
As imagens de peixes agonizando ou mortos, cobertos pela lama �s margens do Rio Doce, s�o apenas uma pequena parte vis�vel do que est� sendo considerado a maior trag�dia ambiental do Brasil. Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas s�o un�nimes em dizer que os danos s�o incalcul�veis nos ecossistemas ao longo da bacia hidrogr�fica que se origina na Serra da Mantiqueira e des�gua no mar em Reg�ncia Augusta, distrito do munic�pio de Linhares, no Esp�rito Santo. A extens�o da trag�dia aos poucos emerge da lama, mostrando que o impacto na ictiofauna (relativa aos peixes) junta-se aos danos ao solo, �s matas ciliares, aos remansos, a terra�os dos rios e estende-se aos modos de vida das comunidades ribeirinhas.

Os ecossistemas foram de tal forma afetados que ser�o necess�rios anos, talvez d�cadas, para que retomem o equil�brio. “� um preju�zo grande tanto para o solo quanto para recursos h�dricos e a biodiversidade”, atesta o professor de agroecologia e bot�nica Reinaldo Duque-Brasil, do c�mpus avan�ado de Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Al�m dos peixes, outros animais e esp�cies vis�veis da flora, a lama mata a microbiota, conjunto de micro-organismos respons�vel pela renova��o do solo por meio da reciclagem de nutrientes. No curso do rio, n�o � poss�vel ver nada pela �gua turva. N�o passa luz e n�o h� a produ��o de oxig�nio. Se os peixes n�o fossem mortos pelo barro que toma conta das delicadas br�nquias, com pouco tempo morreriam pela falta de oxigena��o. A lama cimenta o leito, as matas ciliares e remanso. Com isso, todo o rico ecossistema do Rio Doce, que intrigou a fam�lia real quando chegou ao Brasil, por volta de 1808, perdeu seu esplendor. N�o se pode encontrar insetos, aves, anf�bios, peixes e diversidade de musgos e flores nas �reas afetadas. S� barro.
De import�ncia vital para a economia da Regi�o Sudeste, o Rio Doce foi protegido como um tesouro pela Coroa Portuguesa no in�cio do s�culo 19, para impedir que piratas chegassem ao cora��o do pa�s percorrendo o leito. Cuidado que se perdeu ao longo dos s�culos e resultou em uma trag�dia que desaguar� no mar, comprometendo outros ecossistemas, como os manguezais do Esp�rito Santo. A extens�o da cat�strofe dever� ser conhecida por meio de um relat�rio t�cnico que est� sendo elaborado por equipe multidisciplinar formada pelo Minist�rio P�blico, em n�veis federal e estadual, com participa��o de professores da Universidade Federal de Vi�osa (UFV). Outro parecer ser� apresentado pelo Giaia (Grupo Independente para An�lise de Impacto Ambiental).
A ressurrei��o do Doce depende da preserva��o de seus afluentes, como o Santo Ant�nio, que nasce em Concei��o do Mato Dentro e atravessa 29 munic�pios. “Cerca de 90% das esp�cies do Doce s�o encontradas no Santo Ant�nio”, afirmou a vice-presidente da Associa��o de Defesa e Desenvolvimento de Ferros (Abbas), Tereza Cristina Almeida Silveira. Ela ressalta que propostas para instala��o de empreendimentos econ�micos no rio, como hidrel�tricas e �reas para minera��o, precisam ser reconsideradas. “O rio adquiriu import�ncia ainda maior depois desse crime ambiental.” A import�ncia do Rio Santo Ant�nio para a Bacia do Doce foi defendida na tese de F�bio Vieira, em 2006, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
COMUNIDADES RIBEIRINHAS A for�a do tsunami de lama que devastou Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, bem como outros distritos de Mariana e da cidade vizinha de Barra Longa, seguiu ao longo dos 853 quil�metros de extens�o do rio destruindo tudo por onde passou. Reinaldo Duque-Brasil refor�a que a an�lise ecol�gica n�o pode excluir o ser humano. Se nas cidades aonde a lama chegou primeiro houve perda de vidas e ainda h� pessoas desaparecidas, nas cidades mais distantes, a devasta��o se deu de forma distinta, mas tamb�m em grandes propor��es.
Ao cobrir os terra�os dos rios, locais onde as comunidades ribeirinhas cultivavam lavouras, hortas e outras atividades, a lama sepultou o meio de subsist�ncia de fam�lias, assim como h�bitos culturais que d�o identidade a essas comunidades. S�o quilombolas, pequenos produtores e ind�genas que dependem da vitalidade do rio para seguir com as pr�prias vidas. “No munic�pio de Resplendor, os krenak s�o tribos remanescentes dessa regi�o do Rio Doce. Para eles, o rio � uma entidade sagrada: watu. O modo de vida dessa tribo foi completamente arrasado”, ressalta.