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Estado de Minas EXTREMOS GERAIS

Trecho da Estrada Real est� esquecido e degradado por motos e lixo

Trecho de via usada por bandeirantes e aberta em meados de 1700 � tema da sexta reportagem da s�rie que corta Minas de norte a sul de bike


postado em 18/11/2016 11:00 / atualizado em 18/11/2016 12:27

Motoqueiros cortam trilhas em área de reserva ambiental na Picada de Goiás, trecho aberto há mais de 300 anos, onde tráfego motorizado é proibido(foto: Túlio Santos/EM/DA Press)
Motoqueiros cortam trilhas em �rea de reserva ambiental na Picada de Goi�s, trecho aberto h� mais de 300 anos, onde tr�fego motorizado � proibido (foto: T�lio Santos/EM/DA Press)
Explorar Minas pedalando significa descobrir hist�rias inesperadas, gravadas pelos caminhos que rasgaram o estado por patas de cavalos, carro�as e p�s de bandeirantes, escravos, tropeiros e traficantes de minerais preciosos. Significa tamb�m perceber que sobre duas rodas pode-se apreciar natureza e hist�ria em cima de uma bicicleta ou degrad�-las, � for�a do torque motos cujos pilotos invadem �reas de acesso restrito em busca de aventura clandestina. Percorrendo esses caminhos, chega-se a Pitangui, uma das Sete Vilas do Ouro de Minas, e descobre-se mais: de l� partem ou por l� passam trechos de uma das estradas reais do estado. Mas, passados mais de 300 anos, eles est�o entregues ao abandono, � degrada��o e ao esquecimento – ao contr�rio da mais badalada via ligando Diamantina ao Rio de Janeiro.


Hoje o trecho da estrada real de Pitangui, caminho que ligava a cidade mineira ao Centro-Oeste do pa�s, batizado de Picada de Goi�s, serve n�o � mem�ria, mas como trilha de motocross e dep�sito clandestino de lixo. Aberta no in�cio do s�culo 18 por bandeirantes paulistas, a via foi o primeiro acesso ao Planalto Central do Brasil. Um projeto, idealizado pelo ge�grafo Leonardo Alves de Oliveira Silva busca resgatar essa hist�ria, banindo o desrespeito e fomentando o turismo na regi�o com a marca��o de rotas tem�ticas.

Caminhando em meio aos casar�es do Centro Hist�rico de Pitangui, considerada ber�o do Centro-Oeste mineiro, o escritor e compositor Jorge Mendes Guerra, de 70 anos, recorda os tempos de crian�a: “Minha v� puxava a guia, v�nhamos aproximadamente 15 meninos, cada um com uma garrafinha d’�gua”. A seca era brava, ele lembra, e a turma se reunia numa cruz ao lado da estrada estreita, fazendo promessas para a alma de um certo escravo Ivo, pedindo chuva. Somente l� pelos 30 anos, ele conta, “� que fui tomar conhecimento e entender a hist�ria da estrada real, incluindo o valor que ela tem”.

Hoje, duas placas sinalizam o in�cio do trecho da estrada hist�rica, no local conhecido como Reserva da Mata do C�u. A primeira avisa tratar-se de patrim�nio hist�rico e determina que n�o se jogue lixo. A segunda informa que a reserva � protegida por lei, proibindo ve�culos motorizados, desmate e queima. Adverte ainda que infratores estariam sujeitos a puni��o por crime ambiental e termina com um n�mero para den�ncias.

Subindo pela trilha, em poucos minutos se percebe que os dizeres das placas s�o letra morta. Logo se escuta o ronco de motores se aproximando em velocidade. Trata-se da primeira de v�rias levas de motoqueiros levantando poeira na terra fina. Por vezes, � necess�rio se encostar em barrancos por seguran�a, para escapar das motos, com far�is ligados mas quase sem visibilidade.

Menos de meia hora de subida na dire��o da Serra da Cruz do Monte e a trilha alcan�a amontoados de entulho, sacos rasgados com lixo dom�stico, garrafas quebradas, descarte de constru��o, peda�os de uma piscina de pl�stico, entre outros itens. No local funciona um bota-fora, onde o material � largado por conveni�ncia, uma vez que a cidade conta com dep�sito regularizado. A reserva fica exposta ao risco de inc�ndio, com cinzas espalhadas ao redor do lixo parcialmente queimado.

Pesquisador dos mais de 300 anos de hist�ria do munic�pio e respons�vel pelo blog “Daqui de Pitanguy”, Vandeir Santos acredita que, pela import�ncia hist�rica, a cidade “nunca teve o devido reconhecimento”. Fundada por bandeirantes paulistas reunidos ap�s a derrota na Guerra dos Emboabas, “Pitangui era a porta dos sert�es”, de onde homens seguiam para as minas de Goi�s, escapando da lei e da cobran�a de tributos.

Idealizador do projeto “Potencial Tur�stico na Regi�o da Picada de Goi�s”, o mestre em geografia pela PUC Minas Leonardo Silva cr� que um dos fatores que contribu�ram para a falta de conhecimento sobre a cidade estaria relacionado �s revoltas reprimidas pela Coroa Portuguesa entre 1718 e 1720, que teriam marcado a regi�o de forma negativa. “A Picada de Goi�s � t�o rica quanto a Estrada Real de Diamantina ao Rio de Janeiro”, explica Leonardo, citando o caminho mais conhecido atualmente sob o nome de Estrada Real, compreendendo trilhas oficializadas pela Coroa Portuguesa para o tr�nsito de ouro e diamantes de Minas Gerais a portos do estado vizinho. “Esta � uma estrada real tamb�m, por onde passou o ouro do Oeste de Minas e de Goi�s. Acontece que o projeto conduzido pela Fiemg (que instituiu a outra Estrada Real) s� levou em conta cidades com acervo hist�rico considerado, pelo fato de Diamantina e Ouro Preto serem patrim�nio da humanidade”, sustenta. Segundo ele, mesmo passado o Ciclo do Ouro e com a abertura do Caminho Novo entre Mariana e a capital fluminense, a picada do Oeste manteve import�ncia, ligando ranchos da regi�o e consolidando a anexa��o do territ�rio do Tri�ngulo Mineiro.

Enquanto o j� estabelecido Instituto Estrada Real contou com milh�es empregados no desenvolvimento e marketing da maior rota tur�stica do pa�s, que soma mais de 1.630 quil�metros em seus quatro caminhos, a Picada de Goi�s n�o teve investimentos. “Vai ser feito um trabalho inteiro para marcar a estrada, que vai demandar recursos”, adianta Leonardo.


Duas audi�ncias foram realizadas este ano, em Oliveira e Carmo da Mata, e em 2017 a ideia ser� apresentada tamb�m em outras localidades. “Dependemos de apoio, patroc�nio... Conversamos com prefeitos e empres�rios para levar adiante”, informa o idealizador. Os quatro caminhos principais a serem marcados e sinalizados incluem a Picada de Goi�s (Caminho Novo), o Caminho dos Sesmeiros, o Caminho de Pitangui e a Trilha dos Bandeirantes (Caminho Velho). A elabora��o de um calend�rio de festas tradicionais e manifesta��es culturais na regi�o j� foi conclu�da.

Caminho esquecido

O Caminho Novo da Picada de Goi�s foi aberto pela Coroa Portuguesa entre 1733 e 1736, e procurava encurtar a dist�ncia para quem vinha de S�o Paulo e Rio de Janeiro, at� ent�o obrigado a passar por Vila Rica, hoje Ouro Preto, numa jornada arriscada que durava mais de tr�s meses. Os outros tr�s caminhos alcan�am ou passam por Pitangui, o mais antigo sendo a Trilha dos Bandeirantes, aberto na �poca da funda��o do povoamento, em 1709. Caminho Velho e Caminho Novo se unem em Paracatu, no Noroeste mineiro, e seguem at� Goi�s. Considerando atrativos hist�ricos, naturais e culturais, na regi�o de Pitangui se destacam, al�m do casario colonial, a Igreja de S�o Francisco, do s�culo XIX, a Capela de Nossa Senhora da Penha do s�culo 17, visita��o de minas de ouro em On�a do Pitangui e o percurso de trilhas no cerrado, a p� ou de bike.

Nota do pedal


Entalhando sonhos

Um museu em Divin�polis guarda hist�rias e obras de Geraldo Teles de Oliveira, o GTO, mestre da arte popular brasileira revelado ao mundo nos anos 60 e 70. De origem simples, escultor mineiro iniciou produ��o art�stica aos 52 anos, entalhando em madeira vis�es que recebia em sonhos. Um instituto criado h� 15 anos preserva o legado do artista e promove a��es culturais voltadas para as novas gera��es. “Era uma pessoa da �rea rural, que s� capinava e mexia com ro�a, nunca teve contato com nada ligado a arte. Aos 52 anos, ele sonhou com algu�m falando o que tinha de fazer”, conta Alex Teles, neto de GTO, tamb�m artista pl�stico e diretor do museu.

(foto: Túlio Santos/EM/DA Press)
(foto: T�lio Santos/EM/DA Press)


DI�RIOS DA BICICLETA


Incentivo, solidariedade e ora��o


Descendo rumo ao Centro-Oeste mineiro, apertando o pedal em estradas com tr�fego pesado, sigo pela BR-135 saindo de Curvelo em dire��o a um dos cruzamentos mais importantes do estado, no trevo com a BR-040. Passo a noite na Pousada Trev�o, no posto de mesmo nome. Saindo cedo na dire��o do distrito curvelano de Angueret�, um andarilho sorrindo no acostamento ergue os bra�os e incentiva: “Vai na f�, irm�o”. Com o isolamento do Norte ficando para tr�s, n�o passa um dia em que caminhoneiros n�o buzinem, como que pontuando a cumplicidade em dividir a estrada, dando cr�dito ao ciclista por encarar tudo ali de baixo, sem boleia, motor ou para-choque. O meio do dia � gasto negociando uma estrada de terra larga, que corta imensas planta��es de eucalipto. Em trechos com lama � qual foi adicionada pedra ard�sia em cacos, produto comum na regi�o, para preservar pneus e paci�ncia prefiro empurrar a bike. Alcan�o Papagaios exausto e uma senhora se disp�e a me servir uma refei��o, mesmo encerrado o hor�rio de almo�o. Seguindo para Pitangui na manh� seguinte, numa estrada em obras, trechos de asfalto esburacado conseguem ser piores do que os de terra. Um colega de reda��o me acomoda na cidade hist�rica e me p�e a par de um pouco dos mais de 300 anos do lugar. Dois dias depois, de volta ao guid�o, aproveito uma parada em Concei��o do Par� para um cl�ssico da culin�ria mineira de estrada: p�o de queijo com lingui�a regado a caldo de cana. Sigo na BR-494 at� Divin�polis, maior cidade do trajeto. Com uma revis�o no equipamento feita em Curvelo, me informam que rodei mais de 200 quil�metros sem os parafusos do pedivela. Problema que, somado pelo atendente, � resolvido ao custo de “um aperto de m�o e uma ora��o bem feita”.


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