
A imagem revela a mais violenta e chocante ocorr�ncia do carnaval de Belo Horizonte. Na ter�a-feira do feriado, Yuri foi at� o Bairro Primeiro de Maio, na Regi�o Nordeste, onde morou com a m�e de seus tr�s filhos, J�ssica V�tor de Ara�jo, e deixou recado que passaria l� no dia seguinte para dar um beijo nas crian�as. N�o voltou. Saiu do Quarteir�o Patax� da Pra�a Sete levado pelo rabec�o placa OPQ- 9511 para o Instituto M�dico Legal (IML).
“Onde est� meu pai? Eu t� com saudade”, chorava Gabriela, a filha mais velha de Yuri, na �ltima sexta-feira. Passados quase 10 dias da morte, a Pol�cia Civil ainda n�o apresentou nenhuma explica��o sobre o linchamento e pediu � Justi�a sigilo sobre a investiga��o, impedindo que a reportagem do Estado de Minas tivesse acesso �s imagens da agress�o captadas pelas c�meras do Olho Vivo. Tampouco permitiu acesso ao laudo do IML.
A morte de Yuri desperta a aten��o por v�rios motivos: o assassinato a pontap�s, a tentativa de esmagamento da cabe�a da v�tima, o motivo f�til (a vers�o atribu�da aos agressores � de que ele teria roubado R$ 10), a barb�rie nas �ltimas horas do carnaval – festa renascida com aspecto l�dico em BH nos �ltimos anos – e o local do crime: o centro nervoso da capital, a Pra�a Sete.
O ESPANCAMENTO O boletim registrado pelos policiais da 6ª Companhia da PM n�o tem o nome de Yuri, pois ap�s ser linchado ele teve documentos e o dinheiro roubados pelos agressores. Informa apenas que o jovem vestia bermuda preta, camisa vermelha e t�nis preto. Revela a hora em que os militares foram acionados (4h14) e o momento do encerramento da ocorr�ncia (7h03) quando o rabec�o partiu levando o corpo para o IML.
Uma testemunha disse aos militares que o jovem, nascido no Bairro Piraj�, na Regi�o Nordeste de Belo Horizonte, foi cercado por cinco homens. “Ele foi chutado, derrubado no ch�o e pularam repetidas vezes sobre ele”, afirmou. “Teve a cabe�a prensada entre os p�s dos agressores e o ch�o”, detalhou a funcion�ria de uma lanchonete pr�xima � cena do crime.
O instrutor de muay thai (arte marcial tailandesa) Francisco Ricardo Sabino Neto, de 30, o �nico preso em flagrante, teria sido um dos agressores, segundo relato de testemunhas. Mas Francisco foi liberado na sexta-feira seguinte, pois, segundo informou a assessoria de imprensa da Pol�cia Civil, n�o havia provas para mant�-lo preso.
Outra testemunha disse que foi Francisco o respons�vel por dar uma rasteira em Yuri e jog�-lo no ch�o. O acusado, por sua vez, disse aos policiais que estava voltando de uma festa de carnaval quando escutou a v�tima chorando e dizendo que estava sendo acusado de ter roubado R$ 10. O instrutor de muay thai afirmou ter afastado Yuri dos agressores e tomado dele uma garrafa pl�stica com lol� (entorpecente � base de clorof�rmio e �ter). Pessoas que presenciaram o linchamento contradizem o depoimento e dizem que Francisco participou da sess�o de espancamento. O instrutor tem contra si queixa por agress�o e amea�as de morte, registrada no fim de janeiro por sua namorada.
Os outros quatro agressores, segundo relato de testemunhas aos policiais, conseguiram escapar fugindo em dire��o � Pra�a da Esta��o. “Ele foi agredido, mas levantou, pediu para n�o baterem mais, mas nesse momento um homem vestindo camisa do Barcelona pisou v�rias vezes na cabe�a dele”, relatou uma das pessoas presentes. Quando Yuri perdeu os movimentos, teve todos os documentos roubados pelo grupo.
Apesar de n�o divulgar detalhes da apura��o, o chefe da Divis�o Especializada em Investiga��o de Crimes Contra a Vida, delegado Luiz Fl�vio Cortat, afirma que a equipe respons�vel pelo levantamento � a mesma que h� menos de duas semanas elucidou a morte brutal do morador de rua Janu�rio da Silva, o �ndio, de 57 anos, v�tima de chutes na cabe�a enquanto dormia na madrugada de 15 de janeiro. O delegado frisa que as raz�es da morte de Yuri ser�o elucidadas e os respons�veis, encontrados.
Viol�ncia conhecida de outros carnavais
A morte brutal de Yuri foi a segunda trag�dia a se abater sobre a fam�lia Alves em um carnaval. No de 2009, a tia do rapaz, M�nica Fontes Matos, foi assassinada com uma facada pelo irm�o. “Ele (o assassino) estava brigando com a esposa e ela entrou para separar. Meu tio deu uma facada e minha m�e morreu ali”, recorda Caroline Fontes Dias, de 18, prima do rapaz linchado, apontando para o local do terreno onde a mulher ficou ca�da com a faca cravada na barriga. Caroline recorda que o tio foi preso em flagrante, mas ficou apenas 101 dias no pres�dio antes de ser solto. “S� tem justi�a quando aparece na televis�o”, entende Caroline.
Yuri era o segundo de quatro irm�os. A irm� mais velha tem 22 anos; o mais novo, 8. Na ter�a-feira, depois que deixou a casa onde viveu com a ex-companheira J�ssica e os tr�s filhos, o rapaz voltou para a casa da m�e, no Bairro Piraj�. Um terreno com seis constru��es, todas sem reboco, onde moram cerca de 20 pessoas da fam�lia. � em uma delas que vive a prima Caroline. “Ele era supertranquilo. Com o cora��o bom. Tinha conseguido emprego em uma boate na Savassi e estava voltando do trabalho”, conta ela. “O que aconteceu foi covardia, pois acho muito dif�cil ele roubar R$ 10 de algu�m”, completa.
O marido dela, Lucas Alves de Alvarenga, de 22, foi criado com Yuri e lembra que ele n�o era de procurar brigas. “As pessoas que bateram nele pegaram os documentos e jogaram fora. Queriam que ele ficasse como indigente”, avalia. Lucas acredita que Yuri estivesse com uma turma de amigos quando surgiu a desaven�a com outro grupo. Os demais correram, mas Yuri n�o conseguiu, pois estava com o p� machucado. “Ele n�o deu conta de correr. Pegaram ele na covardia”, imagina. “Pode n�o ter justi�a para eles aqui, mas tem a justi�a de Deus.” A m�e do rapaz, Sheila Alves, muito abalada com a morte do filho, n�o quis conversar com a reportagem.
Descren�a “Come�amos a namorar quando t�nhamos 15 anos e ficamos cinco anos juntos”, recorda J�ssica de Ara�jo, sobre o pai de seus filhos. Os dois terminaram o relacionamento ap�s Yuri ser preso, em agosto de 2014. O jovem foi condenado a cinco anos e quatro meses de pris�o por assalto � m�o armada, mas desde agosto do ano passado cumpria pris�o domiciliar. J�ssica diz que a lembran�a de Yuri ser� de algu�m que amava os filhos. Ele gostava de andar de patins, o que fazia muito bem, principalmente no parque vizinho � casa da m�e dele.
J�ssica estudou at� a 7ª s�rie; Yuri, at� a 6ª. A jovem conta agora com a ajuda da m�e para criar os tr�s filhos. N�o acredita que a pol�cia se empenhar� na apura��o da morte. “Eles v�o largar isso para l�”, lamenta. At� o fechamento desta edi��o, nenhum �rg�o ligado aos direitos humanos acompanhava a investiga��o sobre o assassinato brutal de Yuri.
Triste coincid�ncia
O ind�gena Galdino Jesus dos Santos, da etnia patax� – a mesma que nomeia o quarteir�o fechado onde Yuri foi linchado –, foi assassinado enquanto dormia em uma parada de �nibus na Asa Sul, em Bras�lia. A brutalidade completar� 20 anos em abril do ano que vem. Cinco rapazes de classe m�dia de Bras�lia atearam fogo a Galdino.
Escalada de linchamentos
De acordo com um estudo de f�lego comandado pelo professor aposentado da Universidade de S�o Paulo (USP) Jos� de Souza Martins, um dos mais importantes cientistas sociais do Brasil, nos �ltimos 60 anos, cerca de 1 milh�o de brasileiros j� participaram de, pelo menos, um ato de linchamento ou de uma tentativa. Martins lan�ou no ano passado o livro Linchamentos – A justi�a popular no Brasil (Editora Contexto). O estudo aponta que a execu��o de um criminoso, suposto ou verdadeiro, sem forma��o de um processo, apresentou queda significativa no in�cio dos anos 2000, mas aumentou em velocidade progressiva de 2013 em diante. “Os linchamentos expressam uma crise de desagrega��o social. S�o, nesse sentido, muito mais do que um ato a mais de viol�ncia entre n�s. Expressam o tumultuado empenho da sociedade em ‘restabelecer’ a ordem onde ela foi rompida por modalidades socialmente corrosivas de conduta social”, escreveu Martins no livro.