
No �ltimo 2 de mar�o, Bela deixou de ser mais uma integrante da equipe do �ltimo hosp�cio a fechar as portas em BH. Em 2001, a capital mineira encampou a luta antimanicomial, iniciada pelo italiano Franco Basaglia na d�cada de 1970, na Europa. “Acredito que a gente vai criando fragilidades para tentar justificar a exclus�o dos homossexuais, dos negros, das mulheres. No caso do louco, por�m, ele � algu�m que est� ali, mas que n�o participa da sociedade. � por isso que n�o sou apenas funcion�ria do Cersam Norte, sou mais uma militante da luta antimanicomial”, defende ela, que escreveu na parede do quarto, com tinta vermelha, a frase de um usu�rio da sa�de mental: “Me empresta tudo o que resta, que te devolvo sonhos de sobra.”
Durante tr�s anos e meio, Izabela entregou-se pessoalmente a um grupo dos 149 pacientes que vieram transferidos da Cl�nica Serra Verde, onde segundo relatos, viviam nus, misturados homens e mulheres, muitas vezes comendo com as m�os. No Sofia Feldman, os pacientes psiqui�tricos foram acolhidos de maneira transit�ria, at� que se adaptassem a ponto de ser transferidos para resid�ncias terap�uticas em BH ou nas cidades de origem. “Quando chegou ao anexo, Rosa (nome fict�cio) vivia suja, deitada embaixo de um banco e se arrastava como se fosse uma cobra. Eram pessoas t�o desumanizadas que n�o adiantava eu tentar trabalhar quest�es de higiene, enquanto ela n�o entendesse que eu me importava com ela. Tentava sensibilizar com o afeto e, a partir da�, fazer as interven��es”, conta.
Depois de meses trabalhando com Rosa e outros 14 pacientes psiqui�tricos, Izabela se recorda do dia em que conseguiu estabelecer uma conex�o com a mulher, que tinha passado mais de 30 anos isolada na Cl�nica Serra Verde, apesar de ter fam�lia que a visitava, de dois em dois meses. “N�o sei se ela percebeu minha exist�ncia antes, mas chegou um momento em que Rosa me puxou para perto e enfiou o nariz no meu cabelo. Fiquei paralisada, mas percebi que ela estava sentindo meu cheiro. A partir da� comecei a levar para ela perfumes e cremes cheirosos”, explica ela, que se despediu de sua paciente mais desafiadora com um urso tricotado por ela pr�pria, nas cores rosa e lil�s.
Al�m de ser crocheteira com p�gina no Facebook (croch� da Bela), o que aprendeu a fazer com a m�e (a dona de casa Cristina), Izabela devolve as press�es psicol�gicas na percuss�o do bloco de resist�ncia Tambolel�, que existe h� 15 anos. “Para quem n�o tem sofrimento mental j� � dif�cil suportar as press�es do trabalho, imagine para quem tem ent�o. A press�o � maior ainda”, compara Izabela, lembrando que a comemora��o do fechamento do �ltimo manic�mio de BH est� marcada para o dia 25 no espa�o Suricato, uma incubadora de sa�de mental que se transformou em uma esp�cie de bar e ambiente de conviv�ncia da cidade onde os frequentadores s�o atendidos pelos pacientes de sa�de mental. “Gosto da palavra louco, acho forte. Pois precisamos conviver com os loucos na padaria, nas pra�as, nas ruas”, defende.
VIOL�NCIA Refer�ncia da luta antimanicomial no Brasil, BH tenta desmistificar a ideia do louco perigoso que, segundo Izabela Lopes, � refor�ada por lendas urbanas como o 'homem do saco' ou a 'maria doida', capazes de levar embora de casa as crian�as mais bagunceiras. “Em oito anos em que convivo diretamente com os pacientes, seja no est�gio ou no trabalho, nunca presenciei uma cena de viol�ncia gratuita e chocante. Ao contr�rio, via viol�ncia no tratamento que era dado a eles. O hospital brigou comigo no dia em que avisei que o cabelo da Cl�udia n�o seria mais raspado. Dentro de um hospital, eles n�o tinham direito a escolher uma roupa para vestir, a comida ou o lugar onde dormir”, explica a mo�a de piercing no nariz e tatuagens de p�ssaros e flores no corpo e que aparenta leveza na voz e no esp�rito.
Bela avisa que, apesar dos avan�os, � preciso manter o alerta ligado para a reforma psiqui�trica, porque os manic�mios, segundo ela, s�o lucrativos, custam muito mais barato e d�o menos trabalho do que estruturas como os Cersams. “� preciso de muita mobiliza��o social para evitar a volta dos manic�mios. Primeiro, � preciso conseguir acabar com os hospitais. Depois, � necess�rio ampliar a rede de Cersams, mais incubadoras sociais e outros equipamentos. A rede ainda precisa crescer, mas os centros de refer�ncia aceitam o tratamento por ambulat�rio, a perman�ncia do paciente por at� uma semana e a hospitalidade por tempo indeterminado em momentos de crise, desde que seja comunicado ao Minist�rio P�blico”, revela ela, lembrando que nos primeiros semestres da faculdade ofereceu-se para trabalhar gratuitamente nos Cersams, lugar onde ela realmente se sentia bem. “Recebi muito, apesar de n�o ganhar dinheiro”.