Par� de Minas e a ginga nos palcos de BH, doutora mostra veia de escritora e atrai seguidores com hist�rias vividas no atendimento � comunidade


postado em 18/10/2015 06:00

Na frente do computador, criando histórias a partir do cotidiano...(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Na frente do computador, criando hist�rias a partir do cotidiano... (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Par� de Minas –
A m�dica J�lia Maria Sim�o da Rocha, de 32 anos, j� se acostumou a ter vida dupla. “Meu marido sabe e me incentiva muito”, diverte-se a belo-horizontina residente em Par� de Minas, na Regi�o Centro-Oeste do estado, que, al�m de profissional especializada em medicina de fam�lia e comunidade, � sambista e vai fundo na carreira de cantora. H� um ano, J�lia Rocha, como � mais conhecida, ganhou p�blico em outra �rea, a internet, ao escrever pequenas hist�rias numa rede social sobre cenas presenciadas e vividas na Unidade B�sica de Sa�de (UBS) do Bairro Provid�ncia. “Agora tenho vida tripla, at� me surpreendo com a quantidade de visualiza��es. O primeiro post (texto) teve 33 mil curtidas”, conta a m�dica, cantora e escritora, com tempo apenas na hora do almo�o para falar da vida e dos planos.

Na sexta-feira, J�lia contou que a tarde seria um pouco mais calma. “Chego a atender 30 pessoas por dia. Saio mo�da do consult�rio, mas a m�sica me recupera totalmente. Medicina causa desgaste f�sico e mental; o samba tem leveza, me revigora”, diz a m�dica, sempre de ouvidos bem abertos para, ao lado do marido �tila Souza, administrador e m�sico, ouvir Cartola, Noel Rosa, Pixinguinha, Caetano Veloso, Chico Buarque e Arlindo Cruz. “Gosto de M�sica Popular Brasileira (MPB) de qualidade e minha voz preferida ser� sempre Marisa Monte”, revela, enquanto, de brincadeira, transforma o estetosc�pio em microfone e mostra talento com os versos da artista favorita: “Dentro de cada pessoa/Tem um cantinho escondido/Decorado de saudade/Um lugar pro cora��o pousar/Um endere�o que frequente sem morar...”.

No palco, dando vez à sambista, em harmonia com a médica(foto: Arquivo Pessoal )
No palco, dando vez � sambista, em harmonia com a m�dica (foto: Arquivo Pessoal )

Para conhecer melhor J�lia, � preciso dividir sua hist�ria em tr�s partes, sem qualquer nota dissonante entre elas, pois os momentos se completam. Formada em medicina em Pouso Alegre, no Sul de Minas, ela alternou o curso com a apresenta��o em bares. “Nos primeiros quatro anos, eu j� trabalhava e, na sexta-feira � tardinha, pegava o �nibus para Belo Horizonte a tempo ainda de cantar na noite. No domingo, voltava para Pouso Alegre e a semana transcorria normalmente”, afirma.

Ao se formar, h� cinco anos, J�lia decidiu fazer resid�ncia no Hospital Odilon Behrens, na capital, e escolheu como especialidade a medicina de fam�lia e comunidade, uma grande paix�o e que, ao ser mencionada, faz os olhos verdes brilharem sob as lentes. “Quando canto, tiro os �culos, viu?”, comenta, antes de citar o pai, m�dico-cirurgi�o, como principal influ�ncia na defini��o desse caminho. “A medicina da fam�lia cria la�os, v�nculos, abre as portas para o sistema de sa�de. A gente acompanha o paciente o tempo todo, se envolve, se emociona, telefona, quer saber sobre o estado, enfim, est� presente na vida dele. O m�dico da fam�lia, na verdade, � um bom comunicador”, resume J�lia, que chegou a estudar um ano de jornalismo na PUC Minas.

HOR�RIO INTEGRAL

Na Unidade B�sica de Sa�de, a m�dica trabalha das 7h �s 16h e, algumas vezes, para relaxar, solta a voz bem baixinho em algum canto. Mas sexta-feira � sagrado. Ao terminar o servi�o, ela e �tila pegam a estrada em dire��o a BH para se apresentarem em bares e festas. “Me considero uma cantora profissional, quero construir uma carreira, gravar CD, fazer shows Brasil afora”, avisa, com o pensamento fixo na cad�ncia bonita do samba. “Sabe que, �s vezes, quando vejo um show meu gravado em v�deo, fico achando que n�o sou eu?”, ressalta a m�dica, arrumando mais uma vez a cabeleira. “Alguns pacientes falam que tenho cara de artista. J� tive fios lisos, mas depois deixei crespos. Foi uma liberta��o”, confessa.

A terceira fase da vida tem a ver com as palavras escritas. Leitora contumaz que anda meio sem tempo para ler tudo o que gostaria, J�lia conta que, desde crian�a, tem amor pela reda��o. E a inspira��o brotou h� um ano, quando atendeu um homem de 57 anos, com c�ncer no f�gado (leia o texto nesta p�gina). “Procuro dar um olhar humano � hist�ria, longe do car�ter biom�dico. � tipo uma cr�nica do cotidiano. Nesse caso espec�fico, que mexeu muito comigo, foi quase como um desabafo”, conta J�lia, que se surpreendeu com as 10 mil pessoas que compartilharam o post – “gente do Piau�, do Acre”. Hoje, explica que j� perdeu a conta do n�mero de textos publicados na internet. “No in�cio, amigos me cobravam um novo post. Agora, est�o me cobrando um livro. Quem sabe?”, conta, com um sorriso simp�tico.

O almo�o termina e � hora de voltar para o batente. “Nunca tenho tempo para o lazer, meu descanso � mesmo cantar, compor e ouvir o som do pandeiro, cavaquinho e tan tan e da viola de sete cordas. Tamb�m n�o tenho preconceito com ritmos, pois m�sica tem fun��o social. Ou�o do funk ao pagode, embora tenha meus eleitos na MPB”, reitera. De volta ao consult�rio, a doutora J�lia recebe com do�ura, na porta, uma jovem paciente, sem perder o ritmo e a ginga que a transformam completamente sob as luzes do palco.

No consultório em Pará de Minas, onde trabalha das 7h às 16h(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
No consult�rio em Par� de Minas, onde trabalha das 7h �s 16h (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)


Uma consulta

Cena descrita por J�lia Rocha em sua estreia na internet

Da�, que um paciente de 57 anos entra no consult�rio, de cabe�a baixa, e me conta que h� 5 meses vem perambulando de m�dico em m�dico no seu conv�nio sem solu��o do seu problema:

Paciente:

“Eu fico pensando, em casa, nas coisas que eu quero falar para o m�dico mas, quando chega a hora da consulta, n�o d� tempo. O m�dico me pediu exame sem me examinar e disse que o que eu tenho � pedra nos rins. Disse que eu tenho que operar, me deu um rem�dio pra dor e pediu mais exames.”

Eu:

“E por que o senhor n�o falou o que precisava falar?”

“Fico sem jeito, porque esse neg�cio de dinheiro � complicado. Ele precisa chamar mais gente, n�. Eu n�o posso tomar muito do tempo dele.”

“Ent�o, hoje, eu quero que o senhor fale tudo que o senhor pensou em casa. Pode ser?”

“Estou emagrecendo muito e sentindo muita dor na barriga (…)”, queixou-se ainda de sintomas urin�rios.

Examinando... uma tristeza atr�s da outra. Massa abdominal dura feito pedra e um f�gado enorme... Emagrecimento de 17 quilos nos �ltimos 4 meses, sem ter feito esfor�o para isso. Pra quem n�o � m�dico, um paciente consumido, provavelmente, por c�ncer.

E o pior ainda est� por vir:

Depois de 25 minutos de consulta, VINTE E CINCO MINUTOS, orienta��es feitas, exames pedidos com prioridade m�xima, estendo minha m�o e digo: “Temos um caminho longo pela frente, mas estaremos juntos, certo?!”

E ele me respondeu: “Esta foi a consulta mais longa da minha vida. E se eu passar ao seu lado na rua, voc� vai me reconhecer, n�. Porque voc� olhou no meu rosto o tempo todo. Isso � legal... (olhos marejados – e eu tamb�m). Doutora, ningu�m nunca examinou minha barriga. Muito obrigado!”

E eu pensei: “Eu que te agrade�o...” Ele saiu, eu fechei a porta, chorei 3 minutinhos (pensando na minha vida) e chamei o pr�ximo.

E viva a MEDICINA DE FAM�LIA E COMUNIDADE, que me ensinou que posso chorar, s� um pouquinho, levantar a cabe�a e chamar o pr�ximo. Sempre haver� o pr�ximo. E desta vez, o pr�ximo era uma crian�a linda e saud�vel!

Am�m!

Em tempo: isso foi um desabafo... fa�o isso, �s vezes, pra n�o ficar doente. N�o � uma cr�tica a nenhum colega em especial, mas d� pra ver que grande parte da tecnologia que precisamos pra ajudar nossos pacientes est� em n�s. M�os,


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