
Teoricamente, trata-se do segundo carro do trem em hor�rios de pico – de segunda-feira a sexta-feira, das 6h30 �s 8h30 e das 17h �s 19h, exceto feriados. Por�m, como a lei que entrou em vigor em novembro de 2016 � omissa quanto a esse detalhe, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) se vale do argumento de que ela ainda foi regulamentada para n�o implantar nenhum tipo de sinaliza��o espec�fica nos trens para o chamado vag�o rosa. Sob o mesmo argumento, tampouco fiscaliza ou pune infratores. O Estado de Minas pegou o metr� no hor�rio de pico na quarta-feira e constatou que o carro de passageiros para atendimento exclusivo de mulheres simplesmente � invis�vel. Tudo parece como antes de a lei prevendo a diferencia��o entrar em vigor: sem qualquer separa��o de g�nero, fiscaliza��o ou informa��o para passageiros ou qualquer sinaliza��o.
A maquiadora Keila, que pega o metr� de segunda a sexta-feira era s� mais uma das passageiras que n�o sabia da exist�ncia de um vag�o exclusivo para mulheres. “Isso deveria ser bem divulgado. Eu nunca soube”, afirmou. J� a vendedora Erika Cristina Michel, de 47, disse ter ouvido falar e lamentou o fato de o vag�o rosa n�o entrado nos trilhos. “Acho que seria �timo diante de todos os relatos de ass�dio que v�m sendo divulgados”, disse.
T�o f�cil quanto encontrar uma mulher desinformada sobre a lei � achar uma que tenha sofrido ass�dio nos carros ou nas esta��es do metr�. “Quem nunca levou uma encoxada? Sempre tem um que passa relando na gente. Fico muito constrangida”, comentou a atendente Ma�ra Joice, de 20 anos. A maquiadora Keila tamb�m relembra: “Uma vez um homem se aproximou de mim e come�ou a dizer barbaridades. N�o sabia o que fazer, mas, ao perceber que ele ia descer na mesma esta��o que eu, decidi gritar e responder. Pensei: ‘aqui est� cheio, ele n�o vai ter coragem de fazer nada comigo aqui dentro’”.
De janeiro a julho, foram registrados em Minas Gerais 446 casos de importuna��o ofensiva ao pudor, situa��o popularmente chamada de ass�dio – m�dia de dois por dia – considerando todas as ocorr�ncias, n�o apenas as de transporte. O n�mero � 9% superior ao do mesmo per�odo do ano passado, quando houve 409 ocorr�ncias. Na capital mineira, foram 75 registros nos primeiros sete meses do ano, contra 58 em igual per�odo de 2016. De acordo com a Secretaria de Estado de Seguran�a P�blica (Sesp), na capital, tr�s casos ocorreram em �nibus. N�o h� registros nas esta��es ou no trem do metr� neste ano. Por�m, segundo especialistas, as ocorr�ncias s�o subnotificadas.
RESIST�NCIA Bem ou mal cumprida, a lei encontra resist�ncia entre as mulheres. Para parte delas, o vag�o rosa, al�m de n�o solucionar o problema do ass�dio, segrega a mulher do espa�o p�blico e n�o previne a viol�ncia de g�nero. Fernanda Maria, soci�loga e militante do Levante Popular da Juventude, defende essa posi��o. “� apenas uma maquiagem dos �rg�os governamentais para o problema da seguran�a das mulheres no transporte p�blico. Al�m disso, nos incomoda o fato de que as mulheres, para se protegerem, � que devem sair do espa�o p�blico. Voc� consegue imaginar um vag�o s� de pessoas negras para se protegerem do racismo? Assim como as pessoas negras, que representam 53% do pa�s, as mulheres s�o maioria, sendo 51% da popula��o. N�o faz sentido nos confinarmos para nos proteger da viol�ncia machista”, afirma.

DESEQUIL�BRIO No ano passado, a CBTU tamb�m se posicionou contra a cria��o de vag�o exclusivo para o p�blico feminino. De acordo com a estatal, relat�rios t�cnicos comprovam que a destina��o de vag�es para essa finalidade provocaria um desequil�brio na distribui��o de passageiros, impactando na opera��o di�ria e comprometendo os indicadores de qualidade. “Al�m disso, segundo pesquisa realizada em 2014 cerca de 49,8% dos usu�rios de metr� eram mulheres e a destina��o de um vag�o por trem n�o seria suficiente para atender � demanda”, informou a institui��o.
Um ano depois, o superintendente da CBTU, Miguel Marques, destacou que a institui��o acredita que a viol�ncia contra a mulher � um problema social complexo. “Implantamos o vag�o do jeito que a lei prev�, mas entendemos que ela � muito vaga. Como eu disse, o nosso p�blico feminino � muito grande. Como coloc�-lo apenas em um vag�o? E como fazer com as outras mulheres? � uma lei criada sem entrar em contato com a CBTU. Dever�amos ter bolado uma solu��o para o projeto juntos”, pontua.
Ainda segundo a CBTU, a lei fere o artigo 5º, inciso I, da Constitui��o, que versa sobre a igualdade entre homens e mulheres, e tamb�m o inciso XV, que estabelece o direito � locomo��o em territ�rio nacional, o que j� a tornaria inconstitucional. A companhia reconhece que a norma est� em vigor, mas afirma que “segue aguardando a regulamenta��o da lei, bem como as determina��es quanto a forma de fiscaliza��o” para tomar provid�ncias.
CONTRAPONTO O texto da lei que determina a cria��o de vag�o exclusivo para mulheres no metr� de BH foi publicado 21/10/2016 no Di�rio Oficial do Munic�pio (DOM). A lei deixa a crit�rio da CBTU destacar o chamado vag�o rosa entre as composi��es que j� integram o trem ou adicion�-lo. Estabelece tamb�m que nos demais vag�es poder� haver uso misto. O projeto que deu origem � norma � do vereador L�o Burgu�s (PSL). Um ano depois, o vereador afirma que � “lament�vel que a CBTU precise de outros �rg�os para dizer de que maneira deve proteger os usu�rios dos trens metropolitanos. No primeiro dia que a lei foi implementada, a CBTU colocou v�rios funcion�rios para orientar as pessoas, al�m de avisos em alto-falantes e cartazes. Por que n�o continuou?”, questiona.
Enquanto a companhia alega que “segue aguardando a regulamenta��o da lei”, o vereador acredita que o prefeito Alexandre Kalil deve se posicionar a respeito ap�s os coment�rios feitos pelo superintende. L�o Burgu�s explica que o projeto de lei nasceu de uma peti��o com mais de 10 mil assinaturas para a cria��o do vag�o. “Acho triste, em pleno s�culo 21, termos que separar homens e mulheres devido � completa falta de respeito e educa��o de alguns usu�rios. Esta n�o � a maneira ideal, mas � uma forma imediata de minimizarmos esses acontecimentos sistem�ticos”, completa o vereador.
Pol�mica judicial
Uma jovem sofreu ass�dio sexual em um �nibus na Avenida Paulista na tarde de 29 de agosto. Segundo relato de testemunhas, ela estava sentada em um banco ao lado do corredor, quando Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, que estava em p� na sua frente, tirou o p�nis da cal�a e ejaculou nela. Ap�s o crime, o motorista parou a condu��o e determinou que todos os passageiros descessem do transporte, ficando apenas o agressor, enquanto a pol�cia era acionada. O homem foi detido, mas um juiz do Tribunal de Justi�a de S�o Paulo (TJ-SP) relaxou a pris�o em flagrante do ajudante geral e ele foi liberado. A Justi�a entendeu que n�o houve estupro (artigo 213, no C�digo Penal), como a Pol�cia Civil havia registrado, mas, sim, importuna��o ofensiva ao pudor – classificado como contraven��o penal e n�o crime. Na manh� de 2 de setembro, Diego Novais foi preso novamente por praticar o mesmo ato, segundo a Pol�cia Civil do estado. Desta vez, ele foi acusado de estupro consumado. O caso gerou revolta nacional e acendeu o debate sobre ass�dio no transporte p�blico.
Como denunciar
Defensora da ideia de que a viol�ncia contra a mulher � um problema social complexo e a redu��o dessa pr�tica deve se dar por meio de a��es de seguran�a, bem como de promo��o social, a CBTU criou o SMS Den�ncia. Por meio dessa ferramenta, dispon�vel tamb�m para WhatsApp pelo n�mero (31) 99999-1108, � poss�vel denunciar casos de ass�dio sexual ou qualquer tipo de viol�ncia contra mulheres no metr�. A ferramenta visa ampliar o monitoramento da movimenta��o dos passageiros e inibir a pr�tica de crimes em �reas do sistema. O Centro de Monitoramento da Seguran�a no Metr� (CMS) recebe a mensagem e faz o atendimento imediato acompanhado por meio de c�meras de circuito interno e acionando os agentes mais pr�ximos do local.
