
De janeiro a julho foram registrados em Minas Gerais 446 casos de importuna��o ofensiva ao pudor, situa��o popularmente chamada de ass�dio – m�dia de dois por dia – considerando todas as ocorr�ncias, n�o apenas as de transporte. O n�mero � 9% superior ao do mesmo per�odo do ano passado, quando houve 409 ocorr�ncias. Em Belo Horizonte, foram 75 registros nos primeiros sete meses do ano, contra 58 em igual per�odo de 2016. De acordo com a Sesp, na capital, tr�s casos ocorreram em �nibus. N�o h� registros no metr� ou no trem neste ano. Tamb�m n�o h� o recorte dos dados para transporte privado.
Embora o Uber gere den�ncias na internet em propor��o compat�vel com sua popularidade, na capital mineira, oficialmente, um caso foi registrado. No fim de janeiro, uma jovem de 24 anos acusou um motorista do aplicativo de estupr�-la durante uma viagem, no Bairro Castelo, Regi�o da Pampulha. Numa rua escura, o suspeito teria puxado a jovem para o banco da frente, agarrando-a pelos cabelos e obrigando-a a fazer sexo oral. Como defesa, a v�tima mordeu o homem e conseguiu escapar. N�o houve indiciamento do suspeito. Alguns dias depois, o inqu�rito foi remetido � Justi�a e ao Minist�rio P�blico para an�lise. Em maio, outro condutor foi acusado em Uberl�ndia, no Tri�ngulo Mineiro, do mesmo crime.
Ainda que n�o tenha estat�sticas tabuladas, com base em sua experi�ncia no dia a dia a delegada Camila Miller garante que em Belo Horizonte os campe�es de inqu�ritos s�o os t�xis. Em 2014, um taxista de 39 anos foi preso acusado de estuprar pelo menos 18 mulheres em BH. Entre os casos mais recentes est�o um de novembro do ano passado e outro ocorrido em janeiro deste ano. “Claro que n�o � todo dia, mas � algo que tem sempre, por isso, quando chega algum caso de estupro em t�xi, n�o me surpreende”, diz a policial.
I.M., de 29 anos, conta que, se sai � noite, volta para casa de t�xi. Mas, desde que foi assediada, anda desconfiada e redobrou a aten��o. Em uma das corridas, ao chegar � porta do pr�dio foi constrangida pelo taxista enquanto esperava o troco. “Disse que tinha me achado interessante e se eu podia dar meu n�mero para ele. Respondi que n�o e sa� correndo. Fiquei com medo, porque ele sabia onde eu morava, al�m de muito constrangida e incomodada”, diz. “Sempre combino com minhas amigas de avisar quando chegar em casa ou mandar mensagem caso ocorra algo estranho. � o m�nimo que a gente consegue fazer para se proteger.”
Ela n�o procurou a pol�cia nem denunciou o taxista. “Na teoria, levar esses casos para a pol�cia � muito importante e necess�rio. Mas, na pr�tica, sabemos como as mulheres s�o tratadas quando o assunto � estupro e abuso, como elas s�o colocadas como culpadas e nunca como v�timas. Acredito que com as delegacias da Mulher o cen�rio tenha mudado um pouco, mas � ainda um ambiente machista, por mais absurdo que possa ser uma pol�cia que deveria cuidar da gente ser t�o machista.”
A escritora Clara Averbuck tamb�m preferiu n�o ir � delegacia. “O nojento do motorista do Uber aproveitou meu estado, minha saia, minha calcinha pequena e enfiou um dedo imundo em mim, ainda pagando de que estava ajudando ‘a b�bada’”, relatou ela em rela��o a epis�dio ocorrido em S�o Paulo. Com a hashtag #meumotoristaabusador, ela encorajou v�rias mulheres a tamb�m contarem suas hist�rias.
CONSTRANGIMENTO O Estado de Minas tamb�m ouviu alguns dos relatos de mulheres que enfrentaram ass�dio em BH em transporte por aplicativos. Casos como o de F.M., de 27. Eram 2h30 quando ela saiu da casa de uma amiga, no Bairro Sagrada Fam�lia, na Regi�o Leste, para uma corrida curta no Uber at� onde mora. Ao entrar no carro, recebeu do motorista elogios sobre seu perfume e sua beleza. Ela agradeceu e enviou os dados do condutor a um amigo. No caminho, ouviu perguntas sobre namorado e signo.
Na porta de casa, ao tentar abrir a porta, ela estava travada. Avisou ao motorista e ele, com meio corpo para o banco de tr�s, perguntou se estava com pressa, porque n�o queria que ela fosse embora t�o r�pido. “Fiquei assustada e pedi para ele abrir a porta. Mais uma vez ele perguntou se eu n�o queria ficar mais tempo ali com ele. Pedi novamente para ele destravar a porta. O motorista saiu do carro e abriu a porta pra mim. Quando desci, ele prendeu meu bra�o e disse que queria me conhecer melhor. Eu sorri sem gra�a e entrei em casa.”
F. fez uma publica��o no seu perfil de rede social e descobriu que mais mulheres haviam sido assediadas pelo mesmo motorista, que foi desligado do Uber. “Recentemente, eu estava com uma amiga e ela pediu um Cabify para ir embora. Por sorte, eu vi a foto do motorista que me assediou e, na mesma hora, cancelei o pedido dela”, conta. Ele lembra que o homem mandou mensagem dizendo que tinha sido um flerte, e conta que teve medo de ele aparecer na casa dela. “Fiquei com medo tamb�m de denunciar � pol�cia, por causa do despreparo com esse tipo de situa��o”, diz.

Empresas garantem que conscientizam parceiros
Por meio de nota, o Uber informou que a empresa “acredita que as mulheres t�m o direito de ir e vir da maneira que quiserem e, al�m disso, t�m o direito de fazer isso em um ambiente seguro”, e cr� “na import�ncia de combater, coibir e denunciar casos de ass�dio e viol�ncia contra a mulher”. De acordo com a plataforma, quando um caso de ass�dio � reportado, o motorista parceiro � desligado.
O texto acrescenta que, em mar�o, foi lan�ada campanha de preven��o ao ass�dio, que busca ajudar os motoristas parceiros a entender como se sentem as passageiras e ajud�-los a lidar com situa��es do cotidiano. Eles receberam uma cartilha digital e um v�deo que retratam situa��es reais do dia a dia e os cuidados que devem ser tomados em cada uma delas. Exemplares de uma vers�o impressa da cartilha tamb�m est�o sendo distribu�dos nos mais de 70 centros de atendimento do Uber no pa�s, segundo a empresa.
O aplicativo informa ainda que os motoristas precisam ter m�dia de 4,6 (em uma escala de 1 a 5 estrelas) para continuar na plataforma. Em caso de incidente, a situa��o pode ser reportada no pr�prio aplicativo. O Uber “conta com uma equipe de suporte que analisa caso a caso com rapidez. � importante frisar que o conte�do � completamente sigiloso e n�o ser� divulgado”, diz o texto.
Tamb�m por meio de nota, a Cabify informou que o cadastramento de motoristas parceiros inclui a verifica��o de documentos como a certid�o de antecedentes criminais atualizada no �mbito estadual e federal, al�m de exames toxicol�gicos. A empresa faz ainda palestras informativas presenciais para se certificar de que todos os condutores sigam as pol�ticas de qualidade e seguran�a. A empresa conta com um servi�o de atendimento 24 horas por dia para o suporte a usu�rios e motoristas. E diz que est� � disposi��o das autoridades no sentido de auxiliar em eventuais tr�mites processuais.
O presidente do sindicato dos taxistas de Minas Gerais (Sincavir), Avelino Moreira, diz que, por causa de situa��es conflitantes, a regulamenta��o dos transportes por aplicativo � importante. Ele ressalta que entre os crit�rios para ocupar o posto de taxista est� a exig�ncia de certid�es criminais negativas. “Esses cuidados s�o o primeiro norte de seguran�a”, afirma. Quanto � frequ�ncia das acusa��es contra integrantes da categoria, relatada pela titular da Delegacia Especializada em Combate � Viol�ncia Sexual de BH, o representante diz n�o ter conhecimento de nenhum caso do tipo.
Constrangimento a caminho de casa
Apostar no transporte particular na tentativa de chegar em casa em seguran�a nem sempre tem sido garantia de tranquilidade em BH, especialmente para passageiras. � o que evidenciam v�rios relatos de mulheres ouvidos pelo Estado de Minas. Uma delas, A.C., de 21, saiu de uma festa em maio do ano passado, �s 23h. Pegou o Uber no Bairro S�o Pedro, na Regi�o Centro-Sul de BH e, ao subir a Avenida Nossa Senhora do Carmo, come�ou a ser bombardeada de perguntas. O motorista insistiu que estava cedo para voltar para casa e que eles deveriam sair. “Eu recusei e j� comecei a ficar com medo. Disse que s� queria chegar em casa r�pido”, diz. Ele desviou do caminho sugerido pelo aplicativo, passou por um aglomerado e continuou a fazer perguntas invasivas. Perto do destino, trancou as portas do ve�culo. O medo foi grande at� que ela conseguisse destrav�-las e correr para casa.
Uma busca r�pida nas redes sociais � suficiente para se deparar com uma enxurrada de relatos como esse, de mulheres v�timas de constrangimento e crimes sexuais. Os n�meros oficiais s�o subnotificados. “Traz constrangimento � mulher. Ela n�o quer falar sobre o fato, tem vergonha”, afirma a titular da Delegacia Especializada em Combate � Viol�ncia Sexual, Camila Miller. Al�m desse motivo, muitas delas preferem n�o formalizar den�ncia por desconfiar da estrutura e do preparo dos policiais no atendimento a esses casos.
A jovem A.C. � uma das que preferiram a internet a procurar a pol�cia. “Mandei uma mensagem para um amigo, desesperada, e pedi para ele chamar a pol�cia se eu n�o chegasse em casa em 10 minutos. Quando chegou � minha rua, o motorista desacelerou mais ainda e eu comecei a tremer”, afirma. “Ele come�ou a elogiar minha roupa e meu perfume e eu fiquei tentando abrir a porta. Ele parou na esquina da minha casa e eu consegui abrir e sa� correndo”, lembra.
Ela se recorda de que enviou mensagem para a Uber, que demorou a responder, mas reembolsou o valor da viagem. “Postei sobre o ocorrido no Facebook, com a placa do carro, e v�rias meninas disseram ter passado pela mesma situa��o naquela noite. Algumas relataram que o motorista tentou beij�-las, outra que passou a m�o na perna, uma que foi deixada trancada dentro do carro, coisas bem piores do que o que rolou comigo.”
A. recebeu informa��es de que o motorista estaria rodando pelo Cabify. Na �poca, n�o fez boletim de ocorr�ncia. “Eu n�o tinha prova de nada, � muito dif�cil algu�m te ouvir e acreditar no seu relato. Depois ele disse que eu entendi a situa��o errada e que ele estava tentando ser gentil. Mas o que me assustou foram amigas dele me dizendo que ele tinha dinheiro e ia me processar.”
PAVOR A jovem I.R., de 21, tamb�m preferiu a internet � delegacia. Sexta-feira passada ela pegou um Uber para ir da Savassi, na Regi�o Centro-Sul de BH, ao Buritis, Zona Oeste. Quase chegando ao destino, ela viu pelo reflexo no vidro que o motorista se masturbava. “Eram 14h30 e ele fez isso na maior cara de pau. Pensei em fazer um esc�ndalo, mas sou pequena e ele, gigante. Fiquei com medo de ele me levar para algum buraco, me estuprar e matar. Fiquei calada”, disse. “Ele ficava me encarando pelo retrovisor. Nunca senti tanto nojo e medo. Denunciei no Uber, mas acho que n�o vai dar em nada.”
A delegada Camila Miller ressalta que o primeiro passo em casos como esse � o registro de ocorr�ncia. Em BH, isso pode ser feito em qualquer delegacia e, preferencialmente, na de Combate � Viol�ncia Sexual. “Pela especializa��o, o acolhimento da mulher � feito de maneira mais adequada.” A policial destaca as peculiaridades desse tipo de investiga��o: “� um crime que ocorre na clandestinidade. N�o � um roubo, em que a pessoa deixa testemunhas. Por isso, a palavra da v�tima tem bastante relev�ncia.”