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Estado de Minas SEDE E MORTE NA TERRA NUA

Degrada��o ambiental seca nascentes e rios de Minas, amplia a estiagem e abate gado e lavoura

No Norte do estado, 500 cursos d'�gua sumiram


postado em 25/09/2016 06:00 / atualizado em 25/09/2016 08:00

Seco, o leito do Rio Peixe virou uma estrada de pedras e pó(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Seco, o leito do Rio Peixe virou uma estrada de pedras e p� (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
“Espero que Deus envie chuva para o rio voltar a correr”, suplicou Zacarias Machado, morador de Me Livre, comunidade rural em Montes Claros, no Norte de Minas, onde a �gua que havia na calha do Peixe deu lugar � poeira. A disponibilidade de �gua diminuiu no estado em decorr�ncia do secamento de nascentes, reflexo da degrada��o ambiental. O fim desses “olhos d’�gua” afeta importantes bacias hidrogr�ficas e alimenta a longa estiagem, que, por sua vez, queimou lavouras e fez gado definhar at� tombar de vez.

A situa��o � desesperadora em muitos lugares, sobretudo nos rinc�es do estado onde fam�lias que captavam �gua diretamente em leitos agora s�o ref�ns de caminh�o-pipa. S� no Norte de Minas mais de 500 cursos d’�gua secaram ou est�o com a vaz�o m�nima, conforme estudo assinado por Reinaldo Nunes de Oliveira, t�cnico da Emater-MG. Ele analisou 730 leitos na regi�o: “Consequ�ncia do desmatamento e assoreamento”.

Em coro ao alerta dele, a professora Maria das Dores Magalh�es Veloso, doutora em ci�ncias florestais e que leciona na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), defende estudos e interven��es urgentes. Ela estuda o assunto h� oito anos: “Ocorre a antropiza��o. O homem ocupa o espa�o que era das plantas. O solo fica descoberto e, quando chove, a camada superficial � carreada para partes baixas, o que causa assoreamento e entope nascentes”.

Ela cita pesquisa recente na regi�o do Parque Estadual da Serra do Cabral, entre os munic�pios de Buen�polis, Joaquim Fel�cio e Francisco Dumont, onde 17 nascentes desapareceram ou ficaram comprometidas. “Houve v�rias queimadas. Tamb�m h� o pisoteio do gado. � preciso estudos para verificar como deve ser feito o desassoreamento e analisar o estado pontual de cada nascente.”

A degrada��o ambiental e a estiagem n�o pouparam nem a regi�o onde brota o S�o Francisco, o maior rio exclusivamente brasileiro, com 2,8 mil quil�metros de extens�o. Em Medeiros, na Serra da Canastra, pelo menos 20 nascentes secaram. Alceu Carneiro, assessor da prefeitura, alerta que a do Rio Sambur�, considerada por muita gente como a “nascente geogr�fica” do Velho Chico, continua abastecendo o leito, mas num volume inferior ao de alguns anos.

Ainda no Centro-Oeste, fazendeiros de Martinho Campos e Pomp�u reclamam da estiagem, embora a regi�o seja cortada pelo Velho Chico e dois importantes tribut�rios, o Par� e o Paraopeba. “C�rregos da regi�o secaram. A estiagem aumentou o custo da produ��o leiteira”, reclamou Jos� Alberto, presidente da Coopeartiva Agropecu�ria de Pomp�u (Coopel).

A cidade foi uma esp�cie de celeiro que abasteceu o Rio de Janeiro, em 1808, quando milhares de portugueses fugiram do Ex�rcito de Napole�o Bonaparte e desembarcaram no Brasil na companhia da fam�lia real. Da fazenda de Joaquina de Pomp�u (1752-1824), a Dama do Sert�o, toneladas de alimentos foram enviados para a capital da ent�o col�nia a pedido da coroa lusitana. Hoje, h� gado tombado na regi�o, onde at� o solo rachou no entorno das veredas.

RECUO

A seca de nascentes, a estiagem e a degrada��o ambiental afetaram bacias importantes. Relat�rio da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), empresa p�blica vinculada ao Minist�rio de Minas e Energia, revelou que 25 das 35 esta��es fluviom�tricas medidas pela regional de Belo Horizonte, em agosto, est�o com vaz�o m�dia abaixo dos indicadores usados pelo estado ou Uni�o quando o assunto � a oferta de �gua.
Em Pompéu, o gado definha(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Em Pomp�u, o gado definha (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

O estado, por exemplo, considera o chamado Q 7,10, que calcula o �ndice mais baixo repetido por sete dias consecutivos nos �ltimos 10 anos. Em Santo Hip�lito, a esta��o do Velhas mostra que a vaz�o � de 31,9 metros c�bicos por segundo, abaixo dos 45,5 considerados pelo Q 7,10. “O Velhas est� numa situa��o que a gente considera ainda n�o cr�tica, mas extremamente preocupante. No alto do rio, a vaz�o � de 10 metros c�bicos por segundo, sendo que a Copasa retira 6,5 para o abastecimento de BH. De forma geral, o rio est� com vaz�o abaixo da m�dia hist�rica, de 15 a 16 metros c�bicos de �gua na regi�o metropolitana”, lamentou Marcus Vin�cius Polignano, presidente do Comit� da Bacia do Velhas.

J� o indicador usado pela Uni�o para a oferta de �gua � o Q 95%, o qual indica que as vaz�es s�o maiores ou iguais a ela durante 95% do tempo. Em Pirapora, a vaz�o do S�o Francisco � de 334 metros c�bicos por segundo, abaixo do Q 95% (426 metros c�bicos por segundo). Um dos afluentes do Velho Chico � o Par�, que corta Concei��o do Par� e onde o pescador Valter Pereira, de 61 anos, lamenta o baixo volume do leito.

“A chuva na regi�o, tradicionalmente, come�a em setembro. J� estamos no fim do m�s e S�o Pedro n�o abriu a torneira. H� alguns anos, havia cardumes de corvinas, curumat�s, piaus... Os rios t�m de voltar a ser como antes”, desejou o homem, tal qual o mec�nico Zacarias, l� de Me Livre.

 

 Seca vira 'praga' em Minas


Moradores de Brumado, povoado de Pitangui, rezam depois de molhar o cruzeiro centenário, numa tradicional simpatia para atrair a chuva (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Moradores de Brumado, povoado de Pitangui, rezam depois de molhar o cruzeiro centen�rio, numa tradicional simpatia para atrair a chuva (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)


Concei��o do Par�, Martinho Campos e Pitangui – � quando a seca aperta que dona Z�lia Morato, de 61 anos, pega o ter�o e vai ao centen�rio cruzeiro de madeira em Brumado, povoado de Pitangui, rezar para que a chuva fertilize aquele cerrado do Centro-Oeste mineiro. Depois da ave-maria e do pai nosso, ela molha o p� da cruz enquanto canta uma ladainha em miseric�rdia para que rios, a�udes e lagoas sobrevivam � estiagem.

A seca avan�a em Minas como uma praga. A Defesa Civil estadual revelou que o n�mero de munic�pios que decretaram situa��o de emerg�ncia, condi��o que permite �s prefeituras dispensar licita��o para contratar servi�os e produtos em socorro �s v�timas da seca, subiu 56% no confronto entre 2010 e 2015. “De 111 cidades para 174”, comparou o tenente J�nior Silvano Alves, diretor-t�cnico do �rg�o.

Tudo indica que o balan�o de 2016 ser� maior do que o do acumulado do ano passado, pois, de 1º de janeiro a sexta-feira passada, 160 prefeituras j� decretaram situa��o de emerg�ncia. A estiagem ampliou o pol�gono da seca e atingiu lugares considerados celeiros de Minas, como Una�, no Noroeste, onde h� grandes lavouras de feij�o e milho.

A escassez da chuva aumenta o custo da produ��o e faz muita gente, como dona Z�lia, apelar para o Divino. “Est� dif�cil aguentar o calor”, reclamou a mulher, na quinta-feira, quando molhou o p� do cruzeiro na companhia de vizinhos. “Vai funcionar. Santa Madalena vai nos atender”, disse a mulher, esperan�osa.

O meteorologista Ruibran dos Reis ajuda a explicar parte da ang�stia da moradora de Brumado. Tanto a m�dia da temperatura m�nima quanto a da m�xima subiram tr�s graus cent�grados no estado em cinco d�cadas. “A m�dia da m�nima passou de 11 graus na d�cada de 1960 para 14 graus nesta. J� a da m�xima, no mesmo intervalo, avan�ou de 34 graus para 37”, informou o especialista do Climatempo.

Ele atribuiu os aumentos a fatores como o aquecimento global e a urbaniza��o. Em decorr�ncia disso, as chuvas ficaram mais escassas. “Nos �ltimos cinco anos, a m�dia foi 30% a 40% menor.” A escassez de chuva reflete nos cursos d’�gua que cortam o estado. E faz o pescador Neilton Carlos de Oliveira, de 50, torcer o nariz quando conta que est� cada vez mais dif�cil fisgar peixes no Rio Par�, afluente do Velho Chico.

Extremos


No trecho entre Pitangui e Martinho Campos, parte do leito foi ocupado por montes de terra, de onde brotou um capim ralo. O lugar, no meio do rio, se transformou em pasto. Os montes surgiram h� tr�s anos e ajudaram a formar uma paisagem que retrata os dois extremos da hist�ria do Par�. Isso porque pr�ximo aos novos “pastos” h� o que sobrou da antiga ponte de cimento, derrubada pela enchente de 1996.

Quem chega ao local observa tanto a estrutura, uma recorda��o da �poca em que os ribeirinhos sofriam com enchentes, quanto os montes de terra, que mostram que o problema agora � a estiagem. A redu��o do leito do rio atormenta pescadores profissionais em Concei��o do Par�. A cada ano, h� quem precise ir mais longe atr�s dos cardumes.

O n�vel baixo tamb�m afugentou turistas e obrigou dona Eul�lia C�sar de Barros, de 63, a fechar o com�rcio �s margens do leito, onde mora desde 1976. “N�o tive outra escolha. A clientela praticamente sumiu. Para se ter ideia de quanto o n�vel do rio caiu, hoje vemos pedras que eram cobertas pelas �guas. H� seis anos sofremos com baixo volume”, lamentou a ex-comerciante. Ela se recorda de quando pescava mandis, piaus e corvinas. E n�o esconde a emo��o ao falar da �poca de fartura do Par�.

O pescador V�lter Pereira, de 61, torce para que o rio volte a ficar cheio para que suas duas canoas na �rea rural de Concei��o do Par� possam navegar no trecho conhecido como Usina. “O leito cobria boa parte das pedras neste trecho. J� peguei muito peixe grande por aqui. Sumiram”.

 

Da fartura ao caminh�o-pipa

 

A forte estiagem mudou a rotina de quem j� esbanjou �gua captada diretamente de nascentes e, agora, se tornou ref�m do caminh�o-pipa. � o que ocorre em Presidente Oleg�rio, no Noroeste do estado, a 450 quil�metros da capital, onde aproximadamente 2,4 mil dos 22 mil habitantes foram atingidos pela falta d’�gua, segundo a Defesa Civil Municipal.

O secret�rio de Agricultura da cidade, Ad�o Marcos de Ara�jo, sustenta que, embora sem um n�mero exato, centenas de nascentes secaram na regi�o, onde n�o chove h� cinco meses. “A situa��o est� dif�cil porque moradores de fazendas faziam a capta��o de �gua diretamente nas nascentes. Usavam o l�quido para consumo pr�prio e a lida com os animais. Como as nascentes secaram, agora esperam o caminh�o-pipa”.

Segundo ele, houve uma redu��o no volume de chuvas na regi�o. “Nossa m�dia hist�rica � de 1,6 mil mil�metros anuais. Em 2014, foram apenas 600 mil�metros no munic�pio. Em 2015, 1,5 mil mil�metros. Este ano, pouco mais de 500 mil�metros. Especialistas disseram que a redu��o � consequ�ncia do desmatamento da Amaz�nia”.

J� em Machacalis, no Vale do Mucuri, a C�mara Municipal solicitou da prefeitura, em car�ter de urg�ncia, reuni�o com todas as secretarias, o pr�prio Legislativo, a Emater, a Defesa Civil e o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustent�vel (CMDRS), al�m das associa��es rurais para implementa��o de um plano de crise para atender agricultores familiares e produtores rurais do munic�pio, atingidos pela estiagem.

“Agricultores familiares e produtores rurais est�o tendo preju�zos devido � estiagem. � sabido que a base da nossa economia � voltada para a agricultura familiar e pecu�ria de corte e leite”, informou o vereador Alexandre Amador, que protocolou o pedido na prefeitura.
 


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