
Os rem�dios para controle da press�o arterial da dona de casa Virg�nia Nogueira, de 89 anos, j� faltam h� dois dias. A �gua e os mantimentos precisam viajar nos ombros de parentes e vizinhos por mais de 4 km mata adentro para chegar � dispensa dela e da irm�, Isabel Concei��o Nogueira, de 80.
A �nica estrada que ligava a resid�ncia das irm�s, no distrito de Mandioca, em Barra Longa, Regi�o Central de Minas, foi engolida pela for�a do caldo de lama e rejeitos de min�rio que vazou com a ruptura das duas barragens da mineradora Samarco, na �ltima quinta-feira, em Mariana, mesma regi�o.
Ontem, a reportagem do Estado de Minas conseguiu chegar a esse povoado, de aproximadamente 50 habitantes, para mostrar o sofrimento de uma das tr�s comunidades isoladas pela trag�dia. A amea�a de faltar comida e �gua pot�vel, j� que a onda de destrui��o e a lama depositada no povoado soterraram as minas e nascentes, mobiliza os habitantes a maior parte do tempo. Suam para vencer os morros, os pastos, a mata e atravessar um c�rrego para, enfim, chegar a uma parte da estrada de terra que liga a comunidade � rodovia MG-129.
S�o v�rias viagens por dia para tentar conseguir mantimentos doados num posto avan�ado montado por socorristas num pesque e pague. “A gente n�o pode parar, porque mais da metade das pessoas teve de correr s� com a roupa do corpo para n�o se afogar na lama que inundava tudo”, conta Valdimir Campos da Luz, de 34 anos.
A casa dele foi tomada pelos rejeitos de minera��o e com isso se foram todos os mantimentos da dispensa, geladeira, televis�o, fog�o. “Perdemos tudo que t�nhamos. Agora a gente se une para ir com uma turma buscar sacos de arroz, macarr�o, feij�o e os gal�es de �gua que chegam de doa��es. Fazemos mais de dez viagens num dia se precisar.”
Mas n�o � s� a imin�ncia de ficar sem o que comer e beber que os atormenta. A vis�o da destrui��o da pr�pria casa e da moradia dos vizinhos e parentes rouba a voz de quem ficou isolado e os leva �s l�grimas nos momentos de reflex�o. “A gente n�o sabe como vai ficar. Ainda n�o deu nem para a gente pensar no que perdeu, porque o que mais precisamos � conseguir continuar a ter comida, �gua e rem�dios para ir vivendo”, desabafa o pai de Valdimir, Dirceu da Luz, de 62 anos. Ele conta que mais de 200 galinhas que criava foram soterradas e at� o carro da fam�lia, um fusca azul, foi parar no alto de um amontoado de lama.
ANG�STIA Nos fundos da casa dele, outro problema lhe tira a tranquilidade. Entre os chiqueiros e galinheiros inundados e as cercas retorcidas, exala da lama que abrange a vis�o de sua propriedade um cheiro forte que os pr�prios socorristas suspeitam ser de um cad�ver soterrado.
“Muita gente para cima daqui foi arrastada e esse cheiro s� pode ser de gente morta, porque � muito forte. S� que n�o conseguimos localizar exatamente onde � e a gente fica nessa ang�stia de pensar que tem o filho de algu�m enterrado na nossa terra”, disse.
Na pequena comunidade, a lama destruiu v�rias casas das quais sobraram apenas arma��es de telhados, muros tombados e paredes solit�rias no meio do barro. A escola tem lama at� o teto. O centro comunit�rio ruiu. A igreja, que tem uma bela torre branca da qual se orgulhavam os moradores por ser um dos poucos pontos vis�veis por aquelas ro�as, foi invadida pela inunda��o, sem condi��es sequer para os fi�is se aproximarem para orar por um al�vio para tanta dificuldade.
Al�m de uma ponte ter sido atolada em lama, outras quatro que ligam o povoado a Gesteiros, que � munic�pio de Mariana, n�o suportaram a for�a da correnteza e desmoronaram.
No campo, ao longe, um lavrador que preferiu n�o se aproximar, emocionado que estava, ficou com a foice sobre o ombro a mirar por longo tempo a planta��o de milho completamente arrasada pela enchente de detritos, que a transformou numa plan�cie marrom.
As duas irm�s idosas tamb�m relatam n�o ter sossego para dormir depois do ocorrido. Por causa da inunda��o, Virg�nia teve de fugir �s pressas de sua casa para se abrigar na casa de Isabel, onde ainda est�, j� que sua casa foi tomada pela lama.
“No dia uns parentes nos ligaram falando que vinha um dil�vio e o dil�vio veio quebrando os bambuzais e arrebentando as matas. Corri o quanto pude e naquele dia todo mundo saiu de suas casas. Passamos a noite no quintal, com medo, sem conseguir dormir. At� hoje n�o durmo”, diz Virg�nia.
At� jipes de volunt�rios atolam

Sem esperar que o poder p�blico ou a empresa que � dona da barragem de rejeitos que ruiu tomasse provid�ncias para abrir as estradas bloqueadas pela lama, volunt�rios embarcados em 16 jipes e ve�culos 4x4 carregaram os carros de mantimentos, rem�dios, e transportaram m�dicos e socorristas para tentar chegar ontem �s comunidades isoladas de Pedras e Gesteiros, em Mariana, e Mandioca, em Barra Longa.
Mas a lama est� t�o profunda que venceu at� os ve�culos fora de estrada. Tr�s ve�culos tentaram atravessar uma ponte encoberta pelos rejeitos miner�rios e atolaram at� a altura das portas, sendo necess�rio o uso de guinchos para resgat�-los. Uma fila de 16 ve�culos trazendo g�neros de primeira necessidade aos desabrigados ficou paralisada.
A expectativa � de que tratores sejam levados para liberar a pista que leva �s comunidades ilhadas.
A diversidade de pessoas que se uniu nesse esfor�o mostra como a corrente de solidariedade para ajudar os atingidos pela barragem � grande. De Betim, Sete lagoas, Nova Lima, Ouro Preto e Belo Horizonte vieram guardas municipais volunt�rios. Bombeiros civis de v�rias cidades se uniram nesse esfor�o bem como jipeiros e motociclistas, trilheiros de v�rias partes.
No caminho, quando paravam nos 90 km percorridos at� o obst�culo, as pequenas comunidades reconheciam esse esfor�o, fornecendo �gua, doces, chup-chup e palavras de apoio. Hoje, o grupo deve tentar mais uma vez a travessia.
Fam�lias pedem resgate por helic�ptero

Segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, n�o h� como precisar o n�mero de ilhados nos distritos de Pedras, Gesteira e na comunidade de Mandioca. O prefeito de Mariana, Duarte J�nior, informou que duas pessoas da lista de 28 desaparecidos s�o de Pedras.
Os bombeiros escalaram 50 militares do batalh�o especializado para abrir caminho pelos lugares por onde a onda de lama passou. Somam-se aos bombeiros 200 homens da Defesa Civil.
O coordenador das Brigadas Quatro por Quatro, ligado � Cruz Vermelha,
Robson Ferreira Dias, informou que h� cerca de 300 pessoas em Pedras. O distrito fica a 40 quil�metros do centro de Mariana. A falta de informa��o e o isolamento dos moradores do distrito deixam os parentes apreensivos.
Durante todo o dia de ontem, eles buscaram informa��es junto � prefeitura e pediram o envio de helic�ptero. “Minha av� est� l� com meus tios. Ela tem problema de press�o. A casa dela foi levada pela lama”, afirmou Tacimara Paiva, de 20 anos. A fam�lia solicitava � Defesa Civil o envio de helic�ptero para resgatar os familiares.
O sogro do pintor Douglas Ferreira, de 27, tamb�m est� entre os ilhados. “Eles n�o d�o informa��es para n�s. Eles n�o t�m como entrar em contato. L� n�o tem luz e, pelo tempo que est�o l�, j� est�o sem �gua e comida”, afirmou Marilene Eremita dos Santos, de 24.
Helic�ptero No in�cio da noite de ontem, a Defesa Civil e Corpo de Bombeiros articulavam o envio de um helic�ptero at� Mandioca. “Os nossos volunt�rios est�o abrindo uma clareira para que o helic�ptero possa aterrissar”, informou Robson.
Em Pedras, h� casos de moradores que n�o querem deixar os im�veis. Os pais de Sandra Aparecida dos Santos, de 38 anos, est�o no distrito.
O casal Wilson Emiliano dos Santos, de 75, e Graciete Martins dos Santos, de 57, estava sem comunica��o desde quinta feira, mas, de acordo com Sandra, volunt�rios conseguiram localiz�-los no final da tarde de ontem e eles resistiram em deixar a casa.
“N�o querem sair. N�o tem como ir l�. S� Deus agora e pessoas de boa vontade para levar comida e rem�dios para eles”, afirmou.