
A chegada � comunidade quilombola de Mangueiras, no Bairro Aar�o Reis, provoca uma sensa��o de o�sis em meio � selva de pedra da cidade. O cheiro forte das �rvores e frutos que d�o origem ao nome, a mata e as �guas que cortam o territ�rio combinam com o ambiente tranquilo e acolhedor dos moradores ao receberem os visitantes. O quilombo � um dos que, ao lado do de Lu�zes, no Bairro Graja�, e do de Manzo Ngunzo Kaiango, no Santa Efig�nia, foram reconhecidos na quarta-feira como patrim�nio cultural do munic�pio pelo Conselho Deliberativo do Patrim�nio Cultural de Belo Horizonte.
A invas�o de seus territ�rios � uma das maiores preocupa��es, acompanhada das manifesta��es de racismo e desrespeito �s seus la�os culturais. “O ato da prefeitura � uma a��o de prote��o legal na quest�o urban�stica. Abre espa�o para outras formas de proporcionar um outro olhar que valorize a cultura e o territ�rio desses povos, alguns que se formaram antes da constru��o da capital”, observou Ismael Andrade Neiva, t�cnico da Diretoria de Patrim�nio Arquivo e Conjunto Moderno da Pampulha, da Funda��o Municipal de Cultura, que sa�da, mas critica a “demora” da medida.
"Acho que essa a��o refor�a nossos la�os e nos d� visibilidade para que tenhamos respeito"
Yvone Maria de Oliveira, vice-presidente da Associa��o Quilombola da Mangueiras
Para a presidente do Instituto Estadual de Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Iepha, Michele Arroyo o atual conceito de patrim�nio cultural “� a a��o mais representativa que concilia a democratiza��o e o reconhecimento hist�rico da import�ncia dessas comunidades na compreens�o de Belo Horizonte”.
Na Mangueiras, localizada no quil�metro 13,5 da MG-20, que liga Belo Horizonte a Santa Luzia, na regi�o metropolitana, apenas uma placa indica a exist�ncia da comunidade. Quem passa pelo tr�nsito nervoso da via n�o imagina que naquele ponto h� uma hist�ria mais antiga que a capital.
L�, cercada pelos netos Yuri de Oliveira Moreira Crispim de 8 anos, Ana Shopia Moreira Ara�jo Santos, de 2, e Kaique de Oliveira Moreira Crispim, 10, Yvone Maria de Oliveira, vice-presidente da Associa��o Quilombola da Mangueiras, recebe a equipe do Estado de Minas com um largo sorriso. Conta que a comunidade vem resistindo h� mais de um s�culo �s diversas tentativas de tomada do territ�rio, de invas�es e descaso do poder p�blico e de parte da sociedade.
S�o 28 fam�lias. Algumas sobrevivem da agricultura de subsist�ncia. “Antes, todos trabalhavam como pequenos agricultores, mas com as ocupa��es e constru��es fomos perdendo terreno. Como somos de uma mesma fam�lia, os que trabalham fora compram os produtos agr�colas da comunidade. Uma forma de ajudarmos uns aos outros”. Na entrada, fica a “�rea comercial”, com pequenos com�rcios de bebidas e alimentos.
J� s�o seis gera��es mantendo as tradi��es culturais. “Aqui convivemos todos em harmonia”, refor�a Yvone. As manifesta��es mais fortes s�o as religiosas, com destaque para terreiro de candombl� e umbanda. O reconhecimento de patrim�nio imaterial cultural abre as portas para que se pratiquem pol�ticas p�blicas que protejam as riquezas culturais e territoriais do quilombo, acredita Ivone. “Acho que essa a��o refor�a nossos la�os e nos d� visibilidade para que tenhamos respeito.”
Entre matas e riachos
Ao obter o reconhecimento a seu territ�rio, a comunidade quilombola Mangueiras deu mais um passo para o processo de regulariza��o fundi�ria da �rea, na qual vivem 35 fam�lias. Os procedimentos foram iniciados no Incra em janeiro de 2008, com a elabora��o do Relat�rio Antropol�gico de Caracteriza��o Hist�rica, Econ�mica e Sociocultural pelo N�cleo de Estudos de Popula��es Quilombolas e Tradicionais (NuQ) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Situada na Regi�o Nordeste, no Bairro Aar�o Reis, no quil�metro 13,5 da MG-020, a comunidade ocupa �rea lim�trofe ao munic�pio de Santa Luzia, cercada pela Mata do Isidoro. Sua origem remonta �s �ltimas d�cadas do s�culo XIX, com a ocupa��o das terras pela matriarca, Maria B�rbara de Azevedo, nascida em Santa Luzia em 1863, filha do casal Cassiano Jos� de Azevedo e Vic�ncia Vieira de Lima.
Ela trabalhava artesanalmente na fabrica��o de panelas de barro e na produ��o de doces e tem o nome citado, de forma recorrente, pelos integrantes da comunidade, como refer�ncia hist�rica pela cria��o do quilombo.
O territ�rio fica em �rea de preserva��o ambiental, com nascentes, vegeta��o nativa, fauna e flora. Apesar de ser considerada uma comunidade urbana, os moradores mant�m caracter�sticas rurais, como pr�ticas agr�colas (especialmente hortali�as), cria��o de animais, uso do fog�o a lenha e plantas medicinais.

‘Cerco’ residencial
A comunidade dos Lu�zes fica no Bairro Graja�, Regi�o Oeste. H� relatos do quilombo desde em 1895, quando seu territ�rio era em Nova Lima. Em 1930, a �rea (13 alqueires) foi vendida � minera��o Morro Velho. Com o dinheiro, Nicolau Nunes Moreira e Ana Apolin�ria, matriarca, compraram uma gleba de terra da Fazenda Calafate em Belo Horizonte e montaram um mocambo, onde os nove filhos foram criados.
Mesmo certificada pela Funda��o Cultural Palmares, grande parte do terreno encontra-se ocupado ilegalmente e h� press�o devido a projetos imobili�rios e invas�es. De 18 mil metros quadrados, com mais de 2 mil pessoas em 37 lotes, caiu para 6 mil metros quadrados, com cerca de 150 moradores.
Quase n�o h� mais sinais das dan�as afro que ocorriam aos s�bados, devido a reclama��es da vizinhan�a com o barulho dos batuques.
Nos Lu�zes ocorre anualmente em julho a festa de Nossa Senhora de Santana, aberta ao p�blico. Nela tem-se o congado e a celebra��o da missa conga, com tradicionais c�nticos e comidas africanos.

Terreiro tradicional
A comunidade Manzo Ngunzo Kaiango localiza-se na Rua S�o Tiago, 216, no alto do Bairro Santa Efig�nia/Para�so, Regi�o Leste, em um terreno que abriga 11 fam�lias (50 pessoas). A matriarca, M�e Efig�nia (Efig�nia Maria da Concei��o), est� ligada a todos os moradores por la�os de parentesco, seja consangu�neo ou religioso.
A comunidade, que � tamb�m um terreiro tradicional, foi certificada em 2007 pela Funda��o Cultural Palmares como remanescente de quilombo. Ocupa a �rea desde a d�cada de 1970, quando iniciou suas atividades como casa de umbanda “Terreiro de Pai Benedito”, depois transformado em terreiro de candombl� de Angola. Hoje ela se organiza por meio da Associa��o de Resist�ncia Cultural da Comunidade Quilombola Manzo Ngunzo Kaiango.
Sem fins lucrativos, a entidade sobrevive gra�as a doa��es. Denominado por M�e Efig�nia como “Uma casa de portas abertas”, o terreiro oferece projeto social e cultural de capoeira a 64 crian�as e jovens do entorno e de bairros vizinhos.