
A mineira, que mora em Nova York h� 14 anos, encerrou, em abril, as atividades do playgroup (grupo que re�ne crian�as de tr�s a cinco anos para jogar de maneira informal) que mantinha nos Estados Unidos para tornar realidade o sonho de brincar com crian�as em todo o mundo. O passo seguinte foi criar financiamento coletivo (crowdfunding) para a viagem. Ent�o iniciou uma imers�o para estabelecer pontes com os campos de refugiados na Fran�a e na Gr�cia.
Lel� visitou os campos da pequena aldeia de Idomeni, de Eko e campo militar em Alexandria e pretende voltar em setembro com mais 100 pi�es na mala. A maior parte do tempo esteve em Eko Camp, pr�ximo � Maced�nia, onde vivem cerca de 3 mil refugiados, sendo a metade dessa popula��o formada por crian�as. Embora tenha feito contato com entidades de ajuda humanit�ria, quando chegou � Gr�cia teve que se dirigir sozinha ao campo. As portas foram abertas por uma menina de 12 anos de quem se tornou amiga. Com ajuda da pequena anfitri� foi at� centro onde as crian�as e adolescentes eram atendidos, os Baboo’s.
A maioria das crian�as nos campos est� desacompanhada, muitas delas desde que fizeram a travessia da S�ria at� a Europa, passando pelo Mediterr�neo. Muitas ficam �rf�s durante a viagem. Para estabelecer pontes com a meninada que fala curdo, Lel� apostou na imagina��o. “N�o coloquei nenhum brinquedo. Convidei as crian�as, dei as m�os a elas e, de duas a duas, as colocava no c�rculo. Contei a hist�ria do pozinho m�gico invis�vel. Coloquei nas m�ozinhas para que eles pudessem repassar um a um com delicadeza. Pedia para que eles ouvissem o barulhinho da m�gica. Tinha que fazer com que eles acreditassem em algo que n�o viam, mas que era incr�vel”. Encanto feito. “Pedi que esfregassem o pozinho da cabe�a aos p�s”.
INTERESSE Depois que meninos e meninas foram encantados, ela colocou os brinquedos na roda. E tal foi a surpresa que, sem que recebessem qualquer instru��o, meninos e meninas come�aram a jogar os pi�es. “Aprendi a brincar com pi�es quando j� era adulta. Levei um dia inteiro para aprender a jogar e me apaixonei. Por isso levei”, relata. “Quando vi que a alegria de meninas e meninos jogando os pi�es era t�o grande, tive que me segurar para n�o chorar.” Lel� conseguiu refazer o territ�rio para quem muito pequeno foi desterrado, perdeu o lar, em muitos casos os pais e as refer�ncias, aportando num lugar transit�rio e sem identidade, que s�o os acampamentos. “Sem saber levei para eles algo que agu�ou a mem�ria de onde vinham, que n�o era a guerra, mas a alegria. Eles apontavam para o pi�o e s� sabiam me dizer: ‘my friend, look’”. Um tradutor ajudou na comunica��o, mas Lel� n�o tem d�vida que a brincadeira � idioma universal. “Para pular corda, jogar pi�o, amarelinha n�o precisa de tradu��o”, ressalta.
A pesquisadora ficou encantada com a forma com que os meninos pegavam no pi�o, jeito bem distinto do modo com que ela estava acostumada. Outra surpresa foi o brinquedo gerar o mesmo interesse entre meninas e meninos. Ela lembra que, no Brasil, o pi�o � uma brincadeira n�o s�, mas que costuma agradar mais aos meninos. “A maioria das crian�as � de s�rios curdos. Na cultura curda, n�o h� separa��o do que � para homem e para mulher. Em Eko, vi meninos e at� jovens de 20 anos pular el�stico e corda, o que aqui costuma ser coisa de meninas.”
Lel� pretende ampliar o trabalho, Childhood Rescue Project, para crian�as que correm o risco de perder a inf�ncia devido ao tr�fico, abuso sexual, escravid�o e desastre ecol�gico. Ela planeja ir a Uganda, no Leste da �frica, e tamb�m voltar ao Brasil para brincar com as crian�as de Bento Rodrigues, que foram desalojados pela lama do rompimento da Barragem do Fund�o.

As pe�as em madeira que giram pelos campos de refugiados foram enviados pelo brincante e pesquisador Roque Ant�nio Juaquim, que tamb�m reconstr�i o territ�rio do brincar em Maquin� e comunidades do Vale do Jequitinhonha em Minas. “Uma fieira liga Belo Horizonte a Nova York, � Gr�cia e � Fran�a, por meio de um brinquedo que tem for�a universal. L� na Gr�cia, temos a mesma maravilha do brincar que vemos em Maquin�”, afirma Roquinho, como � conhecido. Na primeira leva foram 30 pi�es. Os meninos gostaram tanto que Lel� pediu mais 100, que ser�o usados na pr�xima viagem aos campos de refugiados prevista para setembro.
Aonde chega, Roquinho conta que crian�as e adultos se encantam com o brinquedo de madeira. S�o piorras, pi�es e carrapetas. Alguns precisam de barbantes para serem lan�ados. Outros podem ser girados apenas com a m�o. Roquinho trabalha com a constru��o de v�nculo entre as pessoas e delas com a natureza por meio da brincadeira. “Come�o com um brinquedo, que � algo que quebra todas as resist�ncias. Mesmo quem tem 60 anos relembra a crian�a que foi por meio da brincadeira. Brincar � fundamental para a plenitude humana”, diz.
O movimento de resgate a cultura da inf�ncia em Belo Horizonte � bastante articulado. “Lydia Hort�lio, uma das mais importantes pesquisadoras de brinquedos e brincadeiras, atesta que BH � a capital mundial da cultura da inf�ncia.” Ele lembra que Lydia foi a campo pesquisar a inf�ncia no Brasil e em outros pa�ses da Europa. “Ela percebeu que havia um movimento comum entre os de l� e os de c�. H� uma universalidade nos gestos que o brinquedo prop�e. O nome do brinquedo n�o � universal, mas o movimento �.”