
“Foi feito um levantamento, mas a marca oficial est� na igreja”, acrescenta Paulo, mencionando a Par�quia Imaculada Concei��o, do outro lado da rua. “L� voc� encontra uma placa”, avisa. J� o taxista e volunt�rio Fausto de Almeida Nascimento, de 67, se lembra de que o antigo marco no terreno da igreja foi apagado. “Tiraram h� mais ou menos 10 anos”, conta ele, apontando um canteiro agora vazio. No acervo da cidade, um livro antigo e sem capa exibe a foto da pequena estrutura, com cerca de um metro de altura, descrita na legenda como o marco geod�sico central de Minas.
A medi��o teria sido realizada por cientistas alem�es de passagem pela regi�o, na segunda metade do s�culo 19. Valeu � cidade de Curvelo, o antigo Arraial de Santo Ant�nio da Estrada, o t�tulo de cora��o de Minas. “Gerou at� briga”, lembra o ex-prefeito, referindo-se � rivalidade saud�vel com a vizinha Corinto. “Eles v�o falar que � l�, mas, na verdade, o centro � aqui”, antecipa-se Paulo Dayrell.
“Realmente, era Curvelo”, defende, distante 41 quil�metros, Renato de Oliveira, assessor da Prefeitura de Corinto. “Por�m, com a emancipa��o, esse local passou a fazer parte de Corinto”, acrescenta. Para refor�ar a afirmativa, ele apresenta carta de 1989, do hoje extinto Instituto de Geoci�ncias Aplicadas (IGA), ent�o respons�vel pelas medi��es oficiais do estado, que apontava o centro geogr�fico de Minas na cidade. O documento teria, inclusive, sido incorporado ao regimento da C�mara Municipal. “O local exato � Corinto”, assevera Renato, mais precisamente “na Fazenda Prosperidade”. Justamente pelo simbolismo, o propriet�rio teria doado um hectare do terreno ao munic�pio.
�rea da cartografia que estuda e realiza medi��es sobre territ�rios, a geod�sia se vale de c�lculos complexos e resultados que admitem varia��es em fun��o de avan�os na tecnologia empregada em diferentes �pocas. Segundo Ant�nio Santana Ferraz, professor-associado da �rea de engenharia de agrimensura e cartografia da Universidade Federal de Vi�osa, “muitos autores consideram coordenadas geogr�ficas e geod�sicas como sin�nimos”. “O que pode variar, al�m de poss�veis movimenta��es na Terra, � o avan�o na tecnologia de obten��o dos valores das coordenadas”, explica.
O marco da pir�mide
Distante 45 quil�metros de Corinto fica o local que � cen�rio e personagem do conto O recado do morro, de Jo�o Guimar�es Rosa, e que acrescenta pol�mica � hist�rica disputa pelo t�tulo de cora��o das Gerais. O Morro da Gar�a orienta tropeiros e viajantes h� s�culos, impondo-se com seus cerca de mil metros de altitude como marco geogr�fico natural. “L� estava o Morro da Gar�a: solit�rio, escaleno e escuro, feito uma pir�mide”, registra passagem do texto escrito h� 60 anos. Tamb�m emancipado de Curvelo, Morro da Gar�a foi elevado � categoria de munic�pio em 1962. Outra medi��o realizada pelo IGA em 2011, determinando ent�o o centro geod�sico de Minas Gerais, o localizou nos limites da cidade. Apesar de a medi��o ter sido realizada h� cinco anos, para o atual prefeito, Jos� Maria de Castro Matos – que j� chegou a visitar o marco “rival” na fazenda de Corinto e que at� ontem n�o tinha conhecimento de outras medi��es –, foi uma surpresa, recebida “com muita alegria”.
A pequena cidade, ele afirma, tem “a cultura como carro-chefe”, com visitantes do Brasil e exterior atra�dos pela paisagem ligada � literatura e pela Casa de Cultura do Sert�o, instalada em 2008 com o objetivo de promover o legado da obra roseana. “O atrativo aqui � Guimar�es Rosa. Muita gente at� acha que ele nasceu aqui”, completa, lembrando que a verdadeira cidade natal do autor se encontra a cerca de 85 quil�metros, em Cordisburgo. Curiosamente, na jun��o do latim “cordis” com o alem�o “burg”, o nome do munic�pio significa justamente Cidade do Cora��o. Mapeando a alma mineira, a obra do mestre Guimar�es Rosa acertava tamb�m o cora��o de Minas.

Visitar a barra do Rio das Velhas � conhecer uma das esquinas mais importantes na hist�ria de Minas Gerais, afirma o historiador e curador do patrim�nio municipal Mois�s Vieira Neto, enquanto acompanha a poda da �rvore enraizada sobre a tamb�m hist�rica Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, no distrito de Barra do Guaicu�, em V�rzea da Palma. O trabalho faz parte de um projeto de revitaliza��o que contempla tamb�m o entorno das ru�nas, tombadas em 1985. “� uma das gameleiras mais famosas do mundo”, comenta ele, informando que a semente germinada no topo da igreja foi provavelmente depositada por um p�ssaro, com a argamassa de cal comprimida na pedra servindo para reten��o de umidade e contribuindo para o crescimento da planta.
Sem data��o exata, segundo o historiador, a constru��o em estilo portugu�s, com janelas como guaritas militares, na conflu�ncia do Rio das Velhas com o Velho Chico, teve in�cio na segunda metade do s�culo 17. “Grandes enchentes corriam com as popula��es e eram seguidas de surtos de febres pal�dicas, especialmente a mal�ria. Por isso a obra n�o foi conclu�da, ficou incompleta”, explica. Mais acostumado a aparar do ch�o os jardins e pra�as sob responsabilidade da prefeitura, o podador M�rcio Jos� Lima Martins brinca ao descer de mais uma sess�o entre os galhos mais altos da gameleira: “� outro clima l� em cima”.
Vistoria t�cnica realizada h� pouco mais de um ano pela Ger�ncia de A��o Preventiva do Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico (Iepha) orientou, al�m da poda, a execu��o de um projeto paisag�stico pelo munic�pio. Algumas das altera��es incluem melhorias na ilumina��o e a viabiliza��o do acesso a pessoas com necessidades especiais. Est� prevista tamb�m a contrata��o de vigias.
NOTAS DO PEDAL
Arte popular amea�ada
Express�o original da cultura popular �s margens do Rio S�o Francisco, os carranqueiros de Pirapora temem a extin��o da arte entalhada na madeira. Falta de apoio e desinteresse das novas gera��es reduzem n�mero de artes�os a cada ano. Um galp�o aberto dividindo o telhado com uma casa simples de paredes azuis abriga o local de trabalho da Associa��o dos Artes�os de Pirapora, fundada em 1987. Sentados sobre toras ou no ch�o coberto por uma camada de lascas de madeira, artistas populares entalham pe�as de tamanhos variados. S�o Francisco, Jesus Cristo, Nossa Senhora de F�tima e as tradicionais imagens de longos caninos s�o talhadas com paci�ncia. Em cerca de dois dias termina-se uma pe�a m�dia de at� quatro palmos. Em duas semanas ficam prontas as pe�as grandes, com at� um metro de altura.

Para Valdir Pereira (foto), de 43 anos, a arte do entalhe � tradi��o de fam�lia. Com aprendizado iniciado aos 8 anos, aos 11 j� tinha t�cnica aperfei�oada, tendo como mentor artes�o respeitado, conhecido como Tio Sabido, fundador da Associa��o dos Artes�os de Pirapora. “As carrancas de embarca��o olhavam para o rio, para espantar as m�s energias”, ele informa. Atualmente com cinco integrantes, no auge das atividades, nos anos 90, a entidade j� chegou a reunir 56 artistas. Esculpindo detalhes com uma faca, Luzia Carneiro, de 60, �nica mulher do grupo, avalia que este ano registrou o menor volume de vendas. Segundo ela, o trabalho manual dos jovens hoje se resume a dedos sobre smartphones. “� s� WhatsApp”, comenta, ao lado de uma crian�a com olhar fixo na tela.
DI�RIOS DA BICICLETA
A primeira gota de chuva
Se as dist�ncias entre as pequenas cidades no Norte de Minas criam dificuldades log�sticas para quem segue de bike, as estradas vazias compensam o esfor�o. Saindo de Cora��o de Jesus, onde fiquei na casa de um contato feito atrav�s do
Couchsurfing – rede social que conecta viajantes, sof�s e quartos vagos pelo mundo –, a mesma pessoa me consegue acomoda��o com uma amiga em S�o Jo�o da Lagoa, pr�xima cidade no trajeto. Para minha surpresa, o endere�o � de uma das duas pousadas da cidade, mas o pernoite com caf� da manh� sai gentilmente de gra�a. Saio cedo e me preparo para encarar 23 quil�metros de terra at� a LMG-674, trecho que se prova dif�cil, com momentos de arei�o e sol forte em c�u sem vest�gio de nuvens. Do alto do �ltimo morro se revela o Vale do S�o Francisco. De volta ao asfalto, tento esticar at� Barra do Guaicu� antes do fim do dia, mas, na mistura de cansa�o, falta de sinaliza��o e desinforma��o, tomo caminho errado. Caindo a noite na BR-365, o tr�fego pesado assusta. Ligo farol e alerta. Na porteira de uma fazenda, com o desvio somando mais de 15 quil�metros e um total de 100 quil�metros pedalados ao longo do dia, aceito a oferta do vaqueiro Waldimar e pernoito numa casa vazia da propriedade. Saio com o sol nascendo e passo pela Igreja de Pedra em Barra do Guaicu�, alcan�ando Pirapora no in�cio da tarde. Deixo a cidade tr�s dias depois, pela BR-496, rumo � Regi�o Central de Minas. A paisagem come�a a adquirir tom mais verde. Em V�rzea da Palma, pedindo informa��es, um motorista me oferece acomoda��o em Lassance, que me foi �til � noite. Chegando a Corinto num domingo, vejo a primeira gota de chuva em toda a viagem. Em Curvelo, outro contato me oferece uma casa rec�m-alugada, para a qual se mudaria em alguns dias. Hora de contar a hist�ria sobre o disputado cora��o de Minas.