
“Ganhei uma fam�lia de presente”, resume ele, agora legalmente Pablo Henrique Lemos, ao lado de Maria Jos� Lemos, de 59, solteira, que o adotou oficialmente h� seis meses, depois de ser sua madrinha no Programa de Apadrinhamento Afetivo, fruto da parceria entre o Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) e o Juizado da Inf�ncia e Juventude. Antes da ado��o, Pablo morava em um abrigo da capital, situa��o que atualmente � compartilhada por pelo menos 4,2 mil crian�as em Minas. Desse total, 700 est�o juridicamente aptas a realizar o mesmo sonho que o menino, 105 delas em Belo Horizonte.
Maria Jos� nunca namorou, nem pensou em ter filhos, mas na casa do Bairro �gua Branca, em Contagem, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, mostra a extens�o do amor de m�e. “Pablo uniu nossa fam�lia. Todo mundo passou a se sentar � mesa, a conversar mais. Se lhe demos um lar, ele nos trouxe a felicidade”, conta, com emo��o, ao lado da irm� Maria Em�lia, de 56, tamb�m solteira. Nos fins de semana, a casa se enche de irm�os, sobrinhos e primos, cada um devotando mais aten��o ao garoto.
“Ser m�e � muito bom! Hoje me sinto a pessoa mais feliz do mundo. Fiquei �rf� de m�e muito cedo, numa fam�lia de nove irm�os. Cuidei de oito e eduquei quatro, ajudando muito meu pai, vi�vo aos 42 anos”, recorda, enquanto olha o porta-retratos do filho emoldurado pelas palavras “Te amo”. Sentado na cadeira de rodas, o menino, que � portador de um mal cong�nito que impede a locomo��o, sorri baixinho para, logo em seguida, receber um beijo carinhoso das duas mulheres. “O �nico problema com filho � na hora de repreender, mas eu chamo a aten��o, vou � escola se a professora pede, enfim, fa�o tudo”, afirma Maria Jos�, que trabalha em servi�os gerais.
Quando ela d� voz mais uma vez ao seu cora��o solid�rio, anunciando que a casa ter� mais uma companhia para este Natal, o menino lan�a um olhar de ci�me, levantando a sobrancelha. Ela reage com bom humor. E explica que, ontem, foi ao Cevam, no Centro da capital, e depois a um abrigo, para dar as boas-vindas a uma menina de 12 anos, tamb�m cadeirante, que compartilhar� a festa com a fam�lia no Bairro �gua Branca, onde todos nasceram e foram criados. “Estou feliz e tenho certeza de que meu filho vai receb�-la de bra�os abertos. O sol tem que brilhar para todos. Este Natal � especial, pois � primeiro em que ele tem o registro com o nosso sobrenome”, ressalta.
Logo em seguida, em um instante em que Pablo sai da sala, Maria Jos� pega ao lado da �rvore de Natal uma carta “escrita” pelo Papai Noel, em uma folha verde. “Nela est� registrada a mensagem do bom velhinho para o meu filho. Todos os parentes, vizinhos e amigos gostam muito do Pablo. Ele conquistou todos, tanto que o namorado da minha sobrinha, ao saber da vontade dele de ter uma cama, fez quest�o de fazer uma novinha.” No quarto com muitos brinquedos, o menino dedilha o viol�o – “ainda n�o sei tocar”, entrega, com sinceridade – e, mesmo com as limita��es, desce da cadeira de rodas e se senta no skate: “Este � o terceiro, e ele sabe andar direitinho, movimentando com as m�os. Mas s� dentro de casa...”, diz a m�e, zelosa.
PADRINHOS A ter�a-feira foi movimentada na sede do Cevam, em Belo Horizonte, com muitos padrinhos e madrinhas cadastrados passando por l� para, na sequ�ncia, buscar meninos e meninos em abrigos. O objetivo: celebrar o Natal e o Ano-Novo com as crian�as. Presidente dessa organiza��o n�o-governamental, o advogado Ananias Neves Ferreira, que tamb�m est� � frente do Conselho Estadual da Crian�a e do Adolescente de Minas Gerais, informa que a expectativa � de crescimento expressivo no n�mero de crian�as e adolescente de 4 a 17 anos acolhidos em lares de BH neste Natal, passando de 200 para 350 meninos e meninas. Ao longo dos anos, centenas dessas hist�rias terminaram em ado��o.
Quem est� feliz da vida com a experi�ncia � o empres�rio Silas Pedro de Carvalho, de 52 anos, divorciado, pai de tr�s adolescentes, sendo a ca�ula Francielle Alessandra, de 16. “Minha filha se considera a madrinha”, brinca Silas, ao abra�ar um simp�tico menino de 12 anos que vive em um abrigo e passar� o per�odo de festas em companhia da fam�lia. Na tarde de quarta-feira, de posse da autoriza��o judici�ria para lev�-lo por dois dias para Te�filo Otoni, no Vale do Mucuri, Silas contou que o garoto vai viajar pela primeira vez de avi�o.
Os olhos do menino brilharam, ele abriu os bra�os como se fossem asas e partiu para o abra�o bem apertado nos padrinhos. O avi�o, de propriedade de Silas e pilotado por ele mesmo, foi visitado na Pampulha pelo garoto, que j� definiu seu futuro: “Vou ser piloto”, revela, sem pestanejar. A exemplo de Pablo Henrique Lemos, ele tamb�m est� feliz por ganhar uma fam�lia de presente este ano. “Vai ser uma experi�ncia nova para todos n�s”, acredita Francielle, entusiasmada por mais esse motivo de alegria no Natal. “Ser� realmente uma noite feliz”, resume.
Tr�s perguntas para...
ANANIAS NEVES FERREIRA, PRESIDENTE DO CENTRO DE VOLUNTARIADO DE APOIO AO MENOR (CEVAM)
1 - Como atua o Cevam?
Trata-se de uma organiza��o n�o-governamental, que vai completar 30 anos de funda��o em 2016. O objetivo � fazer com que volunt�rios acolham afetivamente as crian�as institucionalizadas, convivendo com elas por um per�odo. Esse trabalho evoluiu para o apadrinhamento, que ocorre durante todo o ano, mas tem crescimento no Natal.
2 - Como � feito o apadrinhamento?
O Programa de Apadrinhamento Afetivo come�ou em 1999 e tem parceria com o Juizado da Inf�ncia e Juventude. As pessoas interessadas, que n�o precisam ser casais, se cadastram para passar o per�odo natalino, de 24 de dezembro a 4 de janeiro, com as crian�as na faixa de 4 a 17 anos e 6 meses. Os padrinhos devem ter pelo menos mais de 10 anos acima da idade dos meninos e meninas.
3 - Quais os resultados?
Muitos apadrinhamentos j� evolu�ram para ado��o das crian�as, embora o foco n�o seja este. As crian�as t�m no��o da import�ncia de uma fam�lia e o mais importante � o afeto, os la�os culturais que se formam, fortalecer as rela��es afetivas. Em Belo Horizonte, h� de 700 a 800 crian�as em abrigos, sendo um ter�o desse total com at� 4 anos de idade.