
Moradora do Bairro �gua Branca, em Contagem, na Grande BH, Elite tem sa�de perfeita e “vai viver muito”, confia Aldelite com firmeza, antes de informar que a m�e precisa de algu�m “de olho” nela o tempo todo: “N�o pode ficar sozinha em casa. Nunca. Nem mexer no fog�o, ficar com a chave da porta. A dem�ncia dela � uma doen�a mais branda do que o Alzheimer, por�m o paciente se esquece de tudo; pode deixar o g�s da cozinha aberto, por exemplo”. Sem perder o pique, o instante do rem�dio da m�e e o bom humor para tocar o barco, a filha tem muita hist�ria para guardar. “Aqui, somos a Tropa de Elite”, brinca com o t�tulo do filme famoso e revela que seu nome resulta da jun��o das primeiras s�labas de Aldemar, o pai falecido, e as �ltimas da m�e. “�ramos quatro filhos. Minha irm� Eulana morreu h� um ano e meio, ficamos eu, Roberto, que trabalha o dia inteiro, e F�bia, residente em Londres, na Inglaterra, e com um filho autista.”

Desgastes f�sico e emocional s�o frutos naturais da vigil�ncia permanente, e Aldelite sabe disso de cor e salteado. “O que te move? “, pergunta o rep�rter. Antes que a filha responda, Elite, at� ent�o apenas sorridente na sala de visitas, levanta os olhos do livro, interrompe o di�logo e responde: “Amor”. Os olhos da confeiteira brilham e os l�bios se comprimem at� completar a palavra. “Amor e muita responsabilidade. Estou sempre presente, me mudei para c� de mala e cuia e avisei ao meu marido, Manass�s, que entendeu bem desde o come�o. Meu filho, Jo�o Gabriel, de 12, tamb�m compreendeu e ajuda a cuidar da av�”. Para aliviar a barra, Aldelite tem seu segredos. “Converso muito e sou boa ouvinte. Leio meus livros esp�ritas, gosto demais de dirigir (carro) e de cantar”.
TODOS OS MOMENTOS Nos hospitais, carinho e aten��o andam de bra�os dados. No corredor da ala de enfermaria, marido e mulher caminham como dois namorados. Passos lentos, olhos nos olhos, tom de voz baixo. “N�o disseram que era para ser assim? Na alegria e na tristeza, na sa�de e na doen�a ...”, argumenta Paulo Alves dos Reis, de 62, mec�nico desempregado, que n�o desgruda da mulher, Marisa Gomes Crispim Reis, de 56, professora aposentada. H� sete anos, ela se submete a um tratamento contra c�ncer, no Hospital Luxemburgo, unidade do Instituto M�rio Penna, na Regi�o Centro-Sul da capital.

Com a voz enfraquecida pelas interven��es, Marisa se declara uma pessoa muito agitada. “Pouca gente tem a paci�ncia que ele tem”, olha com suavidade para o marido. Mais dois passos e Paulo responde que algu�m precisa segurar a barra. “Estou desempregado, a� posso ficar por conta dela. At� dou banho. Mas se aparece algum servi�o em Curvelo, para ganhar um dinheirinho, os filhos assumem o posto”.
E l� v�o os dois pelo corredor, desta vez sem o brilho nos olhos que faz a alegria de muitos casais. Quem passa n�o deixa de notar a uni�o de Paulo e Marisa que, desta vez, chegaram em 16 de agosto para o tratamento. Agora, � esperar a melhora e voltar para casa.
Pilares da supera��o
Ao cuidar da irm� que combate um c�ncer, Fabr�cia, de 22 anos, virou, como outros familiares que se dedicam a parentes enfermos, a refer�ncia da adolescente no enfrentamento � doen�a
A tarde come�a a esfriar, mas a adolescente Larissa Costa dos Santos, de 16 anos e estudante do 1º ano do ensino m�dio, n�o esquenta a cabe�a. Diante de uma tigela de a�a� com granola e banana, usando short jeans, blusa sem manga e sand�lia rosa, ela aproveita o fim do dia, numa lanchonete do Bairro Vian�polis, em Betim, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). � mesa, est�o o irm�o Dionei, de 18, a irm� Fabr�cia, de 22, e o cunhado Darlivan. Com tranquilidade, conta parte da sua hist�ria, plena de desafios e exigente em coragem. “Em 4 de setembro (hoje), vou fazer a terceira cirurgia no pulm�o”, diz Larissa sem alterar o tom da voz e demonstrando que, mesmo num sofrimento extremo, mais vale lutar para superar as adversidades.
Desde o in�cio de seu calv�rio particular, Larissa tem o apoio da irm� Fabr�cia, casada h� cinco anos e fiel escudeira. Tudo come�ou no fim de 2014, quando a garota bonita, ent�o com 14 anos, foi diagnosticada com um c�ncer �sseo (sarcoma), o que levou � amputa��o da perna direita na altura do quadril. N�o bastasse a perda, teve que se submeter � primeira interven��o no pulm�o para retirada de tumor, enquanto a m�e estava internada para tratamento de hansen�ase. O destino foi implac�vel, e um m�s depois, os tr�s irm�os ficaram �rf�os, j� que h� muitos anos perderam o contato com o pai.

Mais uma colherada no a�a� e Fabr�cia revela que todas as dificuldades se tornam um aprendizado. “S�o novas experi�ncias”, resume. No per�odo de dificuldades, veio o desemprego do marido Darlivan, que, “felizmente, est� trabalhando h� tr�s meses”. Larissa ouve os relatos com aten��o, s� tem a agradecer. E faz planos. Pretende se formar em direito e ganhar a vida, por uns tempos, como modelo. “Quero ajudar as pessoas, assim como sou ajudada”, observa, enquanto alisa a ponta dos fios da peruca pintados de um azul-esverdeado, como os cabelos de muitas meninas da sua idade. “Depois do tratamento, o cabelo cresce novamente”, diz sem preocupa��o e destaca que o namorado tamb�m d� muito apoio.
CUMPLICIDADE “Estar junto no adoecimento de uma pessoa ajuda na supera��o”, avalia a diretora de Humaniza��o do Instituto M�rio Penna, Maria �ngela Ferraz. Filha de Beatriz Ferraz, fundadora da casa de apoio que leva seu nome, Maria �ngela, formada em direito, conheceu esse quadro ao acompanhar por dois anos a enfermidade da m�e, falecida em 2012. “Vivia dentro do hospital, mas n�o me arrependo. O paciente precisa ter, ao lado, uma pessoa da fam�lia, uma refer�ncia de apego”, afirma, lembrando que, para n�o ficar doente tamb�m, � fundamental o cuidador ter um prop�sito.
“A motiva��o � o amor. E o cuidador nunca pode dar a impress�o, para o paciente, de que ele � um fardo”, diz Maria �ngela, que atua estritamente na �rea de humaniza��o. “Entre o paciente e o cuidador forma-se uma rela��o de cumplicidade. Isso reduz o desgaste, embora, se necess�rio, a pessoa deva procurar aux�lio psicol�gico”, afirma. Para dar conta do recado, especialistas e cuidadores d�o algumas dicas (veja quadro acima).
VIDA EM FAM�LIA Residente em Pains, na Regi�o Centro-Oeste de Minas, Juliana Costa Pereira, de 37, casada, est� ao lado da m�e Hilda Costa Pereira, de 77, que se recupera da cirurgia de retirada do rim e ur�ter esquerdos, na enfermaria do Hospital das Cl�nicas. Juliana se emociona ao falar da trajet�ria iniciada no ano passado. “Aqui tem anjos”, afirma. Ao lado, at� ent�o em sil�ncio, Hilda, que teve alta na ter�a-feira, d� um sorriso discreto e ensina que “est� tudo bem, poderia ser pior”. Ela se refere � outra filha, que perdeu a vis�o. “Mas ela faz de tudo em casa, cozinha e tem dois filhos, de 14 e 4 anos”, conta. Cat�lica, a moradora de Pains lembra que “Deus � tudo, e a fam�lia, unida”. Ao lado, enxugando as l�grimas e aproveitando a deixa, Juliana destaca que � fundamental a fam�lia ficar junto e, no hospital, fazer amizades.

Rosiane revela momentos de tens�o na hora de aplica��o de soros e medicamentos. “Com o tempo, ‘vai perdendo a veia’, a� � uma dificuldade”. Ouvindo a conversa, Maria do Socorro garante: “Deus prov�. E a veia aparece”. E, sem perder o humor, garante que, com o nome que tem, em qualquer emerg�ncia � s� gritar: “Help!” (socorro em ingl�s).
Na v�spera do seu anivers�rio, 25 de agosto, Leonardo Antunes, de 49, morador do Bairro Londrina, em Santa Luzia, na RMBH, tinha ao lado a mulher Rosane Antunes, de 52. V�tima desde 2015 de um tumor no es�fago e internado no Hospital Luxemburgo devido a uma pneumonia, ele ganha cuidados redobrados da mulher. “Estou afastada do trabalho nestes dias para ficar com ele. Tudo o que a gente quer � ficar junto de quem precisa”, diz.
Palavra de especialista
Hellen Karlla de Campos, psic�loga
Responsabilidade, zelo e confian�a
“Cuidado envolve responsabilidade, identifica��o com a pessoa em estado de depend�ncia e adapta��o sens�vel �s necessidades dela. De maneira geral, � importante que o cuidador seja confi�vel e capaz de se colocar no lugar do outro. Confiabilidade � fundamental, pois vai mediar a rela��o; e significa pensar numa pessoa que se preocupa com a outra, com as necessidades dela e que se envolve com essa posi��o sem senso de superioridade. Quem cuida deve ser capaz de suportar as rea��es e afetos negativos que, por ventura, venham da pessoa em estado de fragilidade, sem se vingar dela. N�o se deve romantizar o cuidado, pois um cuidador suficientemente bom tamb�m vai cometer falhas; assumir as tarefas n�o implica esfor�o sobre-humano para n�o haver nada errado. Nessa atividade, as falhas tamb�m s�o importantes, pois sinalizam humanidade. O que configura uma situa��o delicada � quando h� falhas repetidas e um descuido da pessoa para reparar sua falta. O zelo em reparar uma falta mostra a quem est� em situa��o de fragilidade que algu�m se preocupa com ela.”

PARA DAR CONTA DO RECADO
>> Se for poss�vel, fa�a um revezamento com outros familiares que se deem bem com o paciente
>> Tire um tempo para voc� mesmo. Fique um tempo com a fam�lia, namore, passeie, cuide da casa, enfim, curta tamb�m alguns momentos do dia a dia
>> Se gostar de rezar, reze. Se a ideia � cantar, cante. O importante � aliviar as tens�es, pode ser at� dirigindo o carro neste tr�nsito maluco
>> N�o encare o hospital, cl�nica ou casa do paciente como territ�rio inimigo ou local apenas de tens�es. Fa�a amizades com outros cuidadores, se poss�vel forme grupo em rede social, enfim, socialize. O clima ficar� mais leve
>> Havendo necessidade, busque aux�lio psicol�gico. V�rios hospitais oferecem esse servi�o especializado
>> Leitura tamb�m � bom para aliviar tens�es, assim como ir ao cinema numa folga, ver tev�, almo�ar fora. Estar ao lado do doente, para o cuidador, � essencial, mas, enquanto ele descansa... que tal fazer planos?
>> � importante que o cuidador identifique atividades que lhe s�o prazerosas, e alimente projetos e desejos. Cuidar � uma fun��o e n�o uma forma de anular outros pap�is do indiv�duo e as rela��es interpessoais