
Refere-se � esposa, Jucicleia, que se mudou com as crian�as para a cidade. A fam�lia se re�ne na fazenda apenas nos fins de semana, quando o vaqueiro os busca, para lev�-los de volta no domingo. A casa tem luz el�trica, �gua encanada e televis�o, mas celular n�o funciona direito. “Ultimamente t� ruim, s� �s vezes pega”, conta o anfitri�o. Por l�, companhia constante mesmo s� a do casal de vira-latas Fred e Lupita, a �ltima ainda filhote. Al�m da manuten��o de duas casas e dos gastos extras com transporte, Laurindo se queixa de chegar cansado da lida e ainda ter tarefas. “Preferia n�o precisar de cozinhar”, desabafa. Uma irm� j� teria pedido na prefeitura o transporte escolar, at� agora em v�o. “Como n�o deram retorno, tenho que ir fazendo desse jeito”, resigna-se.
MORROS, GADO E CAF� L� na outra ponta do mapa, no trecho de terra entre a cidade paulista de Joan�polis e Monte Verde, distrito do munic�pio mineiro de Camanducaia, uma porteira logo ap�s o marco da divisa � o primeiro sinal de civiliza��o que se avista entrando em Minas. “� do censo?”, pergunta o lavrador Celso da Silva Pires, de 45 anos, um dos dois moradores da propriedade de 35 alqueires. “� uma fazendinha”, completa, mineiramente, enquanto sorri, sob a supervis�o do labrador Spike. O irm�o mais velho, C�lio, volta s� � noite. Os dois nasceram no local e j� se acostumaram com a peculiaridade de viver em um canto meio esquecido de Minas. “O estado de S�o Paulo rodeia tudo por aqui”, afirma, no pequeno p�tio em frente � casa onde gr�os de caf� secam ao sol.
L� s�o 200 p�s de caf� e mais alguma lavoura, al�m de gado de cria. A fazenda acomoda, do Sul para o Norte, as primeiras montanhas de Minas. Subindo o primeiro morro se avista uma planta��o de batatas arrendada; o restante � pastagem. Celso conta que o pai herdou uma parte das terras e seguiu comprando mais. Na propriedade, mata nativa de meio alqueire permanece como reserva. “J� vi passar lobo-guar�, porco-do-mato, on�a... No ver�o tem cascavel nas pedras.”
O propriet�rio rural revela que o lugar recebe visitantes interessados na escalada. “L� de cima aparece Atibaia”, aponta. O Ribeir�o do Abel corre ao lado da casa, cercada de �rvores. Sobre o nome do lugar, o morador conta a hist�ria de dois antigos ca�adores da regi�o. Abel teria tentado assustar o colega armado na mata. “O companheiro o matou no susto. Ent�o, Abel virou nome do bairro”, explica.
Apesar da localiza��o em Minas, a refer�ncia para a comunidade � S�o Paulo. “Faz seis anos que fui a Camanducaia. � tudo em Joan�polis, m�dico, compra... Tudo.” Uma elei��o em dia de chuva foi a �ltima vez em que Celso tentou votar em Minas. Estradas de terra malconservadas, o relevo acidentado e a lama o fizeram encontrar a sess�o eleitoral j� fechada. “Votei no Alckim”, acrescenta ele, que transferiu o t�tulo de eleitor, em refer�ncia ao atual governador do estado vizinho.
Dos cinco irm�os, na fazenda s� restaram os dois homens. O pai, Bento, mudou-se h� um ano para Joan�polis; a irm� C�lia seguiu a mesma dire��o no in�cio de agosto passado. “Teve um assalto, aproveitaram que o marido n�o estava e amarraram ela. Eram tr�s da tarde. Aqui t� chegando malandro”, afirma Celso, em tom preocupado. Depois do incidente, o casal se mudou de vez para a cidade no estado vizinho, juntando-se �s duas filhas. Segundo Celso, a recente ocorr�ncia de roubos n�o se restringe ao bairro. “Nos outros � tudo a mesma coisa”, protesta. “Tinha que ter uma seguran�a aqui de dia. Mas seguran�a parece que � s� na cidade. Na parte do campo, n�o.”

Queixas do Norte fazem eco no Sul
Mais de 1,5 mil quil�metros separam as pontas norte e sul de Minas, mas as queixas dos vizinhos de S�o Paulo fazem eco entre os mineiros que moram ao lado da Bahia. Estradas intransit�veis, descaso e falta de seguran�a espreitam tamb�m quem anda pelas bandas do sert�o. Descendo pela Bahia no trecho da BR-135 que liga a cidade de Cocos � divisa com Minas, o caminhoneiro Cl�ber Luciano Avelino, de 38, j� pensava em n�o voltar. “� s� buraco, tem lugar que nem carro de boi passa”, reclamou. Devido ao receio de assaltos, a empresa o pro�be de rodar � noite na estrada.
O acesso na divisa dos dois estados � feito em Pitarana, distrito da cidade mineira de Montalv�nia, onde uma ponte de madeira h� tempos � alvo de protestos. O vereador Tita, que mora no local, aponta o hist�rico de acidentes e a falta de seguran�a na estrutura. Por duas vezes atearam fogo � travessia, conta ele, sempre na madrugada.
A revolta se agrava pelo fato de que a menos de um quil�metro dali corre paralelamente um trecho impedido da BR-135, com uma ponte de concreto nova e sem uso sobre o Rio Carinhanha, conclu�da h� cerca de quatro anos e que termina em uma barricada de madeira e arame farpado. “A ponte que vai a lugar nenhum”, como define Tita. O Dnit informa que j� foram feitas contrata��es, mas as obras da rodovia federal no lado baiano ainda n�o foram iniciadas.
Enquanto isso, apesar da sinaliza��o, pelo menos tr�s carros e um caminh�o j� teriam atravessado a barreira improvisada, em acidentes cujos vest�gios ainda s�o vis�veis. “O motorista vai em velocidade, n�o v� e passa direto”, conta Josias Rodrigues de Lima, de 79 anos, que se apresenta como propriet�rio das terras cortadas pela estrutura in�til. Ele afirma nunca ter sido procurado para tratar da continuidade das obras e lista em detalhes as planta��es e benfeitorias acumuladas. “Mudando minhas coisas, pode passar a estrada. � ela que vai valorizar a terra”, avalia.
NOTAS DO PEDAL
Se chover, para
Dos 66 quil�metros de estrada que v�o de Montalv�nia a Manga, no que seria o �nico acesso asfaltado ligando o extremo Norte ao restante do estado, 18 quil�metros ainda n�o pavimentados dificultam as viagens do motorista Klemerson Silva Santos, de 34 anos, que percorre diariamente a rodovia. “Quando come�a a chover, para”, conta. Apesar de obras na pista e novas previs�es de que o asfalto sairia em seis meses, ele permanece c�tico. “J� falaram que v�o entregar umas tr�s ou quatro vezes antes”, justifica.

Cidade dos jovens
A hist�ria da Escola Caio Martins (foto) � a hist�ria de Juven�lia, munic�pio mais ao norte de Minas. “A cidade se formou a partir da escola”, conta o programador Ada�lton Rodrigues de Souza, de 42 anos. Fundada em 1953 pelo coronel Manoel Jos� de Almeida, no comando de uma equipe que contava com um grupo de jovens escoteiros, a escola erguida no meio do sert�o logo come�ou a atrair fam�lias, que foram se instalando nos arredores. A refer�ncia � juventude se manteve no nome da cidade, emancipada h� apenas 21 anos. Hoje, estudantes se re�nem ao redor do wi-fi gratuito na pequena pra�a do Centro, pavimentado com pedras e cercado de ruas de areias brancas.
Primeira rua
Uma pequena ponte de concreto sobre o Rio Carinhanha, em um trecho n�o asfaltado da BR-030, � o acesso mais setentrional ao territ�rio mineiro. Providencialmente, a rodovia ganha o nome de Avenida Minas Gerais e segue por cerca de um quil�metro at� o Centro de Juven�lia. No lado mineiro da divisa, a Rua Jos� Reinaldo Sanchez segue paralela ao rio. � onde mora e pesca o pedreiro aposentado Domingos Rosa dos Santos, de 59 anos. “A paisagem � �tima, n�? Isso aqui mais uns anos vai virar condom�nio fechado e 'os pobre' vai sair tudo”, brinca. Sobre as dificuldades de viver no que chama de “cantinho do c�u”, ele menciona a “enchentezinha violenta do in�cio do ano”, e lembra tamb�m a falta de emprego e de cal�amento na rua. “Quando n�o chove � poeira; quando chove � lama”, critica, sem largar o sorriso. Preparando uma isca no fim da tarde, seu Domingos conclui que apesar de tudo, � um privilegiado: “Cidade grande � campo de concentra��o. Aqui � sossego”.

MBB (Mulheres Boas de Bola) � a �nica equipe de futebol de sal�o uniformizada de Juven�lia, e joga junta h� um ano e meio. O time conta hoje com 15 jogadoras, dos 15 aos 31 anos. Segundo o t�cnico Mike Pina, a equipe que come�a jogando depende do advers�rio. A escala��o do dia contava com Marlene no gol, Eliana e L�ia como fixos, Neia de piv� e Katyelle como ala. Os treinos ocorrem de segunda a quinta-feira, no Gin�sio Poliesportivo Coronel Reinaldo Veriano dos Santos, e �s vezes incluem partidas contra a equipe masculina do Pernas de Pau, batizada pelas pr�prias garotas. A maior rivalidade, por�m, � com a equipe do Meninas Esporte Clube (MEC), da vizinha Montalv�nia. O MBB conta com a boa vontade de comerciantes locais e empresas que doam coletes de treino e ajudam nas despesas de viagem. “O que nos une � a paix�o pelo futebol”, defende a goleira Marlene.