
A primeira atividade na escola foi um sorteio entre os alunos, que dava a cada um uma nobre miss�o. Ao tirar o papel, eles assumiam o compromisso de ser o “anjo” do colega ali indicado e, assim, a obriga��o de prestar aten��o em cada passo e atitude dele. Era preciso identificar caracter�sticas positivas e ver no outro o melhor. No segundo dia, os estudantes levaram brinquedos. Proibido qualquer eletr�nico. A ideia era juntar a meninada e fazer a farra juntos. No terceiro dia, escreveram mensagens que permitissem aos outros identificar o amigo secreto. Por fim, ele foi finalmente revelado durante um lanche coletivo, em que cada menino levou algo para ser compartilhado com toda a turma.
“� preciso que eles entendam que a minha a��o gera no outro uma sensa��o que pode ser boa ou ruim. Brincadeira � quando todos se divertem e s�o felizes. Se uma pessoa n�o gosta, n�o � mais brincadeira”, afirma a coordenadora de forma��o do 4º e do 5º ano do ensino fundamental do Col�gio Magnum Nova Floresta, Carolina Fontana, idealizadora da iniciativa. Segundo ela, n�o h� registros de casos de bullying na escola. “Trabalhamos na media��o de conflito entre os alunos para ele n�o se tornar algo mais s�rio”, diz.
Uma das atividades no Magnum, na Regi�o Nordeste de BH, foi a palestra do policial federal Johnny Wilson Batista Guimar�es, mestrando em processo penal. Com material da Safernet Brasil e sua experi�ncia em campo, ele falou sobre o ciberbullying e o sexting (envio e compartilhamento de conte�do er�tico na rede mundial de computadores). Ele explica que, no primeiro caso, n�o necessariamente uma caracter�stica especial do adolescente, serve como ponto de partida para o achaque. Basta que a pessoa “caia nas gra�as dos outros” para o problema come�ar.
“Antes, isso ocorria em grupo reduzido. Hoje, com as redes sociais, � potencializado. � um problema mundial”, diz. Ele chama a aten��o, no entanto, para os excessos: “� necess�rio saber orientar os meninos para evitar a pr�tica, mas n�o pode vulgarizar, dizendo que tudo no dia a dia no universo estudantil � ciberbullying”. Sobre o sexting, a dica tamb�m � valiosa: “Sem ser repressor, abordo nas palestras o cuidado e o filtro que os adolescentes devem ter na divulga��o de imagem de si pr�prios. N�o podem aceitar qualquer amigo como amigo, pois � diferente curtir o amigo na vida real e virtual. � preciso se proteger no ambiente virtual, n�o se expor demais”.
O levantamento da Safernet mostra que o maior n�mero de casos recebidos pelo servi�o � relacionado a imagens de nudez e sexo compartilhadas sem consentimento (Nudes). Ano passado, foram 322 casos, um aumento de 43,75% em rela��o a 2014.
JUSTI�A Na Pol�cia Civil, o titular da Delegacia de Combate aos Crimes Cibern�ticos, J�lio Wilker, lembra que bullying � um termo gen�rico e ganha no c�digo penal as devidas tipifica��es, como inj�ria, difama��o, cal�nia. Mas, mesmo atos n�o considerados crimes, como uma ofensa, podem ter a repara��o buscada por meios judiciais na esfera c�vel. “Os crimes cometidos na internet e nas redes sociais t�m aumentado muito, porque houve a populariza��o desses instrumentos. O mundo digital acaba sendo de f�cil e livre acesso. Como o indiv�duo n�o est� diante de algu�m pessoalmente, se sente mais confort�vel para emitir opini�o ou ofensa”, afirma. O delegado ressalta ainda os v�rios casos de constrangimento de adolescentes que tiveram fotos nas quais estavam nus vazando pela internet. “A rela��o com a escola � grave, pois esse � o ambiente onde essa foto est� circulando”, diz. A corpora��o n�o tem levantamento de casos de bullying, pois as ocorr�ncias s�o tratadas com as devidas tipifica��es.

Anjos que ensinam
A menina Maria Ant�nia Nunes Resende Cota, de 10 anos, aluna do 4º ano do Col�gio Magnum, n�o tinha proximidade com o colega Lucas Soares de Miranda Chaves, de 9. Mas foi o anjo dele durante alguns dias. E, ao revelar seu protegido, os colegas logo o identificaram quando ela mencionou algumas caracter�sticas, como “uma pessoa divertida e que faz piada toda hora na sala”. “Nunca falei muito com ele nem brinc�vamos juntos. Descobri algu�m muito legal”, disse. Ele logo suspeitou que seu anjo era uma menina, por causa da grafia dos bilhetinhos gentis deixados em sua mesa: “N�o a conhecia, mas acho que poderemos ser amigos agora”.
Estudante do 5º ano, Mariana Beatriz Lara e Souza, tamb�m de 10, j� tinha lido sobre bullying no livro de portugu�s, por�m confessa que aprendeu muito mais. Ela, que j� foi chamada em outra escola de “rainha dos macacos”, por adorar comer banana todos os dias, conseguiu, enfim, ver a diferen�a: “Isso nunca me incomodou, mas agora tenho certeza que era uma brincadeira e n�o algo mais s�rio”. Para a novata do Magnum, ser anjo foi uma experi�ncia e tanto: “Tirei um menino que eu n�o conhecia bem. Sou mais amiga dele depois disso”.
PRESAS F�CEIS Gabriel Souza, da mesma idade, aluno do 4º ano, diz que o pai fica no p� para saber o que ele v� na internet e com quem conversa. “Na internet, as pessoas colocam coisas falsas, que podem ser bullying. Fazem isso por acharem que n�o h� ningu�m olhando as crian�as, que podem ser presas f�ceis”. O anjo de Gabriel foi um de seus melhores amigos. Ele, por sua vez, protegeu e prestou aten��o num novato. “Comecei a conversar mais com ele. Isso foi muito profundo e uma grande descoberta.” (JO)
Enquanto isso...
… Lei n�o estabelece san��o
Sancionada no fim de 2015 e em vigor desde o in�cio de fevereiro, a Lei Federal 13.185 estabelece o Programa de Combate � Intimida��o Sistem�tica (Bullying) em todo o pa�s. A nova norma caracteriza claramente as situa��es de agress�o f�sica, psicol�gica e moral que podem ser consideradas bullying e estabelece regras para definir casos de intimida��o promovidos por meio da internet. Escolas ter�o que notificar as autoridades os casos de intimida��es sistem�ticas ocorridos no ambiente educacional, cabendo aos estados e munic�pios produzir relat�rios bimestrais sobre essas ocorr�ncias. A legisla��o abrange tamb�m clubes recreativos. Mas n�o estabelece puni��o aos agressores nem a quem deixar de cumprir a notifica��o. J� em Minas, est� em andamento na Secretaria de Estado de Educa��o proposta de cria��o de um m�dulo dentro do Sistema Mineiro de Administra��o Educacional (Simade) para o registro dos casos de viol�ncia pelas escolas, inclusive do bullying, por meio do qual poder� ser feito o monitoramento e acompanhamento das institui��es de ensino.