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Estado de Minas

Decis�o do STF que descriminaliza aborto divide opini�es

Advogados avaliam que senten�a do Supremo pode reduzir procedimentos clandestinos. Na C�mara, grupo de deputados contr�rios tenta neutralizar medida


postado em 01/12/2016 06:00 / atualizado em 01/12/2016 11:22

Primeira turma do STF entendeu que não é crime interromper a gravidez até o terceiro mês. Porém, decisão é para um caso isolado, não vale para todos(foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)
Primeira turma do STF entendeu que n�o � crime interromper a gravidez at� o terceiro m�s. Por�m, decis�o � para um caso isolado, n�o vale para todos (foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)
Ela estava prestes a se formar no ensino m�dio quando engravidou do primeiro namorado. Aos 17 anos, conta que viu o mundo desabar com a confirma��o de um beb� a caminho, principalmente porque tomava um rem�dio que causa a malforma��o dos fetos. Um familiar, profissional da �rea de sa�de, lhe informou que a crian�a n�o teria qualquer chance de sobreviver e, por isso, o aborto seria a melhor solu��o.

Hoje, aos 40 anos, a administradora de empresas L�via, nome fict�cio, n�o se arrepende: “N�o fazia sentido carregar um nen�m nove meses para ele nascer morto. N�o podia fazer isso comigo e ainda correr riscos”. Fosse anos atr�s, ela poderia ser beneficiada pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de n�o criminalizar a interrup��o da gravidez at� o terceiro m�s de gesta��o. Advogados consideram a decis�o um avan�o. Em Minas, mais de um ter�o dos abortos s�o provocados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).


A maioria dos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela soltura, anteontem, de cinco m�dicos e funcion�rios de uma cl�nica clandestina, presos em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ), entendendo n�o ser crime a interrup��o volunt�ria da gravidez at� o terceiro m�s.

Esse entendimento � para o caso espec�fico, mas abre um precedente in�dito no STF sobre o tema. Votaram com esse parecer os ministros Lu�s Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin, alegando n�o ser crime por violar os direitos fundamentais da mulher, bem como o princ�pio da proporcionalidade.

Na ocasi�o, Barroso disse: “Em temas moralmente divisivos, o papel adequado do Estado n�o � tomar partido e impor uma vis�o, mas permitir que as mulheres fa�am a sua escolha de forma aut�noma. O Estado precisa estar do lado de quem deseja ter o filho. O Estado precisa estar do lado de quem n�o deseja – geralmente, porque n�o pode – ter o filho. Em suma: por ter o dever de estar dos dois lados, o Estado n�o pode escolher um.”

Os registros de crimes por abortos feitos pela Pol�cia Civil ca�ram quase pela metade de 2014 para 2015. Foram 33 no ano passado, contra 65 no ano anterior, o que n�o significa uma retra��o no n�mero de casos. O advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Fam�lia (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira, lembra pesquisa do IBGE, de 2015, segundo a qual o estado registrou que quase 38,5% dos abortos s�o provocados.

Cunha explica que, pela decis�o, a criminaliza��o � incompat�vel com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que n�o pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gesta��o indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade f�sica e ps�quica da gestante, que � quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, j� que homens n�o engravidam e, portanto, a equipara��o plena de g�nero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa mat�ria.

“Os ‘fariseus’ que defendem a ‘tradi��o, fam�lia e propriedade’, s�o os mesmos que condenam � morte milhares de mulheres pobres que fazem aborto. Ora, ningu�m � a favor do aborto, mas t�o somente ao direito de faz�-lo, ou n�o. O aborto � livre no Brasil, basta ter dinheiro para pagar por ele.”

Ele afirma que o entendimento da Suprema Corte abre precedentes em todo o pa�s. “O intuito desse procedimento � a redu��o de processos analisados pela alta Corte, bem como a vincula��o do Poder Judici�rio da decis�o concedida pelo STF em casos similares em todas as inst�ncias. De toda forma, embora n�o vincule, abre um precedente de alta relev�ncia, pois a chance de ser apresentado um recurso e parar no STF � grande. Diante disso, provavelmente ser� tomada por base essa mesma fundamenta��o”, diz.

IMPACTOS Advogada tamb�m especializada em direito de fam�lia, Rosa Werneck acredita que a decis�o vai evitar muitos abortos clandestinos. “� um entendimento importante, porque n�o se pode fechar os olhos para o que existe por a�. As pessoas ainda olham o tema pelas quest�es religiosas, afetivas e n�o veem o problema social do pa�s. H� muitos abortos ilegais em que as mulheres ficam mutiladas.

Com esses casos de microcefalia causada por zika v�rus, h� mulheres que n�o d�o conta de enfrentar isso. Muitas est�o impossibilitadas de ter um filho por causa da situa��o de momento”, diz. Segundo ela, a experi�ncia de escrit�rio e de tribunais mostra que, pelo fato de as mulheres estarem sendo m�es em idade mais avan�ada, a maioria daquelas que resolvem n�o levar adiante a gravidez est� na faixa de 20 a 30 anos. “A quest�o social tamb�m est� falando muito mais alto.”

Rosa chama a aten��o, no entanto, para o impacto da medida. “N�o significa que est� liberado abortar a torto e a direito nem legalizar cl�nica de aborto. N�o � essa a decis�o do Supremo. Precisa direcionar, ver as implica��es e os requisitos para a mulher. Cada caso � um caso”, ressalta. O pr�prio ministro Barroso afirmou que n�o se trata de fazer a defesa da dissemina��o do procedimento: “Pelo contr�rio, o que se pretende � que ele seja raro e seguro”, afirmou.

Entre as clientes j� atendidas por Rosa, h� quem se submeteu a aborto e nunca mais conseguiu engravidar. Outra comprou o rem�dio abortivo, mas desistiu. E teve at� mesmo um marido que ajuizou a��o pedindo a interrup��o da gravidez depois de descobrir que a crian�a tinha uma s�ndrome. “A mulher foi firme e disse que preferia se separar a tirar a filha. Hoje, ele � louco com a menina. Ou seja, h� situa��es e situa��es.” A administradora L�via comemora: “� preciso parar de ver a quest�o apenas sob o aspecto religioso. H� muitos outros pontos envolvidos. � preciso evoluir nesse aspecto.”

Deputados reagem

Bras�lia – Representantes da C�mara e do Senado tiveram rea��es opostas � decis�o da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em n�o punir m�dicos que realizarem aborto at� o terceiro m�s de gesta��o, independentemente do motivo. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), declarou ontem que os magistrados agiram corretamente.

Antes, ainda na madrugada, horas depois do julgamento, o presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia anunciado a cria��o de uma comiss�o especial para analisar a legisla��o que regulamenta o aborto no pa�s. Muitos deputados se revezaram ao microfone do plen�rio da Casa para dizer que a decis�o do Judici�rio �, na pr�tica, “descriminaliza��o” do aborto no Brasil.

Rodrigo Maia anunciou criação de uma comissão para analisar a legislação sobre o aborto no Brasil(foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Rodrigo Maia anunciou cria��o de uma comiss�o para analisar a legisla��o sobre o aborto no Brasil (foto: F�bio Rodrigues Pozzebom/Ag�ncia Brasil)


Renan disse n�o ver problemas nos debates sobre o tema. Para ele, o Congresso apresentava “dificuldades” em encaminhar uma solu��o para a quest�o e coube ao STF deliberar sobre o assunto. O presidente do Senado tamb�m negou que o Judici�rio tenha invadido compet�ncias do Legislativo. “Quando o Congresso tem dificuldade para deliberar sobre um tema complexo, n�o acho ruim que o Supremo d� o seu entendimento”, disse. Segundo o presidente do Senado, isso s� n�o poderia ocorrer caso o Legislativo quisesse decidir contra a quest�o, por�m n�o seria este o caso.

Ao longo da sess�o plen�ria que entrou pela madrugada de ontem na C�mara, v�rios deputados criticaram a decis�o do STF, a maioria citando motivos religiosos. Ao julgar a pris�o de pessoas presas em flagrante em uma cl�nica de aborto, a 1ª Turma do tribunal aprovou o voto do ministro Lu�s Roberto Barroso, em que o magistrado afirma que a criminaliza��o do aborto nos tr�s primeiros meses de gravidez viola direitos fundamentais da mulher.

C�DIGO PENAL O l�der do PV, deputado Evandro Gussi (SP), afirmou que a decis�o do STF revoga o C�digo Penal, que s� admite a interrup��o da gravidez em caso de estupro e para salvar a vida da m�e. “Revogar o C�digo Penal, como foi feito, � verdade, num caso concreto, trata-se de um grande atentado ao Estado de direito. O aborto � um crime abomin�vel porque ceifa a vida de um inocente”, disse. O deputado Edmar Arruda (PSD-PR) referiu-se � religi�o para condenar a decis�o do STF. “N�s, que somos crist�os, que defendemos a fam�lia, que defendemos a vida, n�s n�o concordamos com essa decis�o”.
Renan Calheiros considerou que os magistrados do STF agiram de forma correta (foto: Jane de Araújo)
Renan Calheiros considerou que os magistrados do STF agiram de forma correta (foto: Jane de Ara�jo)


Depois da sequ�ncia de discursos condenando a decis�o do Supremo, o deputado Rodrigo Maia criou uma comiss�o onde se tentar� revert�-la. Para isso, ser� colocada em andamento uma proposta que altera normas de licen�a-maternidade em caso de nascimento prematuro. Deputados v�o discutir a Proposta de Emenda � Constitui��o 58/11, do deputado Dr. Jorge Silva (PHS-ES), que amplia o per�odo de licen�a-maternidade para compensar a quantidade de dias que o rec�m-nascido passar internado em raz�o de nascimento prematuro. Este, na verdade, ser� apenas um pretexto. Os deputados v�o tentar nessa comiss�o especial argumentar que o STF atropelou o Legislativo ao tratar de aborto.

O deputado Diego Garcia (PHS-PR), que foi o relator do Estatuto da Fam�lia, disse que o prop�sito � mesmo de anular a decis�o de ter�a-feira do STF. Para ele, o Supremo usou de prerrogativas do Congresso, respons�vel pela elabora��o de leis. “O STF rasgou a Constitui��o e tomou para si uma tarefa que � dos congressistas, sem consultar ningu�m. O objetivo com a comiss�o � mesmo reverter essa decis�o absurda do STF. E temos votos para derrubar no plen�rio, onde contamos com a presen�a de 300 deputados pr�-vida”, disse Diego Garcia.

“A cria��o da comiss�o especial � uma resposta dizendo: entendemos que h� uma prerrogativa que foi usurpada da C�mara, do Congresso, e vamos cumprir nosso papel. Se entendemos que houve uma interfer�ncia no Congresso Nacional nosso papel � legislar, seja ratificando ou retificando a decis�o do Supremo”, disse Rodrigo Maia. O presidente da C�mara pediu aos l�deres que indiquem logo os integrantes do novo colegiado, para que ele possa iniciar o seu funcionamento.

Entenda o caso

» Em mar�o de 2015, 10 pessoas foram presas em flagrante e uma cl�nica de aborto clandestina foi fechada numa opera��o policial em Duque de Caxias (RJ).

» Logo depois, o juiz deferiu a liberdade provis�ria aos acusados, considerando que as infra��es seriam de m�dio potencial ofensivo e com penas relativamente brandas. O Tribunal de Justi�a do Rio de Janeiro (TJ-RJ), por�m, acolheu recurso do Minist�rio P�blico e decretou a pris�o preventiva, mantida pelo Superior Tribunal de Justi�a (STJ).

» Em 2014, o relator do habeas corpus (HC) no Supremo, ministro Marco Aur�lio, deferiu medida cautelar para revogar a pris�o, posteriormente estendida aos demais r�us. No HC, a defesa alegou n�o estarem presentes os requisitos necess�rios para a decreta��o da pris�o preventiva, porque os r�us s�o prim�rios, com bons antecedentes e com trabalho e resid�ncia fixa.. Sustentou tamb�m que a medida seria desproporcional, pois eventual condena��o poderia ser cumprida em regime aberto.

» O m�rito do pedido come�ou a ser julgado em agosto, quando o ministro Marco Aur�lio votou pela concess�o do HC, confirmando sua liminar. Houve pedido de vista do ministro Lu�s Roberto Barroso.

» Ter�a-feira, o ministro Barroso concordou com as raz�es apresentadas pelo relator do HC.  Destacou, por�m, que � preciso examinar a pr�pria constitucionalidade do tipo penal imputado aos envolvidos, no caso, a puni��o “tanto o aborto provocado pela gestante quanto por terceiros com o consentimento da gestante”

» Para o ministro, o bem jur�dico protegido (a vida potencial do feto) � “evidentemente relevante”, mas a criminaliza��o do aborto antes de conclu�do o primeiro trimestre de gesta��o viola diversos direitos fundamentais da mulher, al�m de n�o observar suficientemente o princ�pio da proporcionalidade. Entre os bens jur�dicos violados, apontou a autonomia da mulher, o direito � integridade f�sica e ps�quica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de g�nero – al�m da discrimina��o social e o impacto desproporcional da criminaliza��o sobre as mulheres pobres.


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