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Estado de Minas EXTREMOS GERAIS

Conhe�a a hist�ria de uma cidade planejada em pleno sert�o de Minas

O Estado de Minas seguiu os caminhos de Jo�o Ge�logo, um desbravador que percorre longas terras pelo sert�o do estado em sua bicicleta


postado em 14/11/2016 11:00 / atualizado em 17/11/2016 08:04

Mateiro experiente, João contou com a ajuda da bike para mapear rico acervo arqueológico da área(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Mateiro experiente, Jo�o contou com a ajuda da bike para mapear rico acervo arqueol�gico da �rea (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

Quem se anima a subir na bicicleta e encarar movido apenas a pedal e determina��o os 29 quil�metros que separam Juven�lia, onde fica o ponto mais extremo de Minas Gerais, de Montalv�nia – uma cidade que esconde hist�rias de uma riqueza que beira o inacredit�vel –, mal pode imaginar que vai reencenar nas pedaladas alguns dos caminhos de um de seus pioneiros. � na parte sombreada ao lado do banco na Pra�a Maom�, no Centro da cidade, que se encontra, ao lado da insepar�vel bicicleta azul, Jo�o Ge�logo, precursor do descobrimento de s�tios arqueol�gicos que ainda hoje recebem visitantes de todo o Brasil, interessados na rica arte rupestre da regi�o.


A alcunha de Jo�o Ge�logo, nascido h� 76 anos Jo�o Elmiro Vieira, foi herdada da explora��o das cavernas com as inscri��es milenares e, mais tarde, da tarefa de guia de t�cnicos da Petrobras, depois que a abertura de um po�o artesiano “esbarrou em g�s”. Mas a primeira miss�o foi dada pelo fundador e personagem mais sensacional de Montalv�nia: Ant�nio Montalv�o, que planejou o munic�pio do norte-mineiro como cidade ideal e, ao executar seu projeto, escreveu uma hist�ria de utopia e misticismo que beira a fic��o. “Pra voc� v�, mo�o: eu e Deus que descobrimos sozinhos essas grutas, naquela �poca de dificuldade, mal agasalhado, enfrentando boca de on�a em burac�o de caverna”, conta ele, amigo de Montalv�o desde a inf�ncia.


Mateiro, conhecedor da regi�o, Jo�o Ge�logo recebeu em 1967 do fundador a tarefa de localizar pinturas rupestres escondidas em forma��es rochosas na mata fechada, hoje em parte devastada pela pecu�ria. Miss�o dada, durante quatro anos o pioneiro percorreu sozinho trilhas de gado e p�s de serra, pedalando uma bicicleta velha at� onde os caminhos deixavam, depois se embrenhando no mato munido apenas de fac�o, lanterna, p�o e latas de sardinha. Sa�a na segunda e voltava no s�bado. Recebia por descoberta, e encontrava alguma coisa quase toda semana. Os achados reportava a Montalv�o, que ent�o avaliava “o que era e o que n�o era”.


As dezenas de cavernas e lapas exibindo pain�is de arte rupestre encontradas gra�as �s pedaladas, � persist�ncia e �s noites maldormidas do Ge�logo revelaram s�tios arqueol�gicos que h� mais de 40 anos atraem estudiosos a Montalv�nia. Mas, muito antes deles, Montalv�o se ocupou de fazer a pr�pria avalia��o dos achados: em uma leitura m�stica, cuidou de divulgar mensagens que interpretava nas rochas gravadas h� mil�nios e descobertas por Jo�o nos anos 1960 e 1970.

Sem acreditar em Deus ou no diabo, Montalv�o se transformou ao tomar conhecimento das inscri��es e pinturas encontradas nas cavidades naturais espalhadas pelas matas vizinhas � cidade que fundara. Interpretou-as como sendo relatos de inova��es e dicas tecnol�gicas a serem decifradas, numa leitura criativa que unia ci�ncia, mitologia grega, divindades africanas, filosofia oriental e tecnologia extraterrestre. Vistos sob esse caleidosc�pio cultural, os s�tios arqueol�gicos seriam bancos de mem�ria contando toda a hist�ria do universo – passado e futuro inclu�dos.

A cidade mais s�bia do mundo




CA�ADA

Para descobrir mensagens de tamanha import�ncia, como nas andan�as que fazia ainda crian�a com o pai ca�ador – “quando �s vezes n�o sobrava tempo, porque come�ava a entrar a noite” –, Jo�o Ge�logo conta que se encostava a um pared�o e fazia fogo na frente, � guisa de se proteger de animais selvagens, como porco queixada, tamandu�-bandeira e, principalmente, on�a. “Tinha tudo isso, tudo uns animal perigoso, que enfrenta a pessoa conforme a hora, e destrangola a pessoa”, assevera.

Ele conta que, durante noites em claro, ouvia on�as rondando, urrando, �s vezes brigando entre si. “E eu ali ficava s�, com o fac�o junto e uma lanterna alumiando pro lado delas, pro rumo delas abrir fora de mim. Conforme Deus me protegeu, eu enfrentei essa temporada toda, essa m�o de obra a�”, descreve.

Preocupado com “o in�cio da destrui��o” que hoje amea�a as cavernas, algumas j� vandalizadas com rabiscos sobre as pinturas rupestres, Jo�o � seletivo com quem leva aos locais, batizados com nomes como Lapa Escrevida, Hidra de Seis Cabe�as, Lapa de Merc�rio, Labirinto dos Deuses Astronautas, Abrigo do Dinossauro, entre outros. “Gosto do sil�ncio. Aqui pra mim, quando t� andando nas vegeta��o, apreciando a natureza, vixe, pra mim � um ano de vida, n�o � nem um dia”, filosofa.

Pensadores a cada esquina

A filosofia em estado bruto de Jo�o Ge�logo se encontra, em n�vel mais refinado, literalmente espalhada pelas ruas de Montalv�nia. “Tracei meus pensamentos em forma de cidade”, escreveria Montalv�o sobre o plano urban�stico desenhado em pleno sert�o do Norte mineiro para a segunda cidade planejada do estado, depois de Belo Horizonte. Para os nomes das ruas foram escolhidos fil�sofos, profetas e pensadores, uma maneira de incentivar a popula��o a estudar hist�ria universal, procurando saber quem eram. Para boa parte dos habitantes, no entanto, ruas como Her�clito, Lao Ts� ou Rosseau s�o apenas endere�os dif�ceis de pronunciar. “Uns nomes horrorosos, que ningu�m entende o que �. Ant�nio era meio doido”, entende Erotides Francisca, moradora antiga que conviveu com o fundador.

O resultado � que, na linguagem das ruas, ningu�m conhece Rua Pascal, apenas a “Pascoal”. L�, o nome do pai da psican�lise, Freud, n�o se pronuncia “Fr�id”, mas como se l� na placa – Rua Freudi. O naturalista ingl�s Darwin as vezes � confundido com o renascentista italiano Da Vinci. Para o olhar atento, no entanto, s�o oferecidas algumas p�rolas da geografia urbana: o helenismo da Avenida S�crates, que apesar da pompa continua sem asfalto na Avenida Arist�teles; a Pra�a Cristo Rei encostada na Pra�a Maom�; a Rua Descartes que evolui para Rua Hegel; a Rua Nietszche paralela � Rua Schopenhauer... Para terminar, a Avenida Buda, n�o fosse um quarteir�o de Rua Kant, faria esquina com a Rua Maquiavel. A zona de maior conflito, mesmo a apenas um quarteir�o da pacifista Rua Ghandi, segue sendo a esquina das ruas Marx e Adam Smith, um cruzamento de violentas colis�es ideol�gicas entre os te�ricos do socialismo e do liberalismo econ�mico.

Di�rios da bicicleta

´Pioneiro sem saber’

 

Minha jornada pelo extremo Norte come�a com a bike desmontada e enfaixada em pl�stico bolha, partindo de Belo Horizonte num �nibus para Montalv�nia, �ltima rodovi�ria de Minas. Chego no dia seguinte, para completar a jornada de carro at� a divisa de Minas e Bahia. A partir de Feira da Mata (BA), a bicicleta � remontada e come�o a pedalar com o sol se pondo pela BA-594, que segue sem asfalto at� o entroncamento com a BR-030, tamb�m de terra, a sonhada Via Dom Bosco, que ligaria Bras�lia ao litoral baiano na Pen�nsula de Mara�. De noitinha alcan�o o Centro da pequena Juven�lia, cidade mais setentrional do estado. Na sequ�ncia, preciso encarar trecho de quase 30 quil�metros at� Montalv�nia, onde incr�veis hist�rias me aguardam. Entre os ciclistas, descubro Jo�o Ge�logo e sua Monark Barra Circular azul, na qual leva amarrado �lbum com fotos de d�cadas de expedi��es. Pioneiro sem saber, pedalou � frente de seu tempo, sem alforjes, pelas matas at� onde conseguia. Em suas miss�es procurando s�tios arqueol�gicos nas d�cadas de 60 e 70, lhe foi oferecido um cavalo, mas recusou, dando como certo que on�as atacariam o animal amarrado. Conseguiu uma bicicleta em que levava faca, lanterna e len�ol, al�m de parcas provis�es. Aos 76 anos continua pedalando diariamente, e �s vezes ainda pega a estrada procurando plantas medicinais na zona rural.


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