Um desses medicamentos � o Zavesca (Miglustat), usado no tratamento da Niemann-Pick Tipo C (NP-C). Doen�a progressiva e neurodegenerativa, a NP-C se caracteriza por ser uma condi��o gen�tica heredit�ria rara, na qual as pessoas n�o conseguem metabolizar corretamente o colesterol e outros lip�dios (mol�culas gordurosas) dentro de suas c�lulas. Como resultado, quantidades nocivas de colesterol se acumulam no f�gado e no ba�o, e quantidades excessivas de outros lip�dios se acumulam no c�rebro. O Zavesca � o �nico medicamento dispon�vel no Brasil para tratar a doen�a e sem ele o paciente corre risco de morte.
De acordo com a Associa��o Niemann-Pick Brasil (ANPB), desde outubro, a Secretaria de Estado de Sa�de (SES) n�o distribui a medica��o. A falta do rem�dio provoca a degenera��o do sistema nervoso e grave comprometimento neurol�gico, afetando principalmente a fala e os movimentos. Pela tabela da C�mara de Regula��o do Mercado de Medicamentos (Cmed), �s secretarias estaduais e municipais e ao Minist�rio da Sa�de ele � vendido ao pre�o m�ximo de R$ 14.422,31. Nas farm�cias, custa R$ 27,5 mil. No Brasil, a NP-C acomete 94 pessoas, das quais seis em Minas Gerais. Quarenta casos est�o na Justi�a.
Entre esses pacientes est� o adolescente Ramon Von Rondove Roque Dias, de 18 anos, morador do Bairro Let�cia, em Venda Nova. J� em 2010, ele dava alguns sinais na escola, por n�o conseguir acompanhar o ritmo dos colegas, e em casa, ao vomitar constantemente. Em 2012, a m�e, a recepcionista Raquel Von Rondove, de 46, come�ou a investigar o problema e, h� tr�s anos, o diagn�stico foi cravado. Em 2014, o garoto come�ou a tomar o Zavesca, mas desde outubro do ano passado n�o tem mais acesso a ele. “S�o duas caixas por m�s. No in�cio de outubro peguei uma, me pediram para voltar 15 dias depois para a segunda e j� n�o consegui mais”, conta Raquel.
A falta do rem�dio gerou complica��es e levou Ramon a ficar internado um m�s e dois dias no hospital S�o Lucas, de onde saiu no �ltimo dia 6. Ele foi acometido por uma pneumonia por engasgos com alimentos que pararam no pulm�o. Agora, usa sonda para se alimentar. O jovem, de 1,82 metro de altura, pesa, atualmente, 45 quilos. A m�e teve de deixar o emprego para se dedicar aos cuidados com o filho. E n�o bastassem todas os problemas de sa�de, que envolvem ainda a compra nas farm�cias convencionais de outros rem�dios de uso di�rio, Raquel ainda vai enfrentar na Justi�a o motorista Ramon Roque Dias, que os abandonou sem qualquer assist�ncia ao filho. A expectativa de ter novamente o Zavesca teve novo cap�tulo de frustra��o esta semana. “Estava marcado para chegar dia 14, mas um dia antes recebi uma liga��o dizendo que n�o havia chegado. Pediram para ligar dia 23, mas ressaltaram que n�o h� previs�o de ter a medica��o”, conta.
Calv�rio
Moradora de Contagem, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, a servi�os gerais Ros�ngela Proc�pio Carvalho, de 33 anos, enfrenta h� sete anos uma luta ao lado do filho Iago Linhares Carvalho Lopes, de 15, tamb�m diagnosticado com a NP-C. A doen�a s� foi descoberta quando o garoto tinha 8 anos, �poca em que ele come�ou a ter na escola regress�o da fala, coordena��o motora e aprendizagem. Em tratamento no Hospital Infantil Jo�o Paulo II, na �rea Hospitalar, em BH, o diagn�stico veio depois de uma bi�psia da pele. “A Justi�a demorou quase dois anos para deferir a senten�a Nesse per�odo todo, meu filho ficou sem o rem�dio”, conta.
A presidente da Associa��o Niemann-Pick Brasil (ANPB), Rejane Machado, m�e de uma jovem de 20 anos que tamb�m tem a doen�a conta que a situa��o piorou nos �ltimos tempos. “Antes, pression�vamos e o resultado vinha, por causa do medo de aparecer na m�dia. Agora, nada mais comove e os governos t�m a desculpa perfeita, que � falta de dinheiro para comprar os medicamentos. A situa��o vem se agravando em v�rios lugares do pa�s”, relata. Minas registra o per�odo mais longo sem o rem�dio (oito meses), de acordo com a associa��o. H� casos de interrup��o no fornecimento tamb�m em Pernambuco, S�o Paulo e Cear�, de dois meses para c�. “Al�m de vivermos uma luta com a doen�a, o governo, que poderia suavizar um pouco esse sofrimento, nos faz viver ainda mais a incerteza, a inseguran�a, o descaso e o desrespeito.”
H� 15 dias, uma menina de 8 anos morreu em Pernambuco pela falta do rem�dio. “A fam�lia se virou como p�de por um per�odo, m�es da associa��o contribu�ram como puderam e houve doa��es, mas chegou um momento que n�o tinha mais de onde tirar o dinheiro. O tratamento foi interrompido e a Maria Paula n�o resistiu”, conta Rejane. Atualmente, o �nico sem acesso ao rem�dio � o mineiro Ramon, que assim como Iago, recebe o medicamento pela SES. Os outros t�m o processo vinculado � Uni�o – por lei, o pedido de rem�dios para doen�as raras s� � feito via judicial, deixando o calv�rio ainda mais moroso.
De acordo com Rejane, n�o tem havido problemas com o fornecimento via Minist�rio da Sa�de, por isso, o setor jur�dico da ANPB estuda transferir todas as a��es para a esfera federal. “Mais triste � que a gente cobra, a secretaria responde que est� em processo de compra, mas onde? Precisa de uma resposta e r�pida. A doen�a n�o espera, ela � progressiva e grav�ssima. N�o mata da noite para o dia. A crian�a vai padecendo lentamente, at� chegar num estado vegetativo. O rem�dio freia a doen�a, estabiliza no n�vel que est� e permite ao paciente viver com qualidade de vida.”
Saiba mais
Teste pela vis�o
A NP-C pode se manifestar em qualquer idade, afetando beb�s, crian�as, adolescentes e adultos. Segundo especialistas, a sobrevida m�dia estimada em pacientes, depois do diagn�stico, � de 16 anos, e sem tratamento espec�fico essa sobrevida � bastante reduzida. O exame conhecido como avalia��o do movimento ocular, capaz de detectar a paralisia do olhar vertical, � um das maneiras de diagnosticar. Basta pegar um objeto ou o dedo indicador e movimentar na vertical (para cima e para baixo). A pessoa a ser examinada deve acompanhar o objeto, com o olhar, e fazer o movimento, sem mexer a cabe�a. Caso n�o seja capaz, fique alerta e procure um especialista para exames mais completos. Al�m da paralisia do olhar vertical, o paciente pode apresentar dificuldades em engolir, fala arrastada e irregular, desequil�brio e falta de controle muscular, quedas frequentes, decl�nio intelectual progressivo, entre outros sintomas.
O imposs�vel
Pelos filhos, m�es movem c�us e terras. � o caso da advogada Marli Antunes de Lima, de 49 anos, moradora de Belo Horizonte, que faz o imposs�vel para garantir o bem-estar e a n�o interrup��o dos medicamentos de uso cont�nuo do menino Miguel de Sousa Lima, de 7, para tratar as consequ�ncias de um tumor no c�rebro. Ele precisa de uma inje��o de horm�nio que custa R$ 600 e n�o se encontra dispon�vel na farm�cia do estado. No munic�pio, a briga � para o fornecimento de um anticonvulsivante, tamb�m em falta.
O menino toma a inje��o de Leuprorrelina mensalmente desde 1 ano e 7 meses de vida. A �ltima dose que recebeu foi em abril. Foram v�rias tentativas, reclama��es e liga��es at� uma boa not�cia, h� 15 dias, de que a medica��o havia chegado. Mas, ao ir � farm�cia do estado para busc�-la, saiu de m�os vazias. Pela Prefeitura de BH, a batalha � pelo anticonvulsivante Oxcarbazepina (Trileptal), que ela deveria pegar no Centro de Sa�de Nossa Senhora Aparecida, no Bairro S�o Lucas, Regi�o Centro-Sul da capital. Mas, desde novembro, o rem�dio est� em falta. Miguel toma quatro comprimidos por dia e, a caixa com 20, suficiente para apenas cinco dias, custa R$ 90. As 120 dr�geas mensais saem ao pre�o de R$ 540, que somado �s terapias que o garoto faz, pesam no bolso da m�e.
“Quando tem no posto, nunca consigo os 120 de que ela precisa. Em mar�o, havia um movimento na Pra�a Sete (no Centro) sobre o assunto, fiz uma reclama��o e apareceu uma caixa quase vencendo. N�o me d�o um documento formalizando a falta do medicamento. No telefone 156, os atendentes n�o sabem explicar, e na Ouvidoria, de nada adiantam as reclama��es. Tenho cart�o de cr�dito e pago de tr�s vezes. Mas e quem n�o tem condi��o alguma?”, questiona. “O que justifica o governo n�o comprar essa medica��o? � uso constante. O Miguel ter� que tomar pelo resto da vida. O problema � oferecer um servi�o e n�o cumprir. Se falasse que n�o pode fornecer, n�o criar�amos expectativas”, diz.
Marli est� disposta a ajuizar uma a��o judicial, caso o anticonvulsivante n�o esteja dispon�vel nos pr�ximos dias. Mas desanima com o tr�mite: “Eles cumprem um m�s e no seguinte temos que acionar a Justi�a de novo. Evito fazer isso, porque sei que ser� mais um problema”.
Respostas
Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Sa�de (SES) informou que o medicamento “Zavesca” (Miglustat), na listagem dos rem�dios para doen�as raras, padronizados pelo Minist�rio da Sa�de, foi incorporado para o tratamento de Doen�a de Gaucher. Nesse caso, pode ser solicitado por via administrativa, pelo programa Farm�cia de Todos. Mas, para tratar a Doen�a de Niemann-Pick tipo C (NP-C), a solicita��o do Zavesca se d� por meio de via judicial, por ele n�o ser um medicamento indicado pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) para tratar a doen�a.
A doen�a, progressiva e neurodegenerativa, acomete seis pacientes em Minas Gerais, dos quais dois, Ramon Von Rondove, de 18 anos, e o Iago Linhares Lopes, de 15, dependem do fornecimento via estado. “Sendo assim, informamos que o medicamento se encontra na fase do processo de compra”, diz o texto. A previs�o era de que o Preg�o Eletr�nico 132112-71-2017 fosse feito na semana passada. No preg�o, “consta o medicamento Miglustat 100mg (Zavesca), para atendimento a diversos pacientes, dentre eles, os pacientes Ramon Von Rondove e o Iago Linhares Lopes”, afirma a nota.
A SES informou ainda que, atualmente, o edital est� em an�lise pelo setor jur�dico e, caso o parecer seja favor�vel, ser� ent�o publicada a abertura da sess�o para lances. Sobre a inje��o Leuprorrelina, acrescentou que uma distribui��o complementar do medicamento para a Farm�cia Regional Belo Horizonte estava em andamento e a previs�o era de que at� ontem estivesse dispon�vel para dispensa��o.
A Secretaria Municipal de Sa�de, tamb�m por meio de nota, disse que j� come�ou um novo processo de compra para atender os pedidos em rela��o � oxcarbazepina. “O fornecedor contratado respons�vel pela entrega j� foi penalizado pela SMSA devido ao atraso no fornecimento”, afirma. Acrescentou que a pasta oferece outros anticonvulsivantes, dentre eles o clobazam, carbamazepina e �cido valproico. “Cabe ao m�dico verificar a possibilidade de substitui��o terap�utica, e a avalia��o deve ser feita caso a caso”, conclui a nota.