
Com tempestades que n�o eram vistas desde a temporada 2011/2012 e precipita��o que em apenas 15 dias superou a m�dia hist�rica de todo o m�s em oito das nove regionais, foi refor�ado o alerta e o monitoramento em �reas de encostas de vilas e favelas e de ocupa��es, mas os principais problemas foram registrados na chamada cidade formal.
Os transtornos em bairros urbanizados v�m se traduzindo em alagamentos frequentes em grandes avenidas e em dramas como o dos moradores afetados pelo muro de arrimo que desabou parcialmente e avan�ou sobre dois blocos do Residencial Assun��o Life, do Camargos.
O coordenador do Centro de Pesquisas em Engenharia Hidr�ulica e Recursos H�dricos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Barreira Martinez, explica por que os desastres na capital mudaram de perfil. Segundo ele, h� casos de constru��es formais feitas em locais inapropriados e, muitas vezes, sem a t�cnica adequada para o tipo de terreno.
“H� locais que nem deveriam ser habitados. Em lugares de grande declividade, seria preciso usar o bom senso e n�o ocupar. Cabe ao poder p�blico estabelecer esses limites e fiscalizar”, afirma. Em casos como os desabamentos recentes, o especialista faz uma cr�tica.
“Ningu�m constr�i para cair. Se caiu, � porque algo foi feito errado. Seja no momento da obra ou porque o im�vel foi afetado por uma constru��o vizinha”, afirma, lembrando que mesmo para locais de dif�cil ocupa��o, a engenharia tem solu��o t�cnica para que se construa de forma segura.
O fato � que cenas antes observadas em Belo Horizonte apenas em �reas de ocupa��o irregular come�aram a fazer parte do cotidiano de habitantes de �reas urbanizadas. Ontem, no Condom�nio Assun��o Life, um grande empreendimento na Rua Blenda, no Bairro Camargos, moradores que j� tinham iniciado a retirada de roupas e objetos pessoais dos apartamentos dos blocos 13 e 14 conclu�ram a remo��o de tudo o que era poss�vel, sob monitoramento de vistoriadores da Defesa Civil.
A todo momento estalos eram ouvidos no muro que cedeu parcialmente e a equipe do Estado de Minas testemunhou torr�es de terra se soltando do ponto onde a estrutura come�ou a ceder.
O terreno onde est�o os 34 edif�cios do residencial � bem �ngreme, e a Construtora Tenda, respons�vel pelo empreendimento, optou por criar v�rios n�veis para lidar com a declividade. Mesmo assim, a t�cnica n�o evitou a degrada��o da estrutura do muro de arrimo que segura uma das encostas dentro do lote.
A estrutura de conten��o est� bem atr�s dos blocos 13 e 14 e ruiu parcialmente na quarta-feira � tarde. Antes disso, a Defesa Civil j� tinha detectado o risco e conseguiu tirar os moradores de todos os apartamentos. Como pelo menos quatro unidades estavam vazias, 36 fam�lias foram removidas.

O vistoriador da Defesa Civil Marcos Vin�cius Vit�rio explicou que a atitude era necess�ria devido � possibilidade de o muro prejudicar o edif�cio. “Como a estrutura do pr�dio � autoportante, ela n�o aguenta pancada e por isso houve a interdi��o”, afirma.
Al�m dos 40 apartamentos, a �rea privativa no primeiro andar de um im�vel do bloco 25 foi isolada, poque h� ind�cios de que parte de um muro acima do que j� tem problemas tamb�m pode ceder. O analista fiscal Sawel Peres de Assis, 32 anos, � o dono desse apartamento e n�o dormiu na noite de quarta para quinta-feira, com medo de que algo pudesse acontecer.
“Desde quando a construtora entregou esse condom�nio ele tem problemas. E eles s� fazem remendos. N�o tem jeito de ficar aqui mais. Hoje (ontem) � meu primeiro dia de f�rias. Eu j� havia me planejado para terminar uma constru��o na minha �rea privativa e olha o que acontece”, disse ele, que vai ficar provisoriamente na casa da m�e com a mulher e o filho.
COMBINA��O O coordenador da Defesa Civil municipal, coronel Alexandre Lucas, afirma que o problema no condom�nio � resultado da soma de problemas construtivos com as chuvas at�picas do per�odo. “Entendemos que a responsabilidade t�cnica da engenharia em empreendimentos como esse deveria garantir a aus�ncia de risco”, afirma. Ele recomenda ainda que moradores de todas as �reas da cidade fiquem atentos e adotem medidas de autoprote��o individuais e coletivas.
Para o coordenador, a redu��o de danos em �reas de vilas e favelas tem a ver com o trabalho feito ao longo dos �ltimos anos. “Isso depende do regime de chuvas (se mais intenso ou n�o), mas tamb�m tem a ver com o cuidado com �reas mais cr�ticas. A Urbel (Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte) faz um trabalho de preven��o em vilas e favelas. Isso diminuiu o risco nesses locais”, afirma.
Moradores relatam
decep��o e preju�zo
Gr�vida de sete meses, a engenheira mec�nica Let�cia Ferreira, de 28 anos, j� tinha come�ado a tirar as coisas na quarta-feira do apartamento interditado no Bairro Camargos, mas ontem aproveitou para encher o carro com roupas, mantimentos e objetos pessoais.
“Em setembro de 2015, a Defesa Civil interditou o muro. O s�ndico entrou em contato com a Tenda e a empresa descartou o risco. De tr�s meses para c�, o s�ndico est� monitorando quase em tempo real a situa��o e a Defesa Civil interditou os apartamentos antes de parte da estrutura cair”, afirma. “Eu tenho m�veis na minha casa cuja presta��o ainda estou pagando e o hotel que a construtora ofereceu n�o tem a infraestrutura que a gente precisa. Vou acionar meu advogado para ver o que pode ser feito”, afirmou.
O auxiliar administrativo Itamar Vieira de Araujo, de 34, comprou o apartamento na planta ainda em 2010 e se lembra de que, quando conheceu o terreno, s� havia morros. “O corretor me assegurou que tudo ficaria da maneira correta. A gente compra na expectativa de ter a casa pr�pria e acontece isso. Eu lutei tanto para ter isso aqui e desde que entrei tive problemas. Na verdade, eu n�o quero mais ficar neste apartamento”, afirma Itamar, que mora com a mulher e um filho

Pedro Lara, de 30, que � designer, e Isabela Lara, de 30, enfermeira, tamb�m tiveram que retirar os pertences do apartamento 503 do bloco 13. “Vamos para a casa da minha m�e, mas n�o � um bom momento para isso, porque minha irm� est� voltando a morar com ela, com um filho. Acho que ningu�m vai querer ficar aqui mais”, diz Pedro.
O coronel Alexandre Lucas anunciou que um t�cnico da Associa��o Brasileira de Mec�nica de Solo vai ajudar nas an�lises para saber se � realmente necess�rio manter os dois pr�dios interditados, assim como a �rea privativa do apartamento do bloco 25. “N�s n�o podemos estabelecer prazos (para reconstru��o do muro), porque at� o regime de chuvas influencia no processo de constru��o seguro. A gente acompanha porque deixar pessoas fora de suas casas � um preju�zo social imenso e um dos objetivos da Defesa Civil � evitar isso”, completa o coronel.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a construtora Tenda informou que “providenciou a remo��o das fam�lias para um hotel e que est� prestando toda a assist�ncia necess�ria aos moradores do residencial”. A empresa acrescentou que mant�m uma equipe dedicada a esclarecer as causas do desmoronamento.
Enquanto isso...
...Mais �gua para a
mesma drenagem
Para o coordenador do Centro de Pesquisas em Engenharia Hidr�ulica e Recursos H�dricos da UFMG, Carlos Barreira Martinez, os alagamentos que t�m castigado Belo Horizonte nas �reas de fundo de vale chamam a aten��o para o aumento da impermeabiliza��o do solo. “Al�m de obras n�o estarem sendo feitas para aumentar os sistemas de drenagem, cada vez mais a �gua corre pela superf�cie, sem penetrar no solo. O poder p�blico tem que pensar, para al�m de construir galerias e bacias de deten��o, em aumentar essa permeabilidade”, afirmou. O especialista diz ainda que � preciso com urg�ncia repensar a ocupa��o da cidade: “Se esse avan�o desenfreado continuar, a situa��o no futuro ser� ainda pior. Porque basta ter per�odos mais secos para que as pessoas se encorajem a ocupar �reas de maior vulnerabilidade para desastres. E, quando vem a chuva, essas �reas viram cen�rios de trag�dias anunciadas”, diz.