
O prazer de Lu�s Henrique Torres, de 47 anos, � se acomodar num dos bancos da Pra�a Diogo de Vasconcelos e estudar gram�tica. J� o de Sebasti�o Soares Amorim, de 61, � tocar m�sicas do Pink Floyd e observar as fontes no mesmo cart�o-postal da Regi�o Centro-Sul de BH. Mas o dia a dia de Cebolinha, apelido de Lu�s, e de Padrinho, o de Sebasti�o, n�o � t�o tranquilo como parece. Os dois s�o moradores em situa��o de rua na Savassi.
Embora sobrevivam numa das regi�es mais nobres da capital, eles fazem parte de uma popula��o formada por dezenas de homens e mulheres que precisa adotar estrat�gias diferentes para garantir a pr�pria seguran�a e a chamada territorialidade no bairro. � o que mostra a disserta��o “A experi�ncia do urbano da popula��o em situa��o de rua: territorialidades na Savassi”, defendida pela ge�grafa Juliana Carvalho Ribeiro na PUC Minas.
Portanto, a necessidade de proteger o ponto de onde tiram a renda est� vinculada ao conceito de territorialidade. “Se tem uma caracter�stica que � mais evidente na Savassi em rela��o � cidade como um todo, � exatamente o trabalho, que � informal. Carregam sacolas para pessoas, lavam e vigiam carros... Tamb�m � um fator de perman�ncia”, completa Soraya Romina, coordenadora do Comit� de Acompanhamento e Assessoramento da Pol�tica Municipal para a Popula��o em Situa��o de Rua.
“O sentimento de pertencimento em rela��o � Savassi acirra a disputa pelo espa�o. Quanto maior a identidade, maior a busca pela apropria��o da espacialidade, maior a tentativa de estabelecimento de poder. Assim, o lugar se traveste de territorialidade. As (im)possibilidades das pr�ticas cotidianas dessa popula��o se revelaram como campo de luta permanente, como espacialidade de uma vida que parece se iniciar, mas que, contraditoriamente, se mostra num processo de muitos conflitos”, concluiu.
Juliana coordenou uma das equipes que elaboraram o censo dos moradores em situa��o de rua em BH, em 2014, quando 1.827 pessoas dormiam debaixo de marquises em toda a capital. Algumas dezenas ocupam hoje a Savassi. Do total, 85% declararam conviver com diverg�ncias com outros indiv�duos ou grupos que tamb�m dormem ao relento.
“� mais um indicativo da constante busca pelo estabelecimento de territorialidades. V�rias estrat�gias s�o postas em pr�tica pela popula��o em situa��o de rua para driblar as dificuldades que essa condi��o lhes imp�e. Uma sociedade que valoriza o poder de consumo em detrimento da plena cidadania n�o lhes d� alternativa. Est�o sob uma estrutura cruel que os condena h� muitos anos e n�o se observou qualquer perspectiva de mudan�a. Neste cen�rio, precisam continuar se apropriando da rua para garantir sua (sobre)viv�ncia”, avaliou a autora da disserta��o.
Cebolinha, o homem que gosta de ler sobre gram�tica, conta que sempre mant�m um olho aberto. “Temos de ficar espertos”, recomenda o rapaz, que chegou � regi�o h� um ano e meio. “Eu era repositor num supermercado. Morava com meus pais. Depois que eles morreram, perdi o emprego e n�o consegui pagar o aluguel. Fui para a rua”, conta ele, que arrecada em torno de R$ 500 mensais garimpando latas e outros objetos recicl�veis.
“Tem vez que encontro livros, pego para mim, porque gosto de ler. Ajuda a passar o tempo e a gente aprende. Eu me formei no segundo grau. Este livro de gram�tica que estou lendo foi feito para concurso. O ruim, no meu caso, � a depend�ncia do�lcool. Na pr�xima semana, um padre vai me ajudar. Devo ir para uma cl�nica de recupera��o”, disse Cebolinha, fazendo quest�o de explicar a origem do apelido: “Falo como o personagem (de Maur�cio de Souza). Eu digo tl�s, tlinta e tl�s, tlezentos e tlinta e tl�s”.
J� Padrinho, o f� de Pink Floyd, chegou � Savassi h� 31 anos. Da� o apelido: “Todos me chamam de Padrinho”. Pai de 12 rebentos, ele deixou Roraima para trabalhar na Grande BH. “Fui empregado na Mendes J�nior, na Petrobras e na Fiat. Depois fui morar na rua. Hoje, cato latinhas. E tiro uns R$ 300 por m�s. Fa�o quest�o de aparar o bigode. Mas a barba... Eu tomo banho num posto de combust�vel aqui perto. Meu prazer � o vil�o. Estudei apenas o prim�rio, mas digo que a maior escola do mundo � a vida.”
Atra�dos pela revitaliza��o
Segundo a disserta��o de Juliana Carvalho, “observou-se que todos os entrevistados se dizem moradores da Savassi e mais da metade chegou mais recentemente, p�s-revitaliza��o” que ocorreu a partir de 2012. Muitos usam as fontes da Pra�a Diogo de Vasconcelos para lavar roupas. H� quem n�o se incomode em se banhar na pra�a nos dias mais quentes.
“A segrega��o se torna mais expl�cita na Savassi redesenhada. Iluminada, a popula��o marginalizada se apropria da rua e faz dela seu espa�o principal ou absoluto de viv�ncia. Os sujeitos em situa��o de rua estabelecem territorialidades na nova Savassi e se revelam enquanto resist�ncia contra-hegem�nica”, conclui.