
O contato direto com a fonte permitiu um mergulho profundo no texto e descobertas que valorizam ainda mais a obra vital para os crist�os. “Temos que respeitar o original e tamb�m estar atualizados com o tempo atual, verificar realmente que palavras fazem sentido. O leitor tamb�m precisa ser respeitado”, diz a professora de B�blia e doutoranda na Faculdade Jesu�ta de Filosofia e Teologia (Faje), em BH. Um exemplo est� presente na Carta aos G�latas. “Nos textos em portugu�s, est� escrito que ‘n�s somos configurados em Cristo’, o que n�o explica muito, pois a palavra configurado, hoje, tem mais a ver com inform�tica, computadores. Em koine, se refere ao processo de gesta��o, tem um sentido de humaniza��o. Procuramos, portanto, esclarecer isso nas notas que acompanham os textos”, ressalta.
J� na 1ª Carta aos Cor�ntios, h� a express�o “corre��o fraterna”, que se assemelha a uma quest�o moral, punitiva, embora o original seja bem diferente, tem a ver com o jeito de se colocar um osso no lugar, a maneira de se recompor uma parte do corpo. “A todo momento, me deparei com situa��es amb�guas e fui ampliando a interpreta��o”, diz a religiosa. Para ela, � importante um olhar feminino nas tradu��es e tamb�m ecum�nico. Nesse projeto da editora, participaram, na tradu��o do Antigo Testamento a ser ainda publicado, cat�licos e outras denomina��es religiosas, como pesquisadores de tradi��o evang�lica e judeus.
SEM MACHISMO No escrit�rio da Paulinas na Avenida Afonso Pena, na Regi�o Centro-Sul da capital, a irm� Zuleica fala da sua admira��o por S�o Paulo, “que n�o foi um dos 12 ap�stolos, mas se sentia como um, no sentido de seguidor de Cristo”. E desfaz os conceitos de que S�o Paulo teria posi��es machistas. Um deles est� na 1ª Carta aos Cor�ntios, cap�tulo 11, vers�culo 3, que traz a frase: “E quero que saibais que a origem de todo homem � Cristo, a origem da mulher � o homem e a origem de Cristo � Deus”. A confus�o que j� gerou descontentamento em algumas feministas � que, em grego, a palavra kefale � a mesma para origem e cabe�a, e, em algumas edi��es, ficou “a cabe�a da mulher � o homem”.
Esse inc�modo tamb�m se voltou para os vers�culos 34 e 35 do cap�tulo 14, tamb�m na 1ª Carta: “...as mulheres silenciem nas assembleias, porque n�o lhes � permitido falar, mas sejam obedientes, conforme diz, tamb�m, a lei. Por�m, se desejam aprender algo, perguntem aos pr�prios maridos em casa, visto que � inconveniente para a mulher falar na assembleia”. Ao ler o trecho, a irm� Zuleica destaca que tais vers�culos s�o considerados um acr�scimo posterior ao escrito, “por refletirem uma concep��o alheia ao pensamento de Paulo”.
No texto referente �s bodas de Can�, na Carta de Jo�o, cap�tulo 2, vers�culo de 1 a 11, traduzido por outro exegeta ou especialista em interpreta��o de obra liter�ria, h� uma curiosidade que, com bom humor, a religiosa faz quest�o de relatar. Em algumas publica��es, est� escrito “serve ao mestre-sala”, que, para os brasileiros, teria mais a ver com escola de samba. Para n�o dar duplo sentido, o tradutor preferiu “mestre de cerim�nias”.
De p�, diante de uma estante com edi��es variadas da B�blia, a freira d� uma gostosa risada, quando o rep�rter pergunta se “S�o Paulo tinha sido um soldado romano”. Com seguran�a, ela afirma: “N�o, ele n�o foi um soldado romano”. E acrescenta: “� interessante esse ponto, pois s� ouvi esse tipo de pergunta em Minas e o porqu� exato eu n�o sei. Talvez seja pelo fato de algumas gravuras o mostrarem sobre um cavalo. Mas ele tamb�m n�o caiu do cavalo na estrada de Damasco...”. Para tirar qualquer d�vida, � bom saber que Paulo ou Saulo, contempor�neo de Cristo, nasceu em Tarso, na regi�o da Cil�cia, e era de fam�lia judaica na di�spora (fora da Palestina). Viveu nos tempos do imp�rio romano e recebeu grande influ�ncia da cultura grega.
EXPERI�NCIAS FORTES Olhando para a biblista, imposs�vel n�o se lembrar do livro de Moacyr Scliar que virou pe�a de teatro, A mulher que escreveu a B�blia, s� que, desta vez, � a mulher que traduziu a B�blia. Ao ouvir a compara��o, a irm� Zuleica apenas sorri e mostra as belas ilustra��es da nova edi��o feitas por Claudio Pastro, especialista em arte sacra, que morreu na semana passada e deixou trabalhos no Santu�rio Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP).
Al�m da imers�o no grego, aramaico e hebraico e no Novo Testamento, a freira viajou para lugares citados na B�blia e hoje se entristece por muitos estarem destru�dos, alguns n�o deixando nem rastros do passado. E confessa que, durante todo o per�odo de trabalho, viveu “experi�ncias fortes, procurando as palavras certas”. Em Cor�ntios 13, 4, ficou v�rios dias matutando se a melhor tradu��o para a palavra grega era tolerante ou paciente. At� que, um dia, conversando com um marceneiro, lhe perguntou: “O amor � paciente ou tolerante?”. Sem titubear, o homem respondeu: “Ser paciente � mais f�cil. Tolerante � mais dif�cil”. Nesse momento de descontra��o, n�o teve d�vidas e cravou a segunda op��o.
A edi��o, com dire��o editorial de duas mulheres (Bernadete Boff e Vera Ivanise Bombonatto), nasceu para comemorar o centen�rio da congrega��o das paulinas e, segundo a irm� Zuleica, teve para ela um sabor de miss�o, “por poder evangelizar pela comunica��o”, e de desafio, por toda a pesquisa e estudo das l�nguas antigas. Para quem quer se iniciar no livro, independentemente de ser crist�o ou n�o, a indica��o � simples: “ler”. Na avalia��o da tradutora, a B�blia � uma grande obra, com poesia, drama, cartas, m�sica, hist�rias e personagens. “� uma obra rica, de beleza liter�ria, patrim�nio cultural e um po�o de humanidade. Fala das rela��es humanas, de car�ter, do apocalipse, enfim, tem de tudo.”
Finalmente, a irm� lembra que “o grande desafio foi estabelecer um di�logo intercultural dentro do pr�prio texto b�blico e a diversidade de culturas dos leitores, pois tanto o tradutor ou a tradutora como os leitores s�o int�rpretes do texto, carregando, portanto, seus condicionamentos, sua cultura, sua l�ngua, seu g�nero, sua classe, suas ideologias e sua localiza��o hist�rico-contextual”.

O tempo e as palavras
Fora de contexto
» Nos textos da B�blia em portugu�s, est� escrito que “n�s somos configurados em Cristo”, o que n�o faz muito sentido, pois a palavra configurado, hoje, tem mais a ver com inform�tica. Em koine, configurado se refere ao processo de gesta��o, tem um sentido de humaniza��o.
Sem castigo
» A express�o “corre��o fraterna”, que parece uma quest�o moral, punitiva, tem no original algo bem diferente. Tem a ver o jeito de se colocar um osso no lugar, de se recompor uma parte do corpo.
Origem e cabe�a
» O vers�culo – “E quero que saibais que a origem de todo homem � Cristo, a origem da mulher � o homem e a origem de Cristo � Deus” – sempre fez algumas feministas criticarem S�o Paulo. A confus�o � porque, em grego, a palavra kefale � a mesma para origem e cabe�a, e, em algumas edi��es, ficou “a cabe�a da mulher � o homem”.
Nem � dele
» O descontentamento de algumas feministas tamb�m se voltou para os vers�culos 34 e 35 do cap�tulo 14, tamb�m na 1ª Carta aos Cor�ntios: “... as mulheres silenciem nas assembleias, porque n�o lhes � permitido falar, mas sejam obedientes, conforme diz, tamb�m, a lei. Por�m, se desejam aprender algo, perguntem aos pr�prios maridos em casa, visto que � inconveniente para a mulher falar na assembleia”. Tais vers�culos s�o considerados um acr�scimo posterior ao escrito por S�o Paulo, refletindo uma concep��o alheia ao pensamento dele.
Outro sentido
» No texto referente �s bodas de Can�, na Carta de Jo�o, cap�tulo 2, vers�culo de 1 a 11, alguns j� escreveram mestre-sala, que teria mais a ver com uma escola de samba. Na edi��o da Paulinas, vem mestre de cerim�nias.